Ossa governo do presidente Jair Bolsonaro sofreu, ontem, a sua baixa mais significativa. Na maior crise da gestão até agora, Sergio Moro deixou o Ministério da Justiça e Segurança Pública, contrariado com a demissão do então diretor-geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo. E o ex-juiz saiu atirando. O personagem do Executivo que simbolizava o combate à corrupção trouxe a público graves acusações contra o chefe do Executivo federal. As declarações já resultam em consequências políticas e jurídicas, que abalam as estruturas do poder. Uma crise deflagrada num momento em que o país está abalado com a pandemia do coronavírus.
Moro acusou Bolsonaro de tentar uma “interferência política” na Polícia Federal e disse que esse seria o motivo da exoneração de Maurício Valeixo. “Ontem (quinta-feira), conversei com o presidente e houve essa insistência (de mudança do comando da PF). Eu disse que seria uma interferência política, e ele disse que seria mesmo”, afirmou. O ex-juiz da Operação Lava-Jato contou, ainda, que o chefe do Planalto manifestou o desejo de ter um diretor-geral com quem pudesse manter contato pessoal e conseguir acesso a relatórios de inteligência que correm sob sigilo. O ex-ministro disse que não poderia compactuar com tal medida.
Dentro da corporação, a informação é que a troca está ligada ao desconforto em relação a diligências que apuram uma rede de criação e disseminação de fake news contra desafetos do governo. As provas aproximam o caso do vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho do presidente, com o chamado gabinete do ódio, que utiliza ferramentas para disparar mensagens em massa contra alvos pré-selecionados que criticam as ações do Executivo. Entre os quais, o STF e o Congresso Nacional. O deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) também estaria envolvido em fake news.
De acordo com Moro, Bolsonaro tem preocupação com inquéritos em curso no Supremo Tribunal Federal (STF) e que a troca na PF também seria oportuna por esse motivo. Um desses inquéritos investiga grupos que convocaram manifestações pró-intervenção militar e pediram a volta do AI-5. Bolsonaro não é alvo das diligências, apesar de ter participado de um dos atos, realizado em Brasília. No entanto, deputados bolsonaristas estão na mira e, por conta disso, a apuração está no âmbito do STF.
Bateu-levou
Horas depois das acusações de Moro, Bolsonaro também fez um pronunciamento, e devolveu o bombardeio. Disse que o ex-juiz condicionou a exoneração de Valeixo a uma indicação para o STF em novembro. “Me desculpa, mas não é por aí”, afirmou o presidente, relatando a suposta conversa com o então ministro. “Reconheço as suas qualidades e, em chegando lá, se um dia chegar, pode fazer um bom trabalho, mas eu não troco. E, outra coisa, é desmoralizante para um presidente ouvir isso.”
Bolsonaro negou que tenha pedido para Moro blindá-lo na PF ou a alguém da sua família. “Será que é interferir na Polícia Federal exigir, quase que implorar, o Sergio Moro para que apure quem mandou matar Jair Bolsonaro? A Polícia Federal de Sergio Moro mais se preocupou com Marielle do que com seu chefe supremo. Cobrei muito eles aí. Não interferi”, enfatizou, numa referência à facada que levou durante a campanha eleitoral e ao assassinato da vereadora Marielle Franco. Durante o pronunciamento do chefe do Planalto, houve panelaços em várias cidades do país.
As declarações de Moro motivaram um pedido de abertura de inquérito do procurador-geral da República, Augusto Aras, contra Bolsonaro no STF. Se ficar provado que Moro não falou a verdade, ele pode responder por denunciação caluniosa. No entanto, fontes próximas ao ministro informaram ao Correio que ele tem uma espécie de dossiê do presidente.
Além de conversas de WhatsApp e print de telas de celular, Moro tem áudios de conversas com Bolsonaro e pretende entregá-los ao Supremo se for chamado a falar num eventual inquérito. Conhecedor da legislação, interlocutores afirmam que ele já sabia que seria cobrado a apresentar provas depois de fazer as acusações.
Desavenças
A crise entre Bolsonaro e Moro não é nova. Em agosto do ano passado, o presidente se articulou para trocar o superintende da PF no Rio de Janeiro. Na ocasião, o então ministro se opôs à ideia, e dirigentes da corporação ameaçaram entregar os cargos. Nos bastidores, falava-se que por trás das intenções do presidente estaria uma tentativa de proteger seu filho, o senador Flávio Bolsonaro, alvo de uma investigação pelo Ministério Público por suspeita de liderar um esquema de rachadinha, em que receberia parte dos salários dos funcionários de seu gabinete na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj). Diante das reações, o chefe do Executivo recuou por duas semanas, mas a troca ocorreu após isso.
No mesmo mês, Bolsonaro falou em trocar o comando da PF, mas recuou. Em janeiro deste ano, afirmou que poderia recriar o Ministério da Segurança Pública. A medida retiraria poderes de Moro. Ele poderia, até mesmo, perder o poder sobre a PF, já que a corporação poderia ficar em uma pasta que não seria controlada por ele. O ex-deputado Alberto Fraga era cotado para assumir o novo ministério e chegou a se reunir com o presidente, algo que abalou de vez a relação entre Moro e o chefe do Executivo.
Mensagens no WhatsApp
O ex-ministro Sergio Moro apresentou ao Jornal Nacional, da TV Globo, prints de conversa que teve com o presidente Jair Bolsonaro na noite de quarta-feira, que provariam as acusações que fez contra o chefe do Planalto. Na mensagem, o presidente compartilha uma nota do site O Antagonista intitulada “PF na cola de 10 a 12 deputados bolsonaristas” e escreve para Moro: “Mais um motivo para a troca”. A troca se referia à demissão de Maurício Valeixo da direção-geral da Polícia Federal. Em resposta, Moro corrigiu o presidente e afirmou que o inquérito citado é conduzido pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF. “Diligências por ele (Moraes) determinadas, quebras por ele determinadas, buscas por ele determinadas”, escreveu.