Politica

''E daí?'' causa repúdio em autoridades; Bolsonaro se esquiva

Declaração do presidente se eximindo de culpa pelas mortes por Covid-19 provoca uma saraivada de críticas. Chefe do Executivo empurra responsabilidade para governadores

A queda de braço travada entre o presidente Jair Bolsonaro e governadores ganhou mais um capítulo, ontem. Após a repercussão da resposta que deu ao fato de o Brasil ter superado as cinco mil mortes e ultrapassado a China (país onde se originou a pandemia), o chefe do Executivo disse que não pode ser responsabilizado pelos óbitos e atribui a estados e municípios tanto a “conta” das vidas perdidas quanto a situação econômica delicada provocada pela crise sanitária.

“Não adianta a imprensa colocar na minha conta essas questões, não adianta botar a culpa em mim. Esculhambaram comigo. Fui achincalhado por parte da mídia, fiz minha parte desde o começo, a missão do chefe é decidir. O STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu que essas medidas (de restrição) são a cargo dos governadores e prefeitos”, declarou Bolsonaro, ontem, em frente ao Palácio da Alvorada.

Na terça-feira, ao ser questionado sobre os números do Brasil e da China, Bolsonaro disparou: “E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê? Eu sou Messias, mas não faço milagre”, respondeu. A declaração gerou uma enxurrada de críticas de políticos, governadores e de internautas.

O governador de São Paulo, João Doria (PSBB), pediu a Bolsonaro que tivesse respeito com o luto de mais de cinco mil famílias que perderam entes queridos. Sobre o questionamento de Bolsonaro de “quer que eu faça o quê?”, o chefe do Executivo paulista respondeu: “É fazer aquilo que o senhor não fez, começando por respeitar os brasileiros que o elegeram e os que não o elegeram, também. Respeitando pais, mães, avós, parentes, amigos que perderam as vidas pelo coronavírus, aquele que o senhor classificou com uma gripezinha”, destacou. “Eu posso enumerar algumas atitudes que o senhor, como presidente da República, já deveria ter tomado, e não adotou.”

Outros governadores criticaram a postura do presidente. Wilson Witzel (PSC), mandatário do Rio de Janeiro e antigo aliado de Bolsonaro, classificou a atuação do chefe do Executivo como “desastrosa” e pediu para que o presidente “pare de fazer política e trabalhe”. “A sua ‘gripezinha’ chegou e, em vez de continuar atacando os governadores, faça o seu trabalho. Sua atuação na maior crise de saúde do mundo é desastrosa. Pare de fazer política e trabalhe”, escreveu no Twitter.

O governador da Bahia, Rui Costa (PT), também pediu para que o presidente parasse de agredir os gestores estaduais e os prefeitos “para começar a governar com seriedade e responsabilidade”. Já Flávio Dino, governador do Maranhão, afirmou que falta uma liderança na crise. “Não vejo até aqui no Bolsonaro a disposição de ser um líder nacional que o Brasil precisa. (...) Um líder nacional une; Bolsonaro, divide”, criticou.

Já o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), procurou evitar controvérsia com o presidente, depois de ter batido de frente com o governo pela aprovação do projeto de socorro a estados e municípios. O deputado disse que a afirmação do chefe do Executivo foi “mal colocada”. “Cada um responde à crise de uma forma. Não vou imaginar que o presidente, por uma frase mal colocada ou outra, está tratando como irrelevante as mortes de brasileiros”, afirmou. “Tenho certeza de que não. Nenhum governo vai minimizar ou tratar com desdém a perda de vidas de brasileiros em nenhum caso”, comentou.

Na avaliação do cientista político Murillo de Aragão, o embate político por trás das narrativas tem, de certa forma, antecipado as eleições de 2022. “Não há que se falar em culpa ou particularizar responsabilidades. Vivemos em uma federação, e a responsabilidade sobre a saúde pública é de todos os entes federativos. Os embates políticos deveriam ser deixados de lado. É hora de reduzir as tensões e trabalhar duro contra os efeitos da pandemia”, ponderou.