A semana que começa será marcada pelo aprofundamento da crise enfrentada pelo governo, com os desdobramentos das acusações do ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro contra o presidente Jair Bolsonaro. O Supremo Tribunal Federal (STF) deve abrir inquérito para investigar, a partir das denúncias, se o chefe do governo tentou interferir politicamente na Polícia Federal para ter acesso a relatórios de inteligência do órgão. No Congresso, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), será pressionado a dar andamento a pedidos de impeachment de Bolsonaro e de instalação de uma CPI para apurar o caso.
A decisão sobre a possível instauração do inquérito será do ministro Celso de Mello, decano do Supremo, a partir de pedido apresentado pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, na sexta-feira (24/4). No Congresso, um dos pedidos de impeachment contra o presidente Bolsonaro será apresentado nestas egunda-feira (27/4)pelo PSB, com base nas denúncias de Moro e também em supostos crimes de responsabilidade que teriam sido cometidos pelo chefe do Executivo em meio à crise do novo coronavírus. Além disso, também na sexta-feira, o deputado Aliel Machado (PSB-PR) protocolou um requerimento de instalação de uma CPI para apurar os relatos do ex-ministro da Justiça e Segurança Pública.
Já no Executivo, Bolsonaro deve confirmar o nome de Jorge Oliveira, atual secretário-geral da Presidência, como novo ministro da Justiça e Segurança Pública. Advogado e major da reserva da Polícia Militar do Distrito Federal, ele é o preferido da família do presidente, da qual é amigo. O pai de Oliveira trabalhou com o presidente durante 20 anos, quando Bolsonaro era deputado. O próprio secretário-geral já foi assessor parlamentar de Bolsonaro e, depois, chefe de gabinete na Câmara de Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente. Oliveira também foi padrinho de casamento de Eduardo Bolsonaro. A cerimônia foi realizada em 2019.
O nome do novo diretor-geral da Polícia Federal também deve ser anunciado por Bolsonaro. Será Alexandre Ramagem, atual diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Ramagem foi o coordenador da segurança de Bolsonaro durante a campanha eleitoral de 2018 e se tornou amigo da família do presidente. O deputado federal Marcelo Freixo (PSol-RJ) anunciou que vai apresentar uma ação na Justiça para impedir que Ramagem assuma o novo cargo. Na sexta-feira, o líder do partido Rede no Senado, Randolfe Rodrigues (AP), já havia recorrido à Justiça com o mesmo objetivo.
Ainda no governo, o ministro da Economia, Paulo Guedes, se reúne com Bolsonaro, às 14h, no Palácio do Planalto. Considerado nos bastidores a “bola da vez” da fritura no governo, Guedes entrou em atrito com colegas na Esplanada e expôs sua contrariedade com o plano econômico anunciado na semana passada para o período pós-pandemia do coronavírus. Em conversa ríspida com o ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, no Palácio do Planalto, acusou o ex-auxiliar de atrapalhar a atuação do Banco Central na crise e na política de juros.
Repercussão
O advogado constitucionalista Paulo Palhares, do Ibmec Brasília, avalia os possíveis desdobramentos da divulgação por Sergio Moro de uma troca de mensagens com Bolsonaro. “No âmbito administrativo, houve suposta quebra da impessoalidade por parte do presidente, com violação direta do artigo 37 da Constituição. Já no âmbito criminal, o presidente pode ter incorrido nos crimes de advocacia administrativa, que é se valer do cargo para defesa de interesses privados, e obstrução da Justiça, por praticar atos e visam embaraçar a investigação criminal”, disse Palhares.
A advogada Vera Chemin, mestre em administração pública e pesquisadora do direito constitucional, considera que, caso confirmadas as informações prestadas por Sergio Moro, o presidente terá “cometido atos que atentam contra os princípios da administração pública, como, por exemplo, a legalidade, a impessoalidade, a moralidade e a eficiência”. Segundo a advogada, essas violações são passíveis de processo por crime de responsabilidade e consequente perda do mandato por impeachment.
Na Esplanada
Confira como começa a semana nos três Poderes da República, após a crise gerada com a saída de Sergio Moro do Ministério da Justiça e da Segurança Pública
Executivo
» O presidente Jair Bolsonaro deve confirmar que o atual secretário-geral da Presidência, Jorge Oliveira, será o novo ministro da Justiça e Segurança Pública, em substituição a Sergio Moro, que pediu demissão na última sexta-feira. Bolsonaro vai nomear Alexandre Ramagem, atual diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), como novo diretor-geral do Departamento de Polícia Federal.
