O vídeo de uma reunião, realizada no Palácio do Planalto, no dia 22 do mês passado, tornou-se alvo de uma disputa judicial no inquérito aberto pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para investigar as declarações do ex-ministro da Justiça Sergio Moro contra o presidente Jair Bolsonaro. Na quarta-feira, a Advocacia Geral da União (AGU) apresentou um pedido para que o ministro Celso de Mello, relator do caso, reavaliasse a decisão que obriga o governo a entregar as imagens do encontro. O argumento é o de que foram debatidos assuntos “sensíveis ao Estado”, como relações internacionais. Ontem, em uma nova petição, a AGU solicitou que caso o magistrado não aceitasse o pedido anterior, pudesse ser entregue um vídeo editado, apenas com “trechos relacionados ao inquérito”.
Minutos depois da petição da AGU entrar no sistema do Supremo, o ex-ministro Sergio Moro rebateu, por meio de seus advogados, os argumentos do governo, alegando que a integridade do vídeo é importante para garantir as provas necessárias para investigar o caso. As diligências foram abertas para investigar eventuais crimes cometidos pelo presidente ao supostamente tentar interferir na Polícia Federal e tem como base acusações feitas por Moro. O ex-ministro afirmou que, na reunião, Bolsonaro exigiu, em frente aos demais integrantes do governo, ter acesso a relatórios de inteligência e pediu a troca do superintendente da Polícia Federal no Rio de Janeiro. Moro contou que tudo foi gravado em vídeo e está em poder da Presidência. O ministro Celso de Mello deve decidir ainda hoje sobre o pedido da AGU.
Estavam presentes no encontro o general Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional (GSI); Walter Braga Netto, ministro-chefe da Casa Civil; e Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo. Todos eles devem prestar depoimento, na condição de testemunha, em local e data previamente agendados entre eles e o poder Judiciário. Caso algum deles falte ao depoimento, pode ser alvo de condução coercitiva e ser obrigado a comparecer a uma unidade policial. Mas o vídeo é considerado essencial para esclarecer o caso. Em depoimento, Moro afirma que por regra, todos os encontros no Planalto são gravados, e com esse não foi diferente. Ao pedir para não enviar, ou remeter parcialmente as imagens, o Planalto confirma a existência do conteúdo.
A tendência é de que o ministro Celso de Mello não atenda aos pedidos da defesa do presidente Jair Bolsonaro. Logo após petição da AGU, o ex-ministro Sergio Moro apresentou o pedido para que o vídeo seja repassado sem qualquer tipo de edição. Ele alega que o fato das imagens revelarem conteúdo sensível não impede o Supremo de analisar todo o material, decretando sigilo sobre determinados trechos, cuja divulgação implique qualquer tipo de risco. “Com todo o respeito aos argumentos utilizados, parece óbvio, em primeiro lugar, que em uma reunião entre autoridades de tão alto escalão, devem ter sido, realmente, tratados assuntos de relevância nacional”, afirma um trecho da peça enviada à Corte. “Contudo, tal circunstância não é suficiente para que o registro do encontro possa ser colocado integralmente a salvo do exame judicial e policial a ser realizado nesta investigação, notadamente em razão de sua importância para o deslinde dos fatos objeto do presente apuratório”, completa a defesa de Moro.
Além dos ministros que presenciaram o encontro do dia 22, Celso de Mello autorizou a oitiva da deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP), que teria tentado fazer Moro aceitar trocas no comando da PF para ser indicado a uma vaga no Supremo; e de seis delegados da PF, entre eles Maurício Valeixo, ex-diretor-geral da corporação. Devem ser ouvidos também o ex-superintendente da PF no Rio Ricardo Saadi; o superintendente da Polícia Federal no Amazonas, Alexandre Saraiva; o chefe da PF em Minas, Rodrigo Teixeira; o diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Alexandre Ramagem, que havia sido indicado por Bolsonaro para a direção-geral da PF; e o recém indicado diretor-executivo da PF, Carlos Henrique de Oliveira Sousa. As diligências foram solicitadas pelo procurador-geral da República, Augusto Aras.
"Tal circunstância não é suficiente para que o registro do encontro possa ser colocado integralmente a salvo do exame judicial”
Trecho da defesa do ex-ministro Sergio Moro ao STF para justificar a entrega do registro completo da reunião ministerial.