A Polícia Federal desencadeou, ontem, no Rio de Janeiro e em São Paulo, a Operação Placedo, que apura suspeitas de desvio de recursos públicos em ações de combate à pandemia do novo coronavírus. Foram cumpridos 12 mandados de busca e apreensão, inclusive em endereços relacionados ao governador Wilson Witzel (PSC). A operação, embora autorizada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), reforçou as suspeitas de uso político da Polícia Federal. Em nota, o chefe do Executivo estadual afirmou que a interferência na corporação, por parte do presidente Jair Bolsonaro, seu desafeto, “está devidamente oficializada”. Na véspera, a deputada bolsonarista Carla Zambelli (PSL-SP) adiantou, durante uma entrevista, que governadores seriam alvo de investigações, o que levantou suspeitas de vazamento de informações. A deflagração da operação teve repercussão entre políticos e entidades.
Em coletiva de imprensa, Witzel protestou contra a ação. “Não foram encontrados valores, não foram encontradas joias. Se encontrou foi apenas a tristeza de um homem e de uma mulher pela violência com que esse ato de perseguição política está se iniciando no nosso país”, frisou. “O que aconteceu comigo vai acontecer com outros governadores que forem considerados inimigos. Narrativas fantasiosas, investigações precipitadas, um mínimo de cuidado na investigação do processo penal levaria aos esclarecimentos necessários.”
Mais cedo, o governador já tinha emitido uma nota negando ilegalidades. “Não há absolutamente nenhuma participação ou autoria minha em nenhum tipo de irregularidade nas questões que envolvem as denúncias apresentadas pelo Ministério Público Federal”, diz um trecho do comunicado. “Estranha-me e indigna-me sobremaneira o fato absolutamente claro de que deputados bolsonaristas tenham anunciado em redes sociais, nos últimos dias, uma operação da Polícia Federal direcionada a mim, o que demonstra limpidamente que houve vazamento, com a construção de uma narrativa que jamais se confirmará. A interferência anunciada pelo presidente da República está devidamente oficializada.”
Também por nota, Helena Witzel afirmou que “a diligência nada encontrou que pudesse comprovar alegações de seus requerentes”. Ela também disse que seu escritório prestou serviços para a empresa apontada pelo Ministério Público Federal, “tendo recebido honorários, emitido nota fiscal e declarado regularmente os valores na declaração de Imposto de Renda do escritório”. A advogada frisou respeitar as instituições, mas lamentou “que a operação tenha sido imbuída de indisfarçada motivação política, sendo sintomático, a esse respeito, que a ação foi antecipada na véspera por deputada federal aliada do presidente Jair Bolsonaro”.
O chefe do Executivo negou participação na deflagração das ações. “A operação de hoje (ontem) não tem nada a ver comigo. A PF foi cumprir uma decisão do STJ. Não fui eu que decidi. Nunca decidi operação nenhuma”, enfatizou. “A PF, no meu entender, tem trabalhado com muita liberdade. Da nossa parte, não existe interferência.”
Comemoração
De qualquer forma, há muito tempo não se via um clima de tanta euforia no Palácio do Planalto. Quem esteve com Bolsonaro, ontem, disse que ele está exultante diante da operação da PF. Para os mais próximos, afirmou que Witzel foi abatido com um tiro de canhão.
Pelos relatos que recebeu da operação, Bolsonaro não tem dúvidas de que, politicamente, Witzel está destruído. Alguns assessores mais afoitos do presidente dizem a ele que, dificilmente, o governador do Rio terminará o mandato. A PF não dará trégua a ele.
Na avaliação no Planalto, tudo joga contra Witzel: há indícios claros de que houve corrupção no governo dele, a operação da Polícia Federal ocorre num momento dramático para o país e as suspeitas são de desvios de verbas da saúde em meio a uma pandemia. “Isso bate fundo na opinião pública”, afirmou um integrante do Planalto.
Bolsonaro acredita que, à medida que as investigações forem avançando, e as provas contra Witzel aparecendo, a oposição contra o governador no estado poderá resultar em um processo de afastamento aberto pela Assembleia Legislativa. Aquela casa, ressalta outro assessor presidencial, é bolsonarista.
