Politica

Autor de 'Como as democracias morrem': ''Bolsonaro é um risco, mas é fraco''

Professor da Universidade Harvard avalia que, apesar de presidente ser um risco a ser considerado, ação dos militares gera mais preocupação

Correio Braziliense
postado em 26/05/2020 16:55
''Fraco desempenho de Bolsonaro em resposta à pandemia o enfraqueceu até agora'', avalia Steven LevitskyA escalada autoritária das manifestações a favor do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) — com agressões a jornalistas e pedidos de intervenção militar e de fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF) — despertou em parte da população a dúvida sobre o risco de o Brasil viver uma nova ditadura. Para Steven Levitsky, porém, as chances são pequenas. 

Professor de ciência política na Universidade Harvard, nos Estados Unidos, com uma pesquisa focada na América Latina e em países em desenvolvimento, Levitsky, que é um dos autores do best-seller Como as democracias morrem, conversou com o Correio sobre a atual situação do Brasil. Na avaliação dele, Bolsonaro representa, sim, um risco, mas esbarra na baixa popularidade e na falta de habilidade política. O docente se diz preocupado, contudo, com a proximidade de apoiadores do presidente com grupos armados e com alas militares, que, recentemente, chegaram a falar em "guerra civil" — assim como em 1964.

Confira a entrevista:

Como o senhor avalia o cenário atual do Brasil? Bolsonaro é um risco à democracia?

Sim, Bolsonaro é um risco. O Brasil tem instituições democráticas bastante fortes, mas sempre que uma sociedade elege uma figura abertamente autoritária como presidente (e isso é verdade também nos Estados Unidos), a democracia está em risco.

Em Como as democracias morrem, o senhor apresenta quatro indicadores de comportamento autoritário. Bolsonaro se encaixa em algum deles? Quais?

Os quatro indicadores são (1) rejeição das regras democráticas do jogo; (2) negação da legitimidade dos oponentes políticos; (3) propensão a restringir liberdades civis básicas de rivais ou da mídia; (4) encorajamento ou tolerância à violência. Bolsonaro se encaixa nos quatro. Isso ficou claro durante a campanha de 2018 e é por isso que era tão perigoso elegê-lo.

Bolsonaro tem 25% de aprovação. O senhor disse que políticos autoritários de outros países, como Hugo Chávez na Venezuela, chegavam a contar com 70% de apoio popular. Apesar disso, Bolsonaro tem o apoio de uma minoria radical — que, inclusive, promoveu ataques a jornalistas. Quais os riscos disso?

Em termos de proteção à democracia, é melhor ter um presidente com 25% de aprovação do que um com 70%. Como (Alberto) Fujimori, (Hugo) Chávez, (Rafael) Correa, (Evo) Morales e (Rodrigo) Duterte nas Filipinas mostraram, um presidente com 70% de aprovação pode provocar diversos danos muito rapidamente à democracia. Com 25% é mais difícil. Bolsonaro é mais fraco. Ele não pode convocar um plebiscito e fechar o Congresso. Ele não pode reescrever a Constituição. Ainda há riscos, é claro. O Brasil está polarizado e os apoiadores de Bolsonaro têm laços perigosos com grupos armados e alas militares. Então, certamente, Bolsonaro pode provocar danos. Mas é mais difícil para ele — e ele pode, facilmente, falhar e cair do poder.

No livro, o senhor enfatiza a importância dos freios e contrapesos constitucionais para evitar ditaduras. No caso do Brasil, como as instituições têm agido diante de ameaças à democracia? Nosso sistema pode evitar uma ditadura?

Eu penso que o Brasil tem uma boa chance de evitar uma ditadura, em parte porque Bolsonaro é fraco, impopular e politicamente inábil, mas também porque o Congresso e os tribunais continuam sendo instituições fortes. Nada é garantido, especialmente durante essa crise, mas eu acho que o Brasil pode atravessar.

A pandemia do novo coronavírus pode contribuir de alguma maneira para uma escalada antidemocrática?

Pode. As crises às vezes permitem que os líderes eleitos concentrem o poder autocrático — como vimos na Hungria e talvez em El Salvador. E crises econômicas prolongadas frequentemente minam democracias frágeis. Mas as crises geralmente também enfraquecem governos autocráticos. O fraco desempenho de Bolsonaro em resposta à pandemia o enfraqueceu até agora.

Esta semana, um grupo de militares divulgou uma carta que falava em "guerra civil". O senhor vê algum risco de guerra civil no Brasil?

Dado o nível de desigualdade e o crime organizado, há, certamente, um risco de escalada da violência no Brasil. Uma guerra civil de verdade parece menos provável. O que mais me preocupa são as autoridades militares usarem uma suposta ameaça de guerra civil para justificar um maior envolvimento militar na política — como aconteceu em 1964.

Algum país passou por trajetória parecida com a que estamos vivendo? Qual foi o desfecho?

Nada como isso, não.

O que deve ser feito para evitar que o Brasil entre em uma nova ditadura?

Os políticos democratas, da esquerda à direita, devem se unir em defesa das instituições democráticas e isolar os atores antidemocráticos. Os políticos brasileiros falharam em fazer isso em 2018. Não devem falhar novamente.

Notícias pelo celular

Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.


Dê a sua opinião

O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.

Tags