Politica

Jogo de cena para emparedar STF

Bolsonaro leva empresários ao Supremo e faz pressão para que a Corte amenize medidas de isolamento social decretadas por estados. Toffoli defende que União crie comitê com entes federativos, empresas e trabalhadores para retomar a atividade econômica



Em uma atitude inesperada, e que pegou de surpresa até o Supremo Tribunal Federal (STF), o presidente Jair Bolsonaro reuniu um grupo de empresários, atravessou, a pé, a Praça dos Três Poderes e foi até a Corte pressionar os magistrados por uma reabertura econômica em meio à pandemia do novo coronavírus. Num momento em que o país vê a aceleração do número de novas infecções, que chegam à média de 10 mil por dia, e novos registros de mortes — passam de 600 a cada 24 horas —, o chefe do Executivo se encontrou com o presidente do Supremo, Dias Toffoli, e pediu que o tribunal atue para que o setor produtivo retome as atividades. Além dos pedidos do chefe do Planalto, o ministro ouviu o tema ser reverberado por representantes das classes empresariais.

A visita de Bolsonaro, fora da agenda dele e de Toffoli, gerou enorme desconforto e críticas entre os ministros do Supremo. A reunião foi transmitida ao vivo pela página do presidente no Facebook, para seus milhões de seguidores, o que gerou pressão extra contra a Corte, já alvo de protestos de apoiadores do governo. O Planalto tem sofrido seguidas derrotas no tribunal. Uma delas foi a decisão dos ministros de que os estados e municípios têm autonomia para decidir sobre medidas restritivas de combate à disseminação do coronavírus.

Durante a conversa, que durou pouco menos de 40 minutos, Bolsonaro disse que “a nossa união e a coragem para enfrentar (a pandemia) é o que podem evitar que o país mergulhe numa crise econômica que dificilmente poderá sair dela”. “Nós, chefes de Poderes, temos de decidir. Nós temos um bem muito maior do que a nossa própria vida, se me permite falar isso, que é a nossa liberdade. Nós não podemos perder a liberdade do Brasil, não podemos ver, mais cedo ou mais tarde, a continuar como está caminhando a questão econômica, assistindo a saques”, frisou.

Ele voltou a afirmar que “o efeito colateral do vírus não pode ser mais danoso do que a própria doença”. “Todos estamos embarcados buscando o objetivo de resolver este problema, porque economia também é vida. Não adianta ficarmos em casa e, quando sairmos, não ter o que comprar nas prateleiras. Todos nós seremos esmagados por isso”, alertou.

Fora da reunião, o presidente disse que “a gente não pode ficar do lado de cá, de atravessar a rua esperando decisões do Supremo, porque, às vezes, são boas e outras, a gente não concorda”. “Toffoli concorda que a responsabilidade é de todos nós e temos de buscar alternativas”, salientou.

Coordenação
No encontro, Toffoli manteve a posição de que o Poder Judiciário já está fazendo seu papel ao garantir direitos pessoais e coletivos e decidir impasses envolvendo a crise. Ele defendeu que a União crie um comitê em conjunto com estados, municípios, empresários e trabalhadores para retomar a atividade econômica.

De acordo com o ministro, é necessário avaliar a melhor forma de estabelecer o retorno das atividades. “Essa coordenação, que eu penso que o Executivo, o presidente da República, com seus ministros, chamando os outros Poderes, chamando os estados, representantes de municípios, penso que é fundamental”, destacou. “Talvez, um comitê de crise para, envolvendo a Federação e os poderes, exatamente com o empresariado e trabalhadores, a necessidade que temos de traduzir em realidade esse anseio, que é o anseio de trabalhar, produzir, manter a sociedade estruturada.” Toffoli se mostrou incomodado durante a reunião. Ele e Bolsonaro, apesar de sentarem um ao lado do outro, fixaram os olhares nos demais participantes do encontro.

Nos bastidores, ministros viram uma tentativa de lançar pressão midiática sobre o tribunal, principalmente em razão da transmissão ao vivo do encontro pelas redes sociais. Um dos magistrados afirmou que o ato do presidente ocorre para “tentar dividir responsabilidades” com o Poder Judiciário diante da crise que pode levar a uma recessão econômica. No entanto, ele entende que o papel do STF não é planejar ou avaliar previamente os atos do Executivo, mas, sim, manifestar-se apenas quando provocado. “Se o presidente abrir os segmentos essenciais, e isso for questionado, o Judiciário vai ouvir a ciência, as autoridades sanitárias, sem prejuízo de uma postura consequencialista: vai mesmo faltar alimento? Aí, isso precisa ser ponderado. É importante lembrar que o Supremo não é o presidente apenas, são 11 ministros que julgam conforme os fatos postos”, frisou.




Convocação
No Palácio do Planalto, o grupo de 15 empresários traçou um cenário preocupante e disse ter planos de como poderia retomar a atividade econômica. Foi nesse momento que Bolsonaro questionou os presentes se concordariam em atravessar a Praça dos Três Poderes e ir até o STF apresentar os mesmos dados. Os ministros Paulo Guedes (Economia), Walter Braga Netto (Casa Civil), Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo), Fernando Azevedo (Defesa) e o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho do presidente, integraram a comitiva. Mais tarde, Bolsonaro frisou que tomou aquela atitude porque não poderia ficar “esperando” de braços cruzados uma decisão do Supremo.




"A indústria, a atividade comercial, está na UTI. Não há mais espaço para postergar. Há dois meses, eu venho falando que a economia não pode parar, porque a economia também é vida”

Jair Bolsonaro, presidente da República