A saída de
Nelson Teich apenas 28 dias após assumir o ministério mais importante do governo no atual estágio da pandemia da covid-19 é um sintoma claríssimo de um governo doente. Teich tentou estabelecer uma alternativa à linha adotada pelo antecessor, Luiz Henrique Mandetta, ressaltando, por exemplo, a necessidade de se considerar as particularidades regionais da doença. Com um estilo reservado, estranho aos modos afetados e grosseiros que vigoram nos corredores do poder de Brasília, Teich tentou estabelecer algum parâmetro para a regra geral do isolamento social defendida por Mandetta. Chegou a anunciar um plano específico para cada região, mas a proposta teve de ir para a gaveta após ter sido reprovada pelos secretários estaduais de saúde. Teich não conseguiu emplacar suas convicções na área da medicina no complexo e conflitante cenário do novo coronavírus no Brasil. Mas o golpe letal para o médico oncologista foi a alucinada política que está em curso no Palácio do Planalto. A obsessão do presidente Bolsonaro com o uso da cloroquina, contrariando os estudos divulgados pela comunidade científica, significou a gota d’água para Teich. Durante a passagem de quatro semanas em Brasília, o então ministro sinalizou alguma divergência com Mandetta, mas sempre deixou clara a fidelidade aos princípios da ciência. Foi vencido pelas intempéries da política.
É interessante observar o que as demissões de Teich, Mandetta e Moro guardam em comum. Os três ministros deixaram o governo porque não reuniam mais condições de resistir à artilharia proveniente do Planalto. Teich caiu porque não se dobrou à pressão de recomendar o uso em massa da cloroquina no Sistema Único de Saúde, noves fora a humilhação de nem sequer ter sido consultado sobre o decreto que autoriza abertura de academias, salões de beleza e barbearias. Mandetta pediu o boné após as sucessivas saídas do presidente às ruas de Brasília, em flagrante desrespeito às recomendações do isolamento social, e uma batalha midiática contra o chefe do Executivo. Moro encerrou a controversa participação no governo Bolsonaro de maneira explosiva, detonando um inquérito no Supremo Tribunal Federal para averiguar suspeita de interferência política na Polícia Federal. Assim como os colegas Teich e Mandetta, Moro saiu após um longo e contínuo processo de desgaste, humilhações e enfrentamento com o chefe. É triste constatar os lamentáveis danos causados às políticas públicas que eram conduzidas pelos titulares das pastas. Mas esse é um sintoma menor dentro do quadro crítico em que se encontra o governo federal e, por extensão, o país.
A demissão de Nelson Teich pode resolver momentaneamente o incômodo do Palácio do Planalto, mas em nada contribui para enfrentar o problema mais grave e urgente para o país. A pandemia da covid-19 segue implacável no Brasil real, aquele que fica distante das intrigas de gabinete, e permanece como ferida aberta. Com quase 15 mil mortes e mais de 200 mil casos oficialmente confirmados, o país não tem uma voz de comando nacional no combate à doença que sangra os brasileiros. O governo federal, ator fundamental no esforço de guerra para combater o inimigo que a cada dia ceifa 800 vidas e infecta outras mil, precisa cumprir o dever constitucional de zelar pela saúde dos brasileiros. Mais do que nunca, o Palácio do Planalto precisa interromper a marcha belicosa e buscar o entendimento, pois a calamidade na saúde do país caminha para níveis catastróficos — e ainda não estamos falando do problema econômico. É preciso, com máxima urgência, parar de tratar governadores e prefeitos como inimigos; oferecer as melhores condições possíveis de trabalho para os milhares de profissionais da área de saúde que estão dando a vida para salvar outras vidas nas trincheiras formadas nos hospitais pelo país; parar de perder tempo com discussões estéreis e futricas e priorizar em primeiro lugar a vida dos brasileiros e, em seguida, as finanças.
Nenhum exército combate o inimigo se conflitos internos prejudicam a coesão da armada. Nenhum organismo reage adequadamente a uma moléstia se as partes que o compõem estão em desordem. Jair Bolsonaro chegou à Presidência da República no ápice de uma carreira política marcada pelo confronto aberto. Apesar de ocupar um cargo que lhe permite diálogo institucional com os demais Poderes da República e entes federativos, mantém a postura beligerante. Em vez de buscar o entendimento, insiste em adotar uma política personalista, na qual prevalecem suas convicções pessoais e daqueles que o influenciam com ideias do seu agrado. Considera inimigos aqueles que agem ou pensam diferente. Em seu governo, só ficam aqueles que seguem estritamente a cartilha bolsonarista. Não há espaço para a pluralidade, para o diálogo, para a composição. Em Brasília, a pergunta que se faz no momento é descobrir quem será o próximo ministro da Saúde que dirá amém ao presidente. O Brasil real, por sua vez, quer saber o que pode ser feito para compensar este mês perdido para o coronavírus. Os números da calamidade são claros: há quatro semanas, quando Nelson Teich ingressou no governo, o Brasil contava 2.143 mortes por covid-19, com 33.759 casos. Ontem, o contingente de vítimas aumentou praticamente sete vezes. O país chegou a 14.817 mortos pela doença e 218.223 infectados.