Na ânsia pela retomada das atividades econômicas no Brasil em plena pandemia da covid-19 — que já matou quase 14 mil pessoas no país —, o presidente Jair Bolsonaro apelou a empresários para que eles “joguem pesado” contra os governadores que têm adotado medidas de isolamento social mais rígidas. Em videoconferência com cerca de 50 representantes da indústria, o chefe do Executivo equiparou o momento do país a uma “guerra” e reclamou de gestores estaduais que estariam “tentando quebrar a economia, para atingir o governo”. Ao pedir ajuda à classe, ele ouviu dos empresários a promessa de “começar a abrir o comércio com responsabilidade”.
Como de costume, Bolsonaro usou o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), como principal alvo e reclamou que boa parte dos líderes dos estados estejam “partindo para a desobediência civil” por não seguirem os decretos do governo federal que definem quais atividades são essenciais em meio à crise sanitária. Enfaticamente, o presidente pregou que “nós devemos buscar cada vez mais rápido abrir o mercado” e voltou a defender que vida e desemprego são assuntos “que deviam ser tratados da mesma forma, com a mesma responsabilidade”.
“O que parece que está acontecendo é uma questão política, tentando quebrar a economia para atingir o governo. E essa medida sobre São Paulo, ameaça de ‘lockout’ (ele quis se referir a lockdown), ou seja, um apagão total, é inimaginável”, disparou. “Um homem está decidindo o futuro de São Paulo, está decidindo o futuro da economia do Brasil. Os senhores, com todo o respeito, têm que chamar o governador e jogar pesado, porque a questão é séria, é guerra. É o Brasil que está em jogo.”
Bolsonaro também comentou que, se dependesse da vontade dele, nunca teria implementado medidas de isolamento social. “O governo federal, se depender de nós, está tudo aberto com isolamento vertical, e ponto final. Os governadores assumiram cada um a sua responsabilidade, houve uma concorrência entre muitos para ver o que fechava mais”, criticou, alertando que “nós estamos vendo o navio chamado Brasil indo em direção ao iceberg e um esperando o outro fazer alguma coisa”.
Na reunião virtual, também houve ataques ao Congresso. Bolsonaro chegou a dizer que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), “parece que quer afundar a economia para ferrar o governo e, talvez, tirar proveito político lá na frente”, sobretudo por ele ter entregado ao deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) a relatoria da Medida Provisória (MP) 936, que permitiu a suspensão do contrato de trabalho e a redução da jornada de trabalho, com a redução proporcional do salário. “Quando se bota alguém do PCdoB... Só no Brasil mesmo, o Partido Comunista do Brasil falar em democracia e liberdade do trabalho. Então, a tendência é a gente afundar mesmo.” Horas depois desse ataque, Maia encontrou-se com o presidente e disse que eles precisam “encontrar pontos que os unem” (leia reportagem na página 4).
“Alinhamento”
Responsável por promover a reunião, o presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf, colocou à disposição de Bolsonaro “todas as forças produtivas do país” e garantiu que os empresários vão atender aos pleitos do governo federal. Ele destacou que o setor “está alinhado com a política econômica do governo”.
O empresário se comprometeu em “conversar com as lideranças do Congresso e as presidências das Casas para que as coisas que interessam ao Brasil sejam aprovadas”. “Talvez, a gente tenha de encontrar um caminho de entendimento, de um alinhamento, de uma harmonia em torno de toda as cautelas da saúde, mas haver uma retomada (da economia) com toda a responsabilidade. Em momentos de guerra e atípicos como este, não basta fazer o máximo. Tem de fazer mais do que o máximo”, disse o apoiador de Bolsonaro, filiado ao MDB e já concorreu três vezes ao governo de São Paulo.
Em mais um aceno ao presidente, Skaf condenou que “pessoas radicais de alguns estados” estejam travando a atividade produtiva e que há uma “descentralização e falta de alinhamento” entre os entes federativos. “Nós vamos nos empenhar ao máximo em encontrar caminhos com criatividade”, ressaltou. “Vamos procurar ajudar o Brasil a sair desta situação o mais rapidamente possível com o menor prejuízo possível aos brasileiros. A sua vontade é a nossa vontade também, presidente.”
Doria rebate
O governador de São Paulo, João Doria, emitiu nota, ontem, na qual afirma que o presidente Jair Bolsonaro “despreza vidas”. “Hoje (ontem), mais uma vez, o presidente da República perde a chance de defender a saúde e a vida dos brasileiros. São Paulo está lutando para proteger vidas. O presidente Jair Bolsonaro despreza vidas. Ele prefere fazer comícios, andar de jet ski, treinar tiros e fazer churrasco”, disparou. “Enquanto isso, milhares de brasileiros estão morrendo todos os dias. Acorde para a realidade, presidente Bolsonaro. Saia da bolha de ódio e comece a ser um líder, se for capaz”, afirma o tucano no texto.
“Se a crise econômica fosse causada pelos governadores, por que ela existe em outros países? Quem está causando a grave crise econômica é o coronavírus. Incrível que Bolsonaro finja ignorar isso. E a responsabilidade da gestão econômica é dele. Se não sabe o que fazer, renuncie”
Flávio Dino,
governador do Maranhão