Depois do vendaval
O mundo está vivendo uma experiência desconhecida, que abala todas as certezas que nos eram caras. A maioria dos países tem reagido com energia para tratar os doentes e evitar uma propagação sem controle. Mesmo diante da miopia de muitos governantes, as sociedades têm demonstrado sensatez e coragem na luta contra o vírus.
O problema é que o único remédio que temos até agora para conciliar o ritmo de propagação da doença e a capacidade de atendimento dos sistemas de saúde é o distanciamento social e a quase paralisação das atividades econômicas. Este é um recurso de preço muito alto, pois desorganiza a economia. Muita atividade se perderá para sempre, muitos empregos desaparecerão e muita riqueza será destruída.
Enquanto lutamos contra a doença, mesmo sem saber quanto tempo durará esta luta e qual será o cenário que se seguirá, precisamos cuidar do futuro da nossa economia. Se não fizermos isto, corremos o risco de vencer a doença para sermos vencidos pela miséria econômica. Ainda na ausência desta pandemia, o Brasil já vivia uma situação dramática em termos econômicos. Desde 1980, nos anos finais do regime militar, nosso país entrou em ritmo de baixo crescimento. Mas a década de 2011-2020 ultrapassou todos os limites. Foi a pior década de crescimento da renda per capita em mais de 100 anos, com uma queda média de 0,6% ao ano, conforme cálculos da Fundação Getulio Vargas.
Agora, a luta contra a doença vai empobrecer o mundo inteiro. Segundo dados do FMI, 90% dos países terão crescimento negativo em 2020. Os países ricos terão recessão estimada em menos 6,1%. Os Estados Unidos perderão 5,9% do PIB e a Alemanha, 7%. No Brasil, a previsão é de queda de 5,3%, havendo quem estime um declínio ainda maior, da ordem de 8%.
Esta catástrofe econômica vai provocar mudanças dramáticas na forma de funcionamento da economia mundial. A maioria dos países vai se voltar para dentro, no intuito de reconstruir suas economias devastadas. Com isso, certamente o comércio mundial vai recuar, por meio de diversas formas de protecionismo e a globalização vai sofrer duros golpes. É neste ambiente que vamos ter que reconstruir nossa economia e criar muitos milhões de empregos, sob pena de imprevisíveis perturbações sociais.
O Estado é o único ente capaz de aliviar as perdas mais urgentes do combate à doença porque é o único que conserva, dentro de certos limites, a capacidade de criar moeda e de emitir dívida para sustentar o colapso da demanda. Pela mesma razão, o Estado é a única força capaz de tirar do chão uma economia privada depauperada, endividada e sem mercados para vender seus produtos.
Quanto à ação emergencial do Estado, não tem havido contestações sérias. Para manter as empresas funcionando e impedir que a maioria da população fique sem emprego e sem renda, todos concordam que os limites do equilíbrio fiscal podem ser rompidos e que o Banco Central deve ter um papel ativo.
A divergência surge a partir daí. A equipe econômica do nosso governo professa fortes crenças liberais em economia e veio com a intenção declarada de diminuir o tamanho do Estado. Esta ideologia, que pode ser discutida seriamente em tempos de normalidade, torna-se quase uma insanidade nos tempos em que estamos vivendo.
Passada a pior fase do isolamento social, quando a economia voltar aos poucos à normalidade, o Estado será tão necessário quanto agora. Deixar as tarefas de reconstrução a cargo da iniciativa privada é um sonho insensato, pois a pandemia apagou as linhas que dividem o público do privado. Na verdade, o privado só vai sobreviver por causa do público. O setor privado agora, e ainda por muito tempo, vai depender do apoio direto e poderoso do Estado. Sem investimento público que lidere o processo de recuperação, o setor privado e a economia como um todo não sairão do lugar, eternizando a recessão e a pobreza que marcam tão tristemente a face do Brasil de hoje.
Por sorte, há setores do governo que parecem pensar diferente. Se eles prevalecerem, podemos ter alguma esperança.