A Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF) se manifestou, neste domingo (26/4), sobre as acusações, feitas por Sergio Moro de que o presidente Jair Bolsonaro quis colher relatórios de inteligência da corporação. Moro alegou ainda que o presidente exonerou Maurício Valeixo do posto de diretor-geral da PF para escolher alguém com quem tivesse mais intimidade para conversar sobre as investigações em curso na instituição.
Em carta aberta ao mandatário brasileiro, a ADPF alerta que “a PF atua em meio a uma cultura institucional arraigada que repudia desvios de qualquer espécie e cultua uma neutralidade político-partidária” e que “há uma crise de confiança instalada” na corporação após as revelações do ex-ministro. Além disso, em meio aos rumores de que Bolsonaro vai nomear para o posto deixado por Valeixo o diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Alexandre Ramage — amigo do presidente e dos filhos dele —, a associação destaca que o próximo diretor-geral da PF terá de “demonstrar que não foi nomeado para cumprir missão política dentro do órgão”.
“Da maneira como ocorreu (a saída de Moro), há uma crise de confiança instalada, tanto por parte de parcela considerável da sociedade, quanto por parte dos delegados de Polícia Federal, que prezam pela imagem da instituição. Nenhum delegado quer ver a PF questionada pela opinião pública a cada ação ou inação. Também não quer trabalhar sob clima de desconfianças internas. O contexto criado pela exoneração do comando da PF e pelo pedido de demissão do ministro Sergio Moro imporá ao próximo diretor um desafio enorme: demonstrar que não foi nomeado para cumprir missão política dentro do órgão. Assim, existe o risco de enfrentar uma instabilidade constante em sua gestão”, diz um trecho da carta.
No documento, os delegados pedem que Bolsonaro “firme um compromisso público de que o novo diretor-geral da Polícia Federal terá total autonomia para formar sua equipe e conduzir a instituição de forma técnica e republicana, sem obrigações de repassar informações ao Governo Federal, ou instaurar ou deixar de instaurar investigações por interesse político ou intervir em qualquer outra já existente”.
A associação ainda destaca que a Polícia Federal é um órgão de Estado e que integra a rede de controle. “Portanto, deve exercer a sua missão constitucional independentemente das convicções e decisões políticas de qualquer governo”, frisa a ADPF, que ainda enfatiza que “embora seja absolutamente verdadeira a premissa de que a legislação reservou ao presidente da República a nomeação do diretor-geral da Polícia Federal, trata-se de um pilar do Estado Democrático de Direito que o estadista se limite a escolher o comandante da instituição, sempre buscando o delegado mais preparado técnica, moral e psicologicamente para a função”.
“A partir da nomeação e posse, manda o interesse público que o presidente mantenha uma distância republicana, de modo a evitar que qualquer ato seu seja interpretado pela sociedade como tentativa de intervir politicamente nos trabalhos do órgão, que por sua natureza costuma realizar investigações que esbarram em detentores do mais alto poder político e econômico, e tem como corolário de suas atribuições constitucionais exercer uma parcela do controle dos atos da administração pública federal, incluindo os da própria Presidência da República”, observam os delegados.
Outra demanda da associação ao presidente é de que ele “envie urgentemente” ao Congresso Nacional um projeto de emenda constitucional propondo autonomias para a PF e um projeto de legislação prevendo mandato para o diretor-geral da PF e que ele escolha um nome para o posto mediante lista previamente apresentada pelos delegados.
“O projeto deve garantir ao diretor-geral escolhido pelo presidente a autonomia para nomear e exonerar todos os cargos internos da PF, mediante a obediência a critérios mínimos objetivos para cada cargo, definidos em lei”, detalha a ADPF, na carta. “Tais medidas irão construir um ambiente institucional menos tenso e, certamente constituirão um legado de seu governo para o Brasil, contribuindo para a dissipação de dúvidas sobre as intenções de Vossa Excelência em relação à Polícia Federal”, acrescenta a associação.
Inquéritos sigilosos
No documento, os delegados destacam que todos os inquéritos da Polícia Federal são sigilosos e que a corporação não é obrigada a dar detalhes sobre os relatórios nem ao presidente da República. Na última sexta-feira (24/4), dia que marcou a renúncia de Moro, Bolsonaro disse que gostaria de um novo diretor-geral na corporação para ter “todo dia um relatório do que aconteceu nas últimas 24 horas para poder bem decidir o futuro dessa nação”.
“Quando a PF, por meio de suas atividades de inteligência, toma conhecimento de fatos que interessam à tomada de decisões por parte do Governo, estas são compartilhadas pelo Sistema Brasileiro de Inteligência e seguem fluxo já estabelecido até chegar ao conhecimento institucional da Presidência da República, não havendo qualquer previsão legal de comunicações pessoais, gerais e diárias ao mandatário, função esta que é da Abin.”
A ADPF ainda critica Bolsonaro por ter “implorado” a Moro que a corporação investigasse quem ordenou o atentado à faca que ele sofreu em 2018, durante campanha eleitoral. De acordo com a associação, “quando um presidente da República toma conhecimento de irregularidades que possam configurar crime ou infrações civis e administrativas, deve comunicar, pelos canais hierárquicos às autoridades competentes para as providências legais”.
De todo modo, a ADPF garante que o inquérito recebeu total atenção da Polícia Federal e que ele seguiu em caráter prioritário em razão de “ser um crime contra a segurança nacional e a própria democracia”. “As linhas investigativas continuam sendo exauridas, para que ao final a sociedade tenha a certeza absoluta de que a verdade foi alcançada ou foram esgotadas todas as possibilidades de apuração. Entretanto, não é possível produzir em uma investigação um resultado específico desejado”.
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