Politica

''Presidente está esfacelando qualquer forma de ação conjunta'', diz Marina

Em entrevista concedida na semana passada, Marina Silva afirma ver crime de responsabilidade nas atitudes do presidente

Correio Braziliense
postado em 11/05/2020 08:57
Marina SilvaO "e daí?" que o presidente Jair Bolsonaro deu como resposta, no início do mês, a uma pergunta sobre as mais de 5 mil mortes causadas pelo novo coronavírus até então, teve um significado especialmente amargo para a ex-ministra e ex-senadora Marina Silva (Rede). Nesse domingo,.

Na adolescência, no Acre, ela viu familiares e vizinhos perderem as vidas nas epidemias de sarampo e malária.

Ela descreve "um sentimento triplo de tristeza, vergonha a indignação por ter um presidente que, em um momento como esse, é capaz de, em atitude de desrespeito e de falta de humanidade, dizer que não tem a ver com isso porque não faz milagre", afirmou.

Em entrevista concedida ao jornal O Estado de S. Paulo na semana passada, Marina Silva afirma ver crime de responsabilidade nas atitudes do presidente.

Segundo ela, é preciso "sabedoria" para conduzir um eventual processo de afastamento do presidente sem fragilizar a saúde pública nem o socorro a quem mais precisa.

Que lições a pandemia tem deixado para a atividade política?

A primeira coisa que é óbvia é a proteção da vida das pessoas. É o que temos de mais precioso, acima de projeto de poder, econômico, de protagonismos individuais. Tudo o que possa comprometer essa frágil estrutura de proteger as pessoas, de prevenir, atender, curar, amenizar sofrimentos… Nada disso deve fazer parte da política. Infelizmente, a gente não está vendo isso desse jeito. E o pior exemplo vem do próprio governo. Demite o ministro no meio da crise, dá comando dizendo que a economia é mais importante do que a vida, estimula o contágio, com ele próprio (Bolsonaro) saindo às ruas, e criando crises com governadores e prefeitos. O pior exemplo vem daquele que deveria estar agregando.

Como recebeu o "e daí?" do presidente ao ser questionado sobre o recorde de mortes?

Um sentimento triplo de tristeza, vergonha e indignação por ter um presidente que, em um momento como esse, é capaz de, em atitude de desrespeito e de falta de humanidade, dizer que não tem a ver com isso porque não faz milagre, ao som de risadas de seus apoiadores, achando aquilo uma grande "lacração".

Como avalia a saída de Sérgio Moro do governo?

Primeiro, acho que nem deveria ter entrado. Quando foi cogitado o nome dele para Ministério da Justiça do governo Bolsonaro, olhando para trajetória política, para campanha do Bolsonaro, já achei coisa muita estranha. Mas a decisão foi dele. A saída foi só a confirmação do que eu achava, que nunca deveria ter entrado.

Com base nas declarações de Moro, a senhora acha que estamos diante de um caso que exige a saída do presidente?

Temos duas possibilidades diante dos crimes de responsabilidade: seja o impeachment, pelo Congresso, seja o afastamento, pelo Supremo Tribunal Federal. Existe crime de responsabilidade que não pode ficar impune. Isso é claro. Temos que ter sabedoria de como conduzir o processo sem arriscar vidas das pessoas, sem prejudicar o atendimento de saúde, sem fragilizar o socorro para aqueles que já estão passando fome e necessidade.

A sra. vê ambiente para que um pedido de impeachment prospere?

O que está sendo feito é uma ação em várias frentes. Tem ação do STF, do Ministério Público, do Congresso. Para lhe botar noções de limites: qual dessas frentes pode prosperar para interditar as ações que ele vem tomando na contramão da defesa da vida, da defesa do patrimônio público e da democracia? Não sabemos. Mas temos que reconhecer que tem várias frentes, inclusive com CPI em andamento. Somos o único País do mundo que tem o governo que em vez de agregar está esfacelando toda e qualquer forma de ação conjunta. E faz isso de propósito, porque aposta no caos, porque sonha com o estado de sítio, sonha com situação de descontrole social para justificar seus arroubos autoritários.

Saiba Mais

Mas correr para apresentar um pedido de impeachment neste momento não é exatamente incentivar uma disputa por poder?


Não. Como eu disse, são várias frentes. O Ministério Público está disputando poder? Não. Está querendo proteger a Constituição, dizer que existem limites institucionais para esse tipo de atitude. Tem que atuar num tripé: defesa da vida, dos direitos à dignidade das pessoas e da democracia. Os mecanismos da AGU foram acionados. Os do Parlamento também. E não só pela Rede, inclusive por partidos que não são tradicionais do campo da oposição, como o PSDB, a ex-líder do PSL (Joice Hasselmann).

A senhora está entre as pessoas que avaliam que o Brasil vai sair melhor da crise sanitária ou no grupo dos que acham que estaremos piores?

A pandemia mostra uma coisa importante, que é a radicalidade do fosso da desigualdade no mundo e no Brasil. Se queremos fazer uma transição para uma economia sustentável, justa, com geração de renda para as pessoas, é um investimento que precisamos fazer a partir de agora.

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