O ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu abrir inquérito para apurar as acusações do ex-ministro da Justiça Sergio Moro contra o presidente Jair Bolsonaro. Com isso, o chefe do Executivo passa a ser oficialmente investigado na Corte, assim como o ex-juiz de Curitiba. Começa, agora, a fase de produção de provas, em que o ex-magistrado deve prestar depoimento e apresentar comprovações de suas acusações. É possível que a Justiça determine a quebra de sigilo telefônico, para garantir a autenticidade de conversas trocadas entre ambos por meio de aplicativos de mensagem. Inicialmente, o inquérito terá duração de 60 dias, mas pode ser prorrogado, caso ocorram pedidos nesse sentido por parte dos investigadores.
De acordo com a Procuradoria-Geral da República, as diligências devem apurar a suposta prática de crimes de falsidade ideológica, coação no curso do processo, advocacia administrativa, prevaricação, obstrução de Justiça, corrupção passiva privilegiada, denunciação caluniosa e crime contra a honra. “A dimensão dos episódios narrados revela a declaração de Ministro de Estado de atos que revelariam a prática de ilícitos, imputando a sua prática ao Presidente da República, o que, de outra sorte, poderia caracterizar igualmente o crime de denunciação caluniosa”, apontou o procurador-geral no pedido de abertura de inquérito que enviou ao STF e que foi acatado ontem.
Na decisão, Celso de Mello concede o prazo de dois meses para que sejam realizadas diligências solicitadas pelo Ministério Público Federal. Para o ministro, os fatos relatados parecem estar intimamente ligados ao exercício do cargo, o que justifica a abertura de inquérito, já que o presidente não pode responder por atos alheios ao mandato. “Os crimes supostamente praticados pelo senhor presidente da República, conforme noticiado pelo então Ministro da Justiça e Segurança Pública, parecem guardar (...) íntima conexão com o exercício do mandato presidencial, além de manterem — em função do período em que teriam sido alegadamente praticados — relação de contemporaneidade com o desempenho atual das funções político-jurídicas inerentes à chefia do Poder Executivo”, escreveu Mello.
Notificação
A Procuradoria-Geral da República será notificada da decisão, assim como os envolvidos. “Sendo assim, em face das razões expostas, defiro, em termos, o pedido formulado pelo eminente Senhor Procurador-Geral da República e determino, em consequência — considerada a situação pessoal do Senhor Presidente da República e do Senhor Sérgio Fernando Moro, então Ministro da Justiça e Segurança Pública —, a instauração de inquérito destinado à investigação penal dos fatos noticiados na peça de fls. 02/13. Assino ao Departamento de Polícia Federal o prazo de 60 (sessenta) dias para a realização da diligência indicada pelo Ministério Público Federal (fls. 12), intimando-se, para tanto, o Senhor Sérgio Fernando Moro para atender a solicitação feita pelo Senhor Procurador-Geral da República”, escreveu o ministro em outro trecho do documento.
De acordo com Celso de Mello, mesmo ocupando um posto de extrema importância, o chefe do Executivo não deve deixar de ser punido pelos seus atos quando eles violarem a legislação. “Embora irrecusável a posição de grande eminência do Presidente da República no contexto político-institucional emergente de nossa Carta Política, impõe-se reconhecer, até mesmo como decorrência necessária do princípio republicano, a possibilidade de responsabilizá-lo, penal e politicamente, pelos atos ilícitos que eventualmente tenha praticado no desempenho de suas magnas funções”, afirmou. De acordo com a Constituição Federal, se for oferecida denúncia contra o presidente, e o Supremo aceitar, Bolsonaro fica afastado do cargo. Já Moro pode ser enquadrado no crime de denunciação caluniosa se não conseguir provar as denúncias.
Em seu pronunciamento de despedida do Ministério da Justiça, Moro acusou Bolsonaro de tentar interferir na Polícia Federal para atender a interesses políticos. Além disso, de acordo com o ex-ministro, o presidente também manifestou o desejo de acessar relatórios de inteligência sobre investigações em andamento.
Ministro é crítico de Bolsonaro
Desde que o presidente Jair Bolsonaro subiu a rampa do Planalto, Celso de Mello se converteu em uma das vozes mais críticas dentro do STF aos excessos cometidos pelo chefe do Executivo. O decano já disse que o presidente “transgride” a separação entre os Poderes, “minimiza perigosamente” a Constituição e não está “à altura do altíssimo cargo que exerce”. “Ninguém, absolutamente ninguém, está acima da autoridade suprema da Constituição da República”, afirmou o ministro, em agosto do ano passado.