Na tentativa de rebater à altura as acusações do ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro, o presidente Jair Bolsonaro fez um pronunciamento que deixou mais dúvidas do que certezas. Ao falar por aproximadamente 50 minutos, divagou sobre temas que em nada remetiam à gravidade do momento e tentou se colocar como vítima para minimizar as fortes denúncias contra ele. Pior: respaldou algumas das revelações feitas por Moro e deu informações erradas sobre não interferir em investigações da Polícia Federal.
Para demonstrar união do restante do time com o governo, Bolsonaro levou a tiracolo o vice-presidente, Hamilton Mourão, e uma comitiva de ministros –– na qual se destacava o general Fernando Azevedo, ministro da Defesa, clara maneira de sinalizar que o presidente conta com o apoio dos militares, mesmo com as confissões do ex-ministro. Ainda compareceram o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, e os deputados Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e Helio Lopes (PSL-RJ), que ficaram na fila do fundo durante o pronunciamento.
Desde o início da explicação, Bolsonaro adotou o tom autoritário. Destacou que apesar de os seus ministros terem autonomia para comandar as pastas, enfatizou que “autonomia não é sinal de soberania”. Disse que no dia em que ele tivesse de se submeter a “qualquer um dos subordinados”, deixaria “de ser presidente da República”. Também garantiu: “Jamais pecarei por omissão”.
“A todos os ministros, falei do meu poder de veto. Os cargos-chave, tinham que passar pelas minhas mãos e eu daria o sinal verde, ou não. Para todos os ministros foi feito isso. Mais de 90% dos cargos que passaram pela minha mão eu dei sinal verde, assim foi com o senhor (Maurício) Valeixo até ontem (quinta-feira), diretor da nossa honrada Polícia Federal”, ponderou Bolsonaro.
Sem medir palavras, em diversas oportunidades o presidente tentou desacreditar Moro. Começou o pronunciamento dizendo que “uma coisa é você admirar uma pessoa, a outra é conviver com ela, trabalhar com ela”. Adiante, acusou o ex-ministro de ter “um compromisso consigo próprio, com seu ego, e não com o Brasil”. “Sempre abri o meu coração para ele. Eu já duvido se ele sempre abriu o coração pra mim”, refletiu Bolsonaro.
O presidente ainda revelou que o ex-ministro teria pedido uma indicação para o Supremo Tribunal Federal (STF) como forma de concordar com a exoneração de Valeixo do posto de diretor-geral da Polícia Federal. “Mais de uma vez o senhor Sergio Moro disse: ‘Você pode trocar o Valeixo, sim, mas em novembro. Depois que me indicar para o STF’. Me desculpe, mas não é por aí. Reconheço as suas qualidades. Em chegando lá, se um dia chegar, pode fazer um bom trabalho, mas eu não troco. E outra coisa. É desmoralizante para um presidente ouvir isso”, afirmou.
Bolsonaro reforçou o ataque e disse que a exoneração “a pedido” de Valeixo foi negociada com o próprio delegado. “Desculpe, senhor ministro. O senhor não vai me chamar de mentiroso. Não existe uma acusação mais grave para um homem como eu, militar, cristão e presidente da República do que ser acusado disso. Estou decepcionado e surpreso com o seu comportamento”, afirmou, sem, porém, dar explicações sobre o primeiro ato de exoneração de Valeixo ter sido assinado por Moro. Posteriormente, outra exoneração foi publicada no Diário Oficial da União, sem a rubrica do ex-ministro.
Interferências na PF
Em uma espiral de contradições, Bolsonaro comentou que tem “compromisso com a verdade, sem distorções” e disse que “não são verdadeiras as insinuações de que eu desejaria saber sobre investigações em andamento”. Garantiu que “nunca” pediu para “blindar ninguém da minha família” e que “jamais faria isso”. No entanto, como disse durante o pronunciamento, “implorou” à Polícia Federal para comprovar que Jair Renan, um dos filhos dele, não namorou uma filha do ex-policial militar Ronnie Lessa, suspeito de ter feito os disparos que mataram a vereadora Marielle Franco e o motorista Anderson Gomes, em 2018.
“Eu fiz um pedido para a Polícia Federal, quase com um ‘por favor’: chegue em Mossoró (RN) e interrogue o ex-sargento. Foram lá, a PF fez o seu trabalho, interrogou e está comigo a cópia do interrogatório, onde ele diz simplesmente o seguinte: a minha filha nunca namorou o filho do presidente Jair Bolsonaro, a minha filha sempre morou nos Estados Unidos”, revelou.
Devido à história, Bolsonaro admitiu que esse foi o principal motivo para ele ter retirado Ricardo Saadi da superintendência da PF do Rio de Janeiro, em agosto de 2019. “Sugeri a troca de dois superintendentes, entre 27. O do Rio, a questão do porteiro. A questão do meu filho, 04, o Renan, que agora tem 20, 21 anos de idade. Quando, no clamor da questão do porteiro, do caso Adélio, que os dois ex-policiais teriam ido falar comigo, também apareceu que o meu filho 04 teria namorado a filha desse ex-sargento”.
