No confronto entre o presidente Jair Bolsonaro e o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, que quase foi exonerado na última segunda-feira, quem sai fortalecido são os governadores. Conquistaram alta popularidade diante da população –– como aponta recente pesquisa de opinião –– por serem firmes na defesa de medidas restritivas, conforme recomenda o Ministério da Saúde, e darem respostas rápidas às demandas impostas pelo combate à pandemia. No campo oposto, Bolsonaro vê seu capital político diminuir.
Paulo Calmon, diretor do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB), avaliou a relação entre os chefes de executivo como conflituosa. “Há uma crise dentro da estrutura de governo no sentido de que as determinações do presidente, dos governadores e dos prefeitos se chocam. Quem está mais próximo da população tem percepção mais clara e intensa dos problemas e riscos aos quais é submetida. Porém, o que poderia ser resolvido numa mesa de negociação está ganhando tonalidade de conflito político, e quase partidário. Há uma névoa de interesses permeando esse conflito”, afirma.
Isso compromete a governabilidade, segundo Calmon, e traz consequências ao combate à pandemia, pois confunde a população. Ele também acredita que está faltando a figura do estadista. “Aquela liderança que pensa primeiro no país e, em segundo lugar, nas consequências eleitorais. Os governadores cresceram, porque assumiram postura de estadistas.”
O protagonismo dos governadores decorre da obediência às recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS), no entendimento de Alexandre Rollo, especialista em direito eleitoral e diretor da Organização dos Advogados do Brasil (OAB) de São Paulo. “O presidente, lamentavelmente, só vê as eleições de 2022. Então, pensa é que os outros estão fazendo a mesma coisa. Os governadores estão seguindo as orientações e Bolsonaro quer politizar”, frisou.
Para ele, o presidente quer se capitalizar ao mostrar preocupação com a economia, que é uma responsabilidade federal. “Não quer que a economia quebre, porque não quer que as pessoas dependam muito dos programas de governo. Mas a vida vem em primeiro lugar”, cobrou.
Para o cientista político da Arko Advice, Cristiano Noronha, o desempenho dos governadores é bom no curto prazo, mas é preciso pensar na durabilidade dessa popularidade. “Quem está determinando medidas mais restritivas ganhou a confiança da população. Mas, no médio prazo, essa popularidade vai depender muito das medidas que adotarem quando o desemprego bater mais forte em cada um desses estados. Ou quando a doença atingir mais comunidades, aumentando a pressão nos hospitais”, ressaltou.
Por enquanto, segundo Noronha, há concordância de parte da população em relação à necessidade de medidas restritivas, mas essa “lua de mel” pode entrar em crise brevemente. “Vão precisar agir para minimizar o impacto da doença no sistema de saúde ou na adoção de horários diferentes para evitar aglomeração no transporte público. São medidas que também serão avaliadas pela população”, afirmou.