Correio Braziliense
postado em 10/05/2020 07:00
A ausência de uma política emergencial da Secretaria Especial de Cultura para socorrer a classe artística durante a crise do novo coronavírus deixou em situação de abandono milhões de profissionais dedicados a levar entretenimento e diversão à população. As incertezas são ainda maiores por conta das polêmicas envolvendo a titular da pasta, a atriz Regina Duarte, que ressurgiu na semana passada, após dois meses desaparecida, em uma desastrosa entrevista em rede nacional. A secretária especial de Cultura, procurada pelo Correio para falar sobre políticas públicas voltadas ao setor, não retornou com as informações.Os artistas estão entre as primeiras categorias profissionais atingidas pelas medidas de distanciamento social que foram adotadas nos estados e no Distrito Federal para conter o avanço da pandemia, em cumprimento às recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS). O fechamento de bares e restaurantes e a proibição de eventos públicos, apesar de fundamentais na tentativa de achatar a curva de contágio, tiraram o sustento de cantores, músicos, atores, produtores, diretores e outros trabalhadores da Cultura.
“Fomos os primeiros a parar de trabalhar e seremos os últimos a voltar às atividades, porque o nosso trabalho tem muito a ver com aglomeração, com encontros, multidão. Essa pandemia feriu gravemente o nosso ofício”, lamenta Elisa Lucinda, poeta, atriz, jornalista, escritora e cantora. “Paradoxalmente, apesar de sermos desprezados pelo atual governo, ninguém suportaria o isolamento social sem a arte, o nosso trabalho, essa nutrição que oferecemos ao mundo. As pessoas precisam de arte para viver”, diz.
Sobre a falta de uma política emergencial para o setor, Lucinda afirma que nunca acreditou que o presidente Jair Bolsonaro, que sempre se referiu à classe artística como um meio “dominado por comunistas”, fosse ter alguma preocupação com o desenvolvimento da cultura. “Nós temos um presidente que não consegue ver a verdade além do próprio umbigo. Ele é tão despreparado, que até representantes da direita ficam sem graça. E a Regina Duarte nem parece a amiga que conheci há muitos anos. Ela hoje é outra pessoa, parece maluca, dizendo que tem saudade da ditadura, minimizando as mortes ocorridas no regime militar, inclusive de muitos artistas”, critica.
Lucinda refere-se à entrevista concedida pela secretária especial de Cultura, na última quinta-feira, à CNN Brasil. Na ocasião, Regina cantou uma música em homenagem ao regime militar (1964-1985) e minimizou as mortes ocorridas no período. Ela também causou uma grande confusão ao encerrar abruptamente a entrevista, muito irritada, depois de entrar no ar um vídeo em que a atriz Maitê Proença apenas perguntava sobre políticas públicas para socorrer a classe artística durante a pandemia.
O episódio teve péssima repercussão nos meios artístico e político e nas redes sociais. Mas, pelo menos por enquanto, o presidente Bolsonaro não deu sinais de que pretenda trocar o comando da Secretaria Especial de Cultura. A interlocutores, o capitão reformado até elogiou as declarações de Regina, dizendo que ela conseguiu sair “de cima do muro” e se posicionar em favor das ideias que ele defende, principalmente em relação à ditadura militar.
Porém, Regina Duarte deve seguir no cargo com um prestígio bem menor do que quando tomou posse, há dois meses. Ao contrário da “carta branca” prometida por Bolsonaro, ela não goza de autonomia nem para formar sua equipe, já que é constantemente desautorizada pelo presidente. As declarações feitas durante a entrevista à CNN alimentaram rumores de que foi uma forma encontrada pela secretária para demonstrar sintonia com o governo e se manter no cargo. Para assumir o comando da Secretaria Especial de Cultura, ela rescindiu o contrato com a Rede Globo, pelo qual o seu salário poderia chegar a R$ 120 mil caso estivesse no ar.
Colegas sem expectativa
Os colegas da secretária especial de Cultura, Regina Duarte, não acreditam em apoio do governo à categoria. O ator e comediante Welder Rodrigues, que iniciou a carreira em Brasília como integrante do grupo teatral Os melhores do mundo, afirma que não sairá da Secretaria Especial de Cultura nenhuma medida de apoio aos artistas durante a pandemia do novo coronavírus. “A questão não é de pessimismo, mas de realismo. Não tem e não vai ter política pública durante essa crise. O presidente considera os trabalhadores da cultura inimigos”, lamenta. “Mesmo que a Regina saia da secretaria, e eu acho que isso vai acontecer em breve, o cargo deve ser preenchido por alguém identificado com Olavo de Carvalho (guru do bolsonarismo)”, estima.O cineasta Cacá Diegues relata que tem percebido um sentimento generalizado de tristeza entre os colegas. Porém, ele diz não se surpreender com a situação. “Esse governo sempre tratou a cultura e os artistas como inimigos. Há muita tristeza entre os produtores culturais, e não há esperança entre eles de que essa situação possa melhorar”, lamenta.
O compositor e instrumentista Fabrício Santana, que saiu da Bahia para encantar o público brasiliense com seu bandolim, revela que tem enfrentado dificuldades para prover o sustento. Ele também é pessimista em relação à atuação de Regina Duarte. “A secretária é uma admiradora da ditadura militar, e o regime abominava a classe artística. Não alimento a ilusão de que ela vá se preocupar com o que estamos passando.”
Ironia com quem não sacou auxílio
A secretária especial de Cultura Regina Duarte voltou a causar polêmica, ontem, ao minimizar o drama da população que reclama por ainda não ter recebido o auxílio emergencial de R$ 600 do governo. E insinuou que houve indolência de quem ainda não retirou a ajuda. “Desde Março/20... foi super anunciado (sic). Quem precisava de auxílio pra enfrentar a pandemia foi atrás. Quem não precisava... tá cobrando auxílio até hoje! Então... vai lá! Nem tem mais que enfrentar fila grande”, escreveu Regina, em uma rede social, ignorando algumas dificuldades da população — como os problemas em acessar o aplicativo, a ausência de internet em vários cantos do país, os registros considerados inconclusivos pelo Ministério da Cidadania e aqueles que não aparecem em quaisquer dos cadastros do governo.
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