Um dos primeiros gestores do Brasil a decretar medidas de isolamento e paralisação de comércio e escolas, o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), procurou colocar panos quentes nas relações com o Palácio do Planalto e se alinhou ao presidente Jair Bolsonaro. Tanto que foi convidado a participar da coletiva de ontem — em que foi anunciado o Plano Pró-Brasil — e falar da sua estratégia para flexibilizar o isolamento social no DF (leia reportagem na página 15). O presidente, por sua vez, espera que outros governadores se espelhem em Ibaneis.
Por causa das medidas restritivas que tomaram, chefes de Executivo de todo o país têm sido alvo de ataques de Bolsonaro, que cobra um afrouxamento no distanciamento social para que as pessoas voltem ao trabalho. Os mais hostilizados são os governadores de São Paulo, João Doria (PSDB), e do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC). O presidente disse esperar que o isolamento horizontal termine ainda nesta semana.
O alinhamento de Ibaneis com Bolsonaro ocorre após uma série de críticas que o governador fez diretamente ao presidente, por causa das medidas de isolamento social. Três semanas atrás, o chefe do Executivo do DF chegou a colocar um carro de som de frente para o Palácio do Buriti, com trechos de Bolsonaro defendendo a reabertura do comércio e, na sequência, o então ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, rebatendo as falas do presidente. Mandetta acabou demitido da pasta após desavenças com o chefe do Planalto sobre medidas de distanciamento social e a eficácia da cloroquina no tratamento da Covid-19.
“O momento é de muita parceria. Temos que nos unir neste momento. Não adianta Brasília se recuperar, e São Paulo continuar como está. É momento de união e respeito de todas as instituições”, disse Ibaneis, primeiro governador a comparecer à coletiva de imprensa do Executivo sobre a pandemia. Ibaneis foi um dos sete, entre 27 gestores estaduais, que não assinaram a carta aberta conjunta contra as declarações e críticas feitas por Bolsonaro referentes ao Congresso.
Antes de mudar o tom de discurso, o governo do DF acionou a Justiça Federal para obter a relação completa dos exames de novo coronavírus realizados no Hospital das Forças Armadas (HFA). Os exames de Bolsonaro e de outras autoridades do governo federal foram realizados na unidade, em parceria com um laboratório privado. O presidente afirmou que os testes dele resultaram negativo para o novo coronavírus, mas até hoje não divulgou o exame. A ação do governo do DF acabou arquivada. (com Agência Estado)
Análise da notícia
Aliados circunstanciais
ANA MARIA CAMPOS
A união entre o presidente Jair Bolsonaro e o governador Ibaneis Rocha é a junção de interesses convergentes. Em guerra com o meio político em vários estados, especialmente São Paulo e Rio de Janeiro, Bolsonaro tem sido bombardeado na pandemia do novo coronavírus, num embate que ocorria inclusive internamente até a semana passada antes da troca do ministro da Saúde.
Luiz Henrique Mandetta se uniu aos correligionários, Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre, ninguém menos do que os poderosos presidentes da Câmara e do Senado e com o governador de Goiás, Ronaldo Caiado. Transformaram o Ministério da Saúde numa trincheira de resistência à visão de Bolsonaro e favorável à restrição da atividade econômica e o isolamento como formas de conter a propagação da Covid-19.
Bolsonaro também encara um confronto com João Doria e Wilson Witzel, personagens que considera adversários na próxima eleição presidencial. O ápice desse isolamento presidencial ocorreu em dois momentos: primeiro, na decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) segundo a qual governadores e prefeitos têm autonomia para decretar isolamento contra a disseminação do coronavírus. Assim, Bolsonaro perdeu poder de impor suas regras.
Em segundo, na carta assinada por 20 governadores em defesa da democracia e do Congresso, contra a participação de Bolsonaro na manifestação em que a bandeira do AI-5 foi defendida. Apenas sete governadores não assinaram o protesto, entre os quais Ibaneis.
O governador do DF está longe de ser um discípulo de Bolsonaro. Não se elegeu com os votos desse grupo político e não governa focado nos valores bolsonaristas. Mas fez da pandemia do novo coronavírus uma oportunidade para mostrar trabalho e competência.
Ele tem consciência de que nenhum governador conseguiu fazer uma boa gestão na capital do país sem o apoio do Palácio do Planalto. Brigar com o presidente da República significa redução de repasses federais, má vontade com as demandas locais, que são muitas, e conflitos na Esplanada.
Numa crise como a da Covid-19, o DF precisa mais do que nunca do governo federal. A população demanda testes de coronavírus — e o Ministério da Saúde já prometeu liberar um lote com 40 mil EPIs para servidores da saúde e segurança, leitos de hospitais e respiradores. E Ibaneis precisa enfrentar a pandemia sem comprometer seus investimentos, a maioria baseada em convênios com ministérios.
Assim, Bolsonaro e Ibaneis viraram aliados circunstanciais. Com um quadro equilibrado no DF, o governador planeja abrir comércios, shoppings, parques e movimentar a cidade a partir de 4 de maio. Sabe que precisa de uma retaguarda no sistema de saúde para quem se contaminar. Conta com Bolsonaro. O presidente, por sua vez, viu no DF uma chance de provar sua teoria: a economia pode funcionar com a saúde controlada. Até onde vai essa parceria só o tempo e a pandemia do coronavírus dirão. Mas, para a população do DF, é melhor que os dois estejam certos.
“O momento é de muita parceria. Temos que nos unir neste momento. Não adianta Brasília se recuperar, e São Paulo continuar como está. É momento de união e respeito de todas as instituições"
Ibaneis Rocha, governador do DF