A saída do ex-ministro Sergio Moro renovou as dúvidas sobre a permanência do ministro da Economia, Paulo Guedes, no governo de Jair Bolsonaro. A percepção de que Guedes pode ser o próximo a abandonar o barco paira tanto nos bastidores do governo, quanto no mercado e parece agravar o clima de incerteza sobre o caminho da recuperação econômica brasileira.
Analistas e empresários, que mantêm contato direto com a equipe econômica, dizem que a saída de Guedes ganha força diante deste cenário por vários motivos. Primeiro, porque a relação entre o ministro da Economia e o Planalto já vinha desgastada há um tempo.
Prova disso é que, nesta semana, a Casa Civil apresentou um plano de recuperação econômica para o pós-coronavírus que vai na contramão da política liberal de Guedes. E hoje, antes da demissão de Moro, Bolsonaro se encontrou com dois fiadores desse plano - os ministros de Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, e da Infraestrutura, Tarcísio Freitas -, enquanto Guedes permanecia recluso na Granja do Torto.
Segundo, porque Guedes ajudou Bolsonaro a atrair o ex-juiz Sergio Moro para o governo. E a saída de Moro mostrou que Bolsonaro está disposto a não segurar mais os "superministros" do seu governo - enquanto Moro era o pilar do governo com a sociedade civil, Guedes é a base do Planalto com o mercado financeiro.
Aproximação com o Centrão
"A saída de Moro dá conta de uma estratégia de aproximação de Bolsonaro com o Centrão. A saída de Valeixo facilita isso. Mas, se Bolsonaro estiver fazendo isso para se aproximar do Centrão, o Centro vai desejar mais que a Polícia Federal e isso implica gastos fiscais extras, que o ministro Guedes não corrobora", analisou o economista-chefe da Necton Investimentos, André Perfeito.
Reforça essa tese, por sinal, a aproximação de Bolsonaro com o presidente do PTB, o ex-deputado Roberto Jefferson, que, segundo alguns interlocutores do governo, poderia assumir o Ministério do Trabalho em uma eventual divisão do Ministério da Economia. Divisão que, por sinal, não agrada Guedes.
"Guedes não deve demorar, porque não acredita no caminho que está predominando no governo [de aumento de gastos, com o plano de retomada da Casa Civil]. A não ser que abra mão de uma coisa que nunca abriu [a política liberal]", afirmou um empresário.
Guedes cancelou agenda
E toda essa incerteza só aumentou com o vai e vém da agenda de hoje do ministro Paulo Guedes. Há dias sem aparições públicas, Guedes cancelou duas conferências que faria com o mercado assim que veio à tona a confirmação da demissão de Moro.
Depois disso, ainda surgiu um boato de que o ministro faria uma entrevista coletiva agora à tarde, antes do pronunciamento convocado por Bolsonaro para falar sobre a saída do ex-juiz do governo. A entrevista, porém, não foi confirmada pela assessoria do Ministério da Economia.
Por conta disso, os analistas admitem que a queda de quase 7% da Bolsa de Valores de São Paulo e a alta de 3,5% do dólar, que já opera na casa dos R$ 5,72, registradas hoje, não refletem apenas a saída de Moro. Mas também a percepção todos esses ruídos políticos também vão acabar caindo no colo de Guedes.
"Não é o momento. É muito ruim perder dois pilares assim ao mesmo tempo", diz um dos fiadores da agenda liberal de Guedes no Congresso, que resiste à ideia da saída do ministro da Economia. "O governo tinha deixado Guedes contrariado, mas deve procurar administrar essa agora. Já perdeu uma ponte com a sociedade [Moro], deve tentar manter uma ponte com o mercado pelo menos", torce.
Também já há quem diga, contudo, que a saída de Guedes pode não pesar tanto quanto a de Moro. "Tudo mudou. O mundo inteiro já fala de liberar dinheiro para incentivar a retomada. Mas Guedes não muda, continua com o mesmo discurso do pré-coronavírus e resiste a um pleito que ganha força na sociedade", alegou um empresário, dizendo que o governo de fato poderia "cumprir um papel de transição, mesmo que temporariamente" para ajudar o país a sair da crise da Covid-19, como deseja a Casa Civil.