Mudanças na PF
Recentemente, Bolsonaro mudou a cúpula da Polícia Federal, gesto que motivou a saída do então ministro da Justiça, Sergio Moro, do governo. A ação de ontem foi deflagrada um dia após ser nomeado o novo superintendente da corporação no Rio, Tácio Muzzi. A representação da PF no estado está no centro de uma investigação autorizada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) que apura se o presidente busca interferir politicamente em investigações da corporação.
MPF: irregularidade até em caixa d'água
As buscas na Operação Placebo foram pedidas pela Procuradoria-Geral da República (PGR) e executadas por agentes da PF de Brasília que atuam em inquéritos relacionados a autoridades com foro no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Entre os endereços visitados estavam o Palácio das Laranjeiras, residência oficial do governador do Rio; uma casa dele no bairro do Grajaú, na zona norte da capital fluminense; o Palácio Guanabara, sede oficial do governo estadual; e o escritório de advocacia da primeira-dama do estado, Helena Witzel, no Leblon, zona sul do Rio. No Palácio das Laranjeiras, foram apreendidos computadores e celulares do governador.
Os mandados, autorizados pelo ministro Benedito Gonçalves, do STJ, tiveram por base duas investigações conduzidas pela Lava-Jato no Rio e pelo Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ). Ambas relacionam o nome de Witzel a empresários e gestores envolvidos com desvios nos recursos destinados ao combate à pandemia no estado. Um dos indícios foi obtido por promotores estaduais após ouvirem, durante seis horas, na semana retrasada, o ex-subsecretário estadual de Saúde Gabriell Neves, que está detido no Presídio José Frederico Marques, em Benfica.
A ação também se baseou em uma prova obtida nas investigações da Operação Favorito, uma ação da força-tarefa da Lava-Jato executada há duas semanas, com elementos da relação entre o governador e o empresário Mário Peixoto, preso na ocasião.
Outra menção a Witzel nas investigações da Favorito ocorreu durante uma ligação entre o empresário Luiz Roberto Martins Soares, um dos principais alvos da operação, e o ex-prefeito de Nova Iguaçu Nelson Bornier. Na conversa, os dois mencionaram a revogação de uma resolução conjunta das secretarias estaduais de Saúde e da Casa Civil que desqualificou o Instituto Unir Saúde para seguir à frente das UPAs do estado no ano passado.
Em São Paulo, os investigadores vasculharam a sede da Organização Social Iabas, na zona sul da capital, e a casa de um diretor da entidade. A Iabas firmou contrato de R$ 835 milhões com o governo do Rio para implantação de sete hospitais de campanha no estado. O prazo para a entrega das unidades venceu em 30 de abril, porém, a única entregue até o momento foi a do estádio do Maracanã e, mesmo assim, pela metade.
Os mandados de busca e apreensão também tiveram como alvos os sócios das empresas Clube de Produção e Corporate Events. Elas disputaram com a Iabas o contrato de R$ 835 milhões, que incluía, além da montagem dos hospitais, o fornecimento de mão de obra e insumos. Existe a suspeita de que essas empresas teriam participado de um esquema de fraude no processo seletivo.
Provas
A PF afirma ter reunido provas que apontam para Witzel no topo da lista do grupo que fraudou o orçamento até de caixa d’água nas unidades temporárias de saúde no estado. O governador teria o auxílio da mulher, Helena Witzel, e do ex-secretário de estado da Saúde Edmar Santos.
O ministro Benedito Gonçalves menciona as suspeitas de que Witzel comandou as ilegalidades. “Afirmam (os investigadores) que as provas coletadas até este momento indicam que, no núcleo do Poder Executivo do estado do Rio, foi criada uma estrutura hierárquica, devidamente escalonada a partir do governador, que propiciou as contratações sobre as quais pesam fortes indícios de fraudes”, prosseguiu.
O magistrado anotou, ainda, que a investigação trata de “supostos ilícitos cometidos por alguns investigados com conhecimento jurídico, cuja obtenção de prova torna-se bastante difícil”. Witzel é ex-juiz federal e a esposa dele, advogada.
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