O presidente enfatizou que não visava se blindar a partir da atitude. Contudo, reclamou que Moro não tenha feito nada para descobrir alguma informação. Também afirmou que teve acesso a processos nas investigações que envolviam Adélio Bispo, responsável pela facada, em 2018, o porteiro do condomínio Vivendas da Barra (RJ), onde ele tem casa, e o filho Jair Renan.
“Nos quase 16 meses em que esteve à frente do Ministério da Justiça, o senhor Sergio Moro sabe que jamais lhe procurei para interferir nas investigações que estavam sendo realizadas, a não ser aquelas, não via interferência, mas quase como uma súplica sobre o Adélio, o porteiro e meu filho 04”, explicou.
Outros assuntos
Por vezes, durante o discurso Bolsonaro se valeu de falas sem conexão com o evento ao comentar sobre temas como o desligamento do aquecedor da piscina da residência oficial no Palácio da Alvorada para provar que se importa em economizar o dinheiro público.
Bolsonaro ainda embaralhou assuntos como educação, a mudança no cardápio na residência oficial, economia com cartões corporativos, a prisão da avó da primeira-dama, Michelle Bolsonaro, a implosão do Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro) por conta da troca –– segundo ele, desnecessária –– de tacógrafos e taxímetros, o assassinato da vereadora Marielle, a facada que recebeu no período eleitoral e Fabrício Queiroz. Enalteceu a amizade entre os dois, que nasceu no 8° Grupo de Artilharia de Campanha Paraquedista (RJ), em 1984, mas também disse que o ex-assessor de Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) já teve duas dívidas de R$ 40 mil com ele.
O presidente ainda demonstrou guardar mágoas antigas ao comentar sobre a primeira vez em que se encontrou com Moro. “Confesso que fiquei triste, porque ele era um ídolo para mim. Eu era apenas um deputado, humilde deputado, como é ou como são a maioria dos que estão no Parlamento brasileiro. Não vou dizer que chorei porque estaria mentindo, mas fiquei muito triste”, relatou.
» Após ser eleito em 2018 e anunciar Moro como ministro da Justiça e Segurança Pública, Bolsonaro comentou que o ministério seria “integralmente” do ex-juiz. “Ele pegou o Ministério da Justiça, é integralmente dele o Ministério, sequer influência minha existe em qualquer cargo lá daquele Ministério. E o compromisso que eu tive com ele é carta branca para o combate à corrupção e ao crime organizado”, disse o
presidente, à época.
» Moro respondeu que a permanência de Valeixo “nunca foi utilizada como moeda de troca para minha nomeação para o STF”. “Aliás, se fosse esse o meu objetivo, teria concordado ontem com a substituição do diretor-geral da PF”, garantiu. Ontem à noite, o Jornal Nacional, da TV Globo, exibiu o print de uma conversa de Moro com a deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP), que pediu: “Vá em setembro pro STF. Eu me comprometo a ajudar. A fazer JB (Jair Bolsonaro) prometer”. Como resposta, Moro escreveu: “Prezada, não estou à venda”.
» Na manhã de ontem, Bolsonaro não concedeu entrevista à imprensa na saída do Palácio da Alvorada e evitou comentar a então recente exoneração de Valeixo e o pedido de demissão de Moro. Apesar de ambas as notícias terem sido divulgadas pelos jornais do país, na quinta-feira, o presidente ironizou: “Imprensa, vocês erraram udo que vocês disseram ntem (quinta)”.
» Moro garante que não assinou o primeiro ato de exoneração. “A exoneração (de Valeixo) que foi publicada: eu fiquei sabendo pelo Diário Oficial, pela madrugada. Eu não assinei esse decreto. Eu, sinceramente, fui surpreendido. Achei que isso foi ofensivo”, afirmou.
» O Jornal Nacional de ontem mostrou outro print de uma conversa entre Moro e Bolsonaro. No diálogo, o presidente mostrou ao ex-ministro uma reportagem do portal O Antagonista que dizia que a Polícia Federal investigava de 10 a 12 deputados bolsonaristas, e alertou ser “mais um motivo para a troca” no comando da PF. Moro respondeu que a investigação não tinha sido pedida por Valeixo, mas sim pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF.
» Quando retirou Saadi do posto, Bolsonaro apenas disse que a troca foi por motivos de “gestão e produtividade”. “Todos os ministérios são passíveis de mudança. Eu vou mudar, por exemplo, o superintendente da Polícia Federal no Rio de Janeiro. Motivo: é questão de produtividade. Eu não quero esperar acontecer o problema para encontrar uma solução”.
» Jair Renan tem 22 anos de idade, completados no ltimo dia 10.
» A piscina em questão tem aquecimento solar há quase duas décadas, desde 2002, o que barateia o gasto com energia. A obra foi realizada ainda durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, ex-presidente que a utilizava para praticar natação.