As revelações do ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro sobre a interferência política do presidente Jair Bolsonaro na Polícia Federal “são muito sérias e terão consequências”, disse ao Correio o ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF). Para o magistrado, o chefe do Executivo pode ter cometido crime comum ao tentar acesso a relatórios de inteligência da corporação. Ele também não descartou a hipótese de essa situação abrir caminho para a abertura de um processo de impeachment na Câmara.
As acusações de Moro tiveram forte impacto nos meios político e jurídico, e a defesa da saída de Bolsonaro do governo voltou a ganhar corpo. O presidente já é alvo de mais de 20 pedidos de impeachment na Câmara, relacionados a casos anteriores. Agora, com as revelações de Moro, novas representações foram apresentadas.
Já em relação ao possível cometimento de crime comum, a Constituição prevê que a denúncia deve ser enviada pela Procuradoria-Geral da República ao STF, que decide se aceita ou não.
O ministro Marco Aurélio ressaltou que o Brasil enfrenta uma instabilidade institucional justamente no momento em que está mergulhado em uma crise sanitária de fortes impactos sociais e econômicos. Ele negou, porém, que uma ruptura institucional esteja próxima. “Não vejo essa possibilidade, pois confio que os ares democráticos vão prevalecer. Vamos ver como as instituições vão se comportar daqui em diante”, disse.
Em outra entrevista, concedida à Rádio Gaúcha, defendeu a autonomia da PF. “A Polícia Federal não é uma polícia de governo, é uma polícia de Estado, e deve atuar com independência”, afirmou. O magistrado lembrou, ainda, que alertou, durante as eleições, sobre os riscos de Bolsonaro chegar ao poder. “Vejo um quadro muito grave e que gera perplexidade. Vem a confirmar o que eu disse em um seminário na Universidade de Coimbra, que discorri sobre a tendência de se eleger populistas de direita. Disse com todas as letras que temia pelo Brasil”, enfatizou.
Explicação
A presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, Simone Tebet (MDB-MS), acusou Bolsonaro de cometer crime de responsabilidade, o que abriria caminho para um processo de impedimento. “Este filme, nós já conhecemos e não queremos ver de novo. Essas acusações, se comprovadas, caracterizam crime de responsabilidade. O PR deve uma explicação à nação”, escreveu no Twitter.
Na mesma rede social, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) classificou as revelações de Moro como uma “delação premiada” e anunciou que entraria, ainda ontem, com um pedido de impeachment de Bolsonaro, “a partir das graves denúncias feitas pelo agora ex-ministro da Justiça”.
Por sua vez, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) defendeu a renúncia de Bolsonaro. “É hora de falar. Pr está cavando sua fossa. Que renuncie antes de ser renunciado. Poupe-nos de, além do coronavírus, termos um longo processo de impeachment. Que assuma logo o vice para voltarmos ao foco: a saúde e o emprego. Menos instabilidade, mais ação pelo Brasil”, tuitou o tucano.
Interesses
Na sociedade civil, a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) decidiu protocolar um pedido de impeachment de Bolsonaro. Segundo nota assinada pelo presidente da entidade, Paulo Jeronimo de Souza, “os acontecimentos relacionados com a exoneração do ministro Sergio Moro, que vieram à tona hoje (ontem), caracterizando a tentativa do presidente de usar a Polícia Federal para seus interesses pessoais, tornam o seu comportamento ainda mais grave e sua situação no cargo ainda mais insustentável”.
Na opinião do cientista político André Rosa, a autorização ou não para a tramitação de um processo de impeachment vai depender dos interesses do grupo aliado ao deputado Rodrigo Maia e da relação de Bolsonaro com o Congresso daqui para a frente. “Qualquer erro do Executivo no parlamento, neste momento, é um risco eminente”, disse ele.
Ele observou, entretanto, que a recente aproximação do chefe do Executivo com políticos do Centrão e a negociação de cargos no governo podem dificultar o avanço de um processo de impeachment. “O capitão precisará intensificar os acordos, adiantar uma possível reforma ministerial, atendendo a pedidos de partidos importantes na arena legiferante, tal como o PSDB, o MDB e o próprio DEM, partido de Rodrigo Maia”, frisou. “A tentativa de Bolsonaro em desidratar o Maia pode sofrer um revés incalculável. Desta vez, a caneta não é do presidente da República, mas do presidente da Câmara dos Deputados.”