O procurador-geral da República, Augusto Aras, pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) a abertura de inquérito para investigar as acusações feitas pelo então ministro da Justiça, Sergio Moro, contra o presidente Jair Bolsonaro. O documento foi enviado horas depois das declarações do ex-juiz de que o chefe do Executivo tentou interferir na Polícia Federal para acessar inquéritos sigilosos, que correm na corporação. Além disso, de acordo com o ex-magistrado, o presidente teme processo em andamento no STF.
O inquérito pedido pela PGR deve avaliar, ainda, se Moro fez acusações falsas. De acordo com o órgão, as diligências devem apurar a suposta prática dos crimes de falsidade ideológica, coação no curso do processo, advocacia administrativa, prevaricação, obstrução de Justiça, corrupção passiva privilegiada, denunciação caluniosa e crime contra a honra. “A dimensão dos episódios narrados revela a declaração de Ministro de Estado de atos que revelariam a prática de ilícitos, imputando a sua prática ao Presidente da República, o que, de outra sorte, poderia caracterizar igualmente o crime de denunciação caluniosa”, destacou Aras.
Moro deve ser ouvido pelo Supremo e apresentar documentos para comprovar as declarações. Após esse processo, Aras decide se oferece ou não denúncia contra o presidente e demais envolvidos. Se a denúncia for aceita pelo Supremo, de acordo com a Constituição, nos casos de crimes comuns, o presidente fica afastado do cargo enquanto as diligências estiverem em andamento.
Especialistas são categóricos: se declarações de Moro foram confirmadas, não deixam dúvidas quanto a crimes cometidos por Bolsonaro. Para Vera Chemim, advogada constitucionalista, mestre em direito público administrativo pela Fundação Getulio Vargas, “trata-se de um contexto em que se pode visualizar, com absoluta clareza e previsão jurídicas, os diversos crimes de responsabilidade cometidos pelo presidente da República”.
Vera Chemim mencionou crimes contra a probidade na administração pública, como a expedição de ordens contrárias à Constituição, além da infração das normas legais no provimento dos cargos públicos, culminando com procedimentos incompatíveis com a dignidade, a honra e o decoro do cargo, todos elencados nos incisos 4, 5 e 7 do artigo nono da Lei 1.079/1050. “Isso tudo, sem mencionar as infrações penais comuns, como falsidade ideológica e outras que ele já vem cometendo durante o estado de calamidade pública”, destacou. “É, definitivamente, um governo voltado, acima de tudo, ao protecionismo familiar em detrimento do Estado brasileiro.”
O criminalista Conrado Gontijo, doutor em direito penal e econômico pela Universidade de São Paulo (USP), disse que “as declarações são de absoluta gravidade e devem ensejar a responsabilização criminal do presidente”. Ele entendeu que, de acordo com Moro, “o presidente estaria buscando aparelhar a Polícia Federal, nomeando pessoas de sua confiança, para que a instituição atuasse para satisfazer os seus interesses pessoais e ilegais, como a obtenção de relatórios confidenciais”.
Aras na berlinda
Indicado ao cargo pelo presidente Jair Bolsonaro, o procurador-geral da República, Augusto Aras, tinha sido criticado pelos pares por, na visão deles, não agir para frear os excessos cometidos pelo Palácio do Planalto. Enquanto Moro anunciava a sua demissão do cargo, com uma série de acusações contra o chefe do Executivo, o PGR cumpria agenda com o ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas. Após se reunir com auxiliares na Procuradoria, ele concluiu que o caso era grave o suficiente para acionar o STF. O ministro Celso de Mello será o relator do pedido da PGR. Na segunda-feira, Aras já havia requisitado a abertura de inquérito no Supremo sobre a organização de manifestações antidemocráticas no domingo à qual o presidente compareceu.
“A dimensão dos episódios narrados revela a declaração de Ministro de Estado de atos que revelariam a prática de ilícitos, imputando a sua prática ao Presidente da República, o que, de outra sorte, poderia caracterizar igualmente o crime de denunciação caluniosa”
Trecho do documento enviado pela PGR ao STF