Politica

Direção da PF opõe STF e Bolsonaro

Ministro Alexandre de Moraes, do Supremo, vetou nomeação de Alexandre Ramagem para o comando da Polícia Federal. AGU disse que não ia recorrer da decisão, mas foi desautorizada pelo presidente, que insiste em ter o amigo da família à frente da corporação




Uma decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), tomada ontem, horas antes da posse de Alexandre Ramagem como diretor-geral da Polícia Federal, pegou o presidente Jair Bolsonaro de surpresa. O magistrado, alegando indícios da prática de desvio de finalidade, impediu que o delegado fosse alçado ao cargo e tornou sem efeito o decreto do chefe do Executivo que havia oficializado a troca no comando da corporação. O despacho foi tão urgente que Moraes determinou que, se necessário, o governo fosse informado por meio de WhatsApp sobre o entendimento que ele teve a respeito do assunto. Sem uma alternativa imediata para o cargo, o presidente afirmou que vai recorrer da decisão. Com o veto a Ramagem, o chefe do Executivo deu posse apenas a André Mendonça como ministro da Justiça e a José Levi como novo advogado-geral da União.

A polêmica em torno do caso teve início com a demissão do então diretor-geral da PF, Maurício Valeixo, homem de confiança de Sergio Moro, que deixou o Ministério da Justiça por não concordar com a troca. Ao sair, o ex-juiz acusou o presidente de tentar interferir na corporação para proteger aliados e de ter lhe pedido acesso a relatórios de inteligência relacionados a investigações em andamento na corporação. Citando as palavras do ex-ministro, Alexandre de Moraes apontou existirem indícios de que os interesses de Bolsonaro, ao trocar o comando da PF, não são compatíveis com a legislação. O magistrado disse que vê a intenção do presidente de colocar à frente da instituição um nome que seja “do contato pessoal dele”.

Durante a tarde, a Advocacia-Geral da União (AGU) chegou a publicar nas redes sociais que não ia recorrer da decisão, pois o presidente havia editado um decreto revogando a nomeação de Ramagem. No entanto, horas depois, Bolsonaro desautorizou a AGU e disse que a função do órgão é recorrer. “Quem manda sou eu”, disse a apoiadores em frente ao Alvorada. “Eu quero o Ramagem lá. É uma ingerência, né? Vamos fazer tudo para o Ramagem. Se não for, vai chegar a hora dele, e vamos colocar outra pessoa.”

Na solenidade de posse — da qual participaram o presidente do STF, Dias Toffoli, e o ministro da Corte Gilmar Mendes —, Bolsonaro afirmou que o sonho de nomear Ramagem para a Polícia Federal em breve se concretizará e defendeu a independência entre os poderes. “Uma das posições importantes que quem nomeia sou eu é a do diretor-geral da Polícia Federal. A nossa PF não persegue ninguém, a não ser bandidos. Um pequeno parêntese: respeito o Poder Judiciário, respeito às suas decisões, mas nós, com toda certeza, antes de tudo, respeitamos a nossa Constituição”, ressaltou.

Receio

Dentro da PF, é grande a expectativa para saber qual será o desfecho da história. Além disso, a corporação está sob tensão desde a saída de Moro, que tinha absoluta confiança de agentes e delegados por conta de sua atuação na Operação Lava-Jato. Nos bastidores, a avaliação é de que a instituição está desprotegida de interferências. O nome de Ramagem é visto com desconfiança, e antes mesmo de assumir, de acordo com fontes ouvidas pela reportagem, ele pensava em realizar alterações na composição das superintendências regionais.

Apesar da insistência do presidente de ter Ramagem à frente da PF, a decisão final deve ocorrer apenas após análise pelo plenário do Supremo, que decide a situação em caso de apresentação de recurso. O impasse gera preocupações entre os integrantes da corporação e dificulta o planejamento de operações em andamento e de novas ações. Se não obtiver aval da Justiça, Bolsonaro terá de escolher outro nome para ocupar o cargo.



Pedido do PDT

O mandado de segurança foi impetrado pelo PDT no STF. O partido questionou, no documento, a ligação de Ramagem com a família de Bolsonaro e a possibilidade de interferência do presidente da República na Polícia Federal. Em rede social, o deputado André Figueiredo (PDT-CE) afirmou que a liminar de Moraes foi “vitória da moralidade”.  “Estava assumindo (Ramagem) por ser muito próximo à família do presidente e de seus aliados e poderia blindá-los em eventuais investigações”, frisou.



Volta à Abin

Após a decisão de Moraes, Bolsonaro tornou sem efeito a nomeação de Ramagem. A decisão consta de decreto publicado, ontem, em edição extra do Diário Oficial da União (DOU). O texto também revoga a exoneração do delegado do cargo de diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), posto que ocupava antes de ser indicado para a PF. Com isso, ele volta para a Abin.


Ibaneis, o “irmão”

Em mais uma aparição no Palácio do Planalto, ontem, o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), recebeu um afago do presidente Jair Bolsonaro. Defensor da reabertura do comércio em meio à pandemia da Covid-19 no país, o chefe do Executivo federal elogiou o comandante do Buriti por já ter autorizado a retomada de atividades na capital federal. “Viemos conversando há algum tempo e estou muito feliz em contar com a sua contribuição e também com o entendimento de alguma coisa que nós propomos ao Distrito Federal, afinal de contas, somos irmãos. Vamos viver juntos eternamente”, disse Bolsonaro a Ibaneis, durante cerimônia de posse do novo ministro da Justiça e Segurança Pública, André Luiz Mendonça, e do novo advogado-geral da União, José Levi Mello.





"Quando um país tem a inestimável fortuna de construir uma democracia, o desafio seguinte é buscar o constante aprimoramento da prática democrática (...) As democracias são diretamente ligadas à segurança jurídica"
José Levi Mello do Amaral Júnior, novo advogado-geral da União