Correio Braziliense
postado em 18/05/2020 06:00
Depois da fase de coleta de provas, depoimentos de testemunhas e do ex-ministro Sergio Moro, a Procuradoria-Geral da República pretende ouvir o presidente Jair Bolsonaro no inquérito aberto pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para investigar se o chefe do Executivo tentou interferir na Polícia Federal. O decano da Corte, Celso de Mello, assiste, hoje, ao vídeo da reunião ministerial e decide se torna público ou não o conteúdo da considerada peça-chave para direcionar o caso.
A Advocacia-Geral da União (AGU) manifestou-se sobre a possibilidade do levantamento do sigilo do vídeo da reunião, realizada em 22 de abril. Foi nesse encontro que, segundo Sergio Moro, Bolsonaro o ameaçou de demissão, juntamente com o então diretor-geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo, ao pressionar pela troca do comando da superintendência do órgão no Rio de Janeiro e cobrar os relatórios de inteligência da corporação. Enquanto a defesa de Moro se manifestou favorável à divulgação da íntegra da gravação, argumentando se tratar de “interesse público”, a AGU solicita ao ministro Celso de Mello que sejam divulgadas publicamente apenas as declarações feitas pelo presidente da República no encontro.
Na mesma petição, a AGU reitera as afirmações de Bolsonaro de que, durante a reunião, ele não citou as palavras “Superintendente”, “Diretor-Geral” ou “Polícia Federal”. Já o procurador-geral da República, Augusto Aras, fez um pedido ainda mais restritivo: de que somente o conteúdo pertinente à investigação proferido por Bolsonaro se tornasse público, excluindo, por exemplo, a parte em que ele faz considerações a respeito de outros países, como referências que fez à China.
Augusto Aras, responsável pelo pedido de abertura de inquérito ao STF, avalia a necessidade da tomada de novos depoimentos para que Bolsonaro seja ouvido na investigação. A informação foi apurada pelo Correio junto a fontes da PGR. Aras deve enviar, nos próximos dias, ao ministro Celso de Mello, um pedido de autorização para ouvir novas testemunhas com a finalidade de fechar os últimos pontos da fase de oitiva das testemunhas. A expectativa é de que esse item seja finalizado dentro de uma semana.
Os depoimentos de ministros militares, Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional (GSI); Walter Braga Netto, ministro-chefe da Casa Civil; e Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo, foram parecidos. No entanto, entre os delegados da Polícia Federal ocorreram algumas divergências que ainda precisam ser esclarecidas, como declarações feitas pelo chefe do Executivo na presença dos demais integrantes do governo.
A deputada Carla Zambelli também deixou de prestar algumas informações, como o fato de ter dito para Moro que se ele saísse do governo, o presidente cairia. Ela enviou o aviso por mensagem de WhatsApp, mas apagou parte da conversa em seguida. O trecho, porém, foi recuperado no celular do ex-ministro da Justiça. Haverá, ainda, o depoimento de três delegados, entre eles, Carlos Henrique Oliveira, atual diretor-executivo da PF, que falará com os investigadores pela segunda vez. Ele deve acrescentar informações ao inquérito.
Após essas diligências, Bolsonaro será ouvido, provavelmente por escrito, como os antecessores. Essa prerrogativa é garantida aos ocupantes do cargo de chefe de poder. No momento, as autoridades envolvidas no inquérito estão analisando os depoimentos já colhidos e também o vídeo da reunião ministerial de 22 de abril.
O ministro Celso de Mello decide, nesta semana, se torna pública ou não a reunião ministerial que norteia o inquérito. Como ele não está em Brasília, terá acesso por meio de um programa de acesso remoto, instalado no computador que está em seu gabinete na sede do Tribunal. Após a reunião de 22 de abril, Bolsonaro demitiu Valeixo e nomeou Rolando de Souza como substituto no cargo. O primeiro ato do novo diretor-geral da PF foi trocar a chefia da superintendência da corporação no Rio. Rolando assumiu o cargo depois de o ministro Alexandre de Moraes, do STF, suspender a nomeação de Alexandre Ramagem, amigo da família Bolsonaro, como diretor-geral da PF. O Correio apurou que, na avaliação de Aras, os elementos contidos até o momento no inquérito ainda não foram suficientes para ele formar opinião sobre indícios do cometimento de crimes por Bolsonaro e Moro. Por isso, a necessidade de novos depoimentos.
No entanto, a revelação sobre as trocas na equipe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) dias antes da reunião que estourou o caso sugere que, diferentemente do que vinha alegando o chefe do Executivo, a exigência sobre a troca na “segurança do Rio” refere-se à Superintendência da PF fluminense, como sustenta Moro.
“Já tentei trocar gente da segurança nossa no Rio de Janeiro oficialmente e não consegui. Isso acabou. Eu não vou esperar f ... minha família toda de sacanagem, ou amigo meu, porque eu não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha que pertence à estrutura. Vai trocar, se não puder trocar, troca o chefe dele, não pode trocar o chefe, troca o ministro. E ponto final. Não estamos aqui para brincadeira”, disse Bolsonaro, no encontro ministerial de 22 de abril, conforme transcrição encaminhada ao Supremo pela AGU. Na versão do presidente, os problemas mencionados seriam referentes à mudança no próprio gabinete de segurança pessoal.
Fernando Parente, advogado criminalista e professor de processo penal do Instituto de Direito Público (IDP), falou sobre a possibilidade de Augusto Aras desistir de novas testemunhas e oferecer as primeiras denúncias no inquérito. “A próxima fase pode se dar com a análise, pelo Ministério Público Federal, das provas já apresentadas, como depoimentos e o vídeo da reunião. O MP pode entender que há material suficiente para concluir pelo arquivamento da investigação, porque não há nada de criminoso, ou pelo oferecimento de denúncia contra alguém, seja contra o presidente Jair Bolsonaro ou contra Sergio Moro, ou, ainda, o MP pode pedir para se investigar mais. A partir de um pedido de provocação da Procuradoria-Geral da República, o ministro Celso de Mello pode entender necessária alguma diligência investigativa”, afirmou Parente, que também é sócio do Guimarães Parente Advogados.
Caso o presidente Bolsonaro seja denunciado por Augusto Aras, a acusação deve ser, antes, apreciada pela Câmara dos Deputados, onde serão necessários os votos de dois terços dos parlamentares (342) para acatá-la. Se a denúncia for acolhida pela Câmara, ela seguirá para STF, que decidirá se abre ou não processo penal contra um ou mais acusados. Se o presidente virar réu, é afastado do cargo. Se os deputados rejeitarem a denúncia da PGR, a mesma fica suspensa até o fim do mandato do presidente Bolsonaro.
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