Legislativo
» Partidos de oposição vão apresentar, na Câmara dos Deputados, pedidos de abertura de processo de impeachment contra o presidente Jair Bolsonaro, em razão das denúncias do ex-ministro Sergio Moro e de outros casos em que o chefe do Executivo teria cometido crimes de responsabilidade, a exemplo das violações das recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) para conter o avanço do novo coronavírus. A oposição também vai pressionar pela instalação de uma CPI para apurar as denúncias de Moro.
Judiciário
» O ministro Celso de Mello, decano do Supremo Tribunal Federal (STF), deve decidir hoje sobre a instauração de inquérito para apurar as denúncias feitas pelo ex-ministro Sergio Moro de que o presidente Jair Bolsonaro interferiu politicamente na Polícia Federal para ter acesso a relatórios de inteligência produzidos pelo órgão. Segundo especialistas, o presidente corre o risco de ser enquadrado em diferentes crimes, entre os quais o de obstrução de Justiça, falsidade ideológica e advocacia administrativa (patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado perante a administração pública, valendo-se da qualidade de funcionário).
Cara a Cara
Como o senhor avalia a crise política desencadeada pela saída de Sergio Moro da Justiça?
É grave
Alessandro Molon (PSB-RJ), deputado federal
O PSB defende que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, dê andamento aos pedidos de abertura de processo de impeachment contra o presidente Jair Bolsonaro, porque as acusações do ex-ministro Sergio Moro são muito graves. O partido vai apresentar um requerimento nesse sentido, a partir de decisão tomada na última sexta-feira. Nós já tínhamos esse objetivo, por que o presidente já cometeu uma série de crimes de responsabilidade desde que tomou posse. Mas decidimos não apresentar o pedido de impeachment para não aprofundar ainda mais a crise política em meio à pandemia do novo coronavírus. Agora, entretanto, em razão das graves denúncias do ex-ministro Sergio Moro, avaliamos que não dá mais para suportar o presidente incorrendo em uma série de atos delitivos.
É pirotecnia
Carlos Jordy (PSL-RJ), deputado federal
Isso tudo é uma grande pirotecnia, a oposição está fazendo um papel muito feio no momento em que o país enfrenta uma crise sanitária com graves impactos na economia. O que temos visto são apenas ilações sem qualquer embasamento ou materialidade. Print de WhatsApp, como o apresentado pelo ex-ministro Sergio Moro, não é prova. Ele expôs uma troca de mensagens com a deputada Carla Zambelli, sua afilhada de casamento, para mostrar que o presidente iria indicá-lo para uma vaga no Supremo Tribunal Federal, caso concordasse com a demissão do diretor da Polícia Federal. A verdade é que a deputada não tem competência para negociar indicação de ninguém para ser ministro. Além disso, é totalmente desnecessária a instalação de uma CPI, principalmente porque o caso já está judicializado, pela Procuradoria-Geral da República, no STF.
Palavra de Especialista
Trocas devem continuar
O presidente Jair Bolsonaro nasceu da polêmica. Considerando esse aspecto, é natural que ocorram divergências dele com relação à equipe. O problema é quando essas divergências ficam ingerenciáveis. A gente tem percebido que, quando a situação envolve determinados temas que estão muito enraizados na forma de o presidente pensar, sempre há um conflito muito grande entre Bolsonaro e os seus subordinados. E como ele não consegue se convencer, isso acaba resultando na demissão. De certa forma, o presidente é muito assertivo nas suas posições e dificilmente recua delas. Qualquer ministro está sujeito a este tipo de embate. Hoje, por exemplo, vemos que o Paulo Guedes, escolhido como ministro da Economia com a orientação de conter o deficit fiscal, foi pressionado por um plano de recuperação econômica feito pela Casa Civil — comandada pelo Walter Braga Netto, um militar — que demanda gastos públicos. Se a situação não for muito bem arbitrada pelo Bolsonaro, um dos lados será prejudicado. Ele foi eleito presidente e cabe a ele balancear isso, se não, a corda vai arrebentar para um dos dois ministérios. De todo modo, cabe o alerta: é provável que ele siga trocando os ministros que insistirem agindo contra as suas orientações.
Cristiano Noronha, cientista político da Arko Advice
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