Politica

Nas entrelinhas

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Não pede pra sair
O relatório do Fundo Monetário Internacional (FMI), divulgado ontem, estima para este ano uma recessão mundial pior do que a Grande Depressão de 1929, com uma redução de 3% no Produto Interno Bruto (PIB) global, contra uma expectativa de crescimento de 3,3% que havia antes da pandemia. No Brasil, segundo o FMI, o PIB deve encolher 5,3%, em vez de crescer 2,2%, como era esperado. Esse cenário pessimista passou a ser o eixo das preocupações do governo e do mercado financeiro, com repercussões muito fortes nas estratégias de saída da epidemia de coronavírus. E também acirrou o conflito de Bolsonaro com governadores e prefeitos.

É nesse contexto, por exemplo, que devemos examinar a queda de braço entre o ministro da Economia, Paulo Guedes, e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), na discussão sobre as medidas aprovadas na segunda-feira para ajudar estados e municípios. Nas projeções do FMI, o desempenho da economia brasileira será o pior desde 1901. Essa avaliação surpreendeu o mercado financeiro, que projetava uma queda de 1,96%, segundo o boletim Focus, do Banco Central. As projeções do FMI levaram o Palácio do Planalto a atuar mais fortemente para barrar, no Senado, a ajuda aos governadores e prefeitos.

A proposta de Guedes é um auxílio de R$ 77 bilhões para estados e municípios, o que aumentaria para R$ 127,3 bilhões as transferências da União, uma vez que R$ 49,9 bilhões já haviam sido anunciados em março. O ministro da Economia rechaça o projeto aprovado pelos deputados, que recompõe durante seis meses (entre maio e outubro), ao custo estimado de R$ 89,6 bilhões, as perdas de arrecadação dos estados e municípios relacionadas com a pandemia do coronavírus. Guedes pôs seus assessores em campo, criticando a Câmara, o que provocou dura reação de Rodrigo Maia.

O que mais irritou Maia foi a narrativa de farra fiscal da equipe econômica. No projeto da Câmara, foi estabelecido que os valores repassados pela União deverão ser aplicados pelos estados e municípios, exclusivamente, em ações para o combate à pandemia de coronavírus. Para receber, governadores e prefeitos terão de comprovar a queda da arrecadação, referentes aos meses de abril a setembro de 2020, em até 15 dias após o encerramento de cada mês. Nos meses de abril, maio e junho, receberão uma antecipação do auxílio de 10% da arrecadação dos impostos referentes aos meses de 2019.

Em relação ao ICMS, recolhido pelos estados, 75% seriam destinados aos estados e 25%, repassados aos municípios, sendo que a divisão será feita com base na participação de cada município na receita do ICMS do estado nos mesmos meses de 2019. Se esse percentual for maior do que o ente federativo deve receber, será deduzido no mês seguinte ou, após o fim do seguro, compensado nas distribuições do Fundo de Participação dos Estados (FPE) e do Fundo de Participação dos Municípios (FPM).

Contra-ataque
Guedes quer que o Senado aprove apenas R$ 40 bilhões em transferências diretas, sendo R$ 19 bilhões para os estados e R$ 21 bilhões para os municípios. Em contrapartida, seriam suspensas as dívidas com a União, de R$ 20,6 bilhões dos estados e de R$ 2 bilhões dos municípios; e com a Caixa Econômica Federal e com o BNDES neste ano, de R$ 10,6 bilhões dos estados e de R$ 4,2 bilhões dos municípios. Governadores e prefeitos avaliam que esses recursos não são suficientes. Argumentam que estão com a maior parte do ônus de manutenção do sistema de saúde e não terão como arcar com as despesas, inclusive, o pagamento de pessoal.

Maia defende que o governo emita títulos da dívida pública para financiar os gastos com a pandemia, mas os técnicos do Executivo não concordam com a escala em que isso teria de ser feito. Boa parte da resistência do presidente Jair Bolsonaro à política de distanciamento social vem das avaliações feitas por Guedes.O ministro é um ultraliberal, aceitou fazer transferências diretas de recursos para a população de baixa renda para injetar dinheiro na economia, mas não concorda com a transferência dos recursos a estados e municípios na escala aprovada pela Câmara.

A propósito da epidemia, ontem, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, reapareceu na entrevista coletiva do Palácio do Planalto. O governo corre contra o tempo para garantir leitos de UTI, respiradores, equipamentos de proteção individual, testes e medicamentos para evitar o colapso do sistema de saúde.

Como os números continuam ascendentes — 1.532 mortes, eram 1.328 na segunda, aumento de 15%; 25.262 casos confirmados, eram 23.430 na segunda, aumento de 8% —, Mandetta continua no cargo. O ministro da Saúde não pede para sair, e o presidente Jair Bolsonaro, nesse contexto, também não arrisca tirá-lo.