“O Mandetta já sabe que a gente está se bicando há algum tempo. Eu não pretendo demitir o ministro no meio da guerra. Agora, ele é uma pessoa que, em algum momento, extrapolou”, acusou, confessando abertamente a existência de atritos entre os dois que, até então, negava. “Ele sabe que tem uma hierarquia entre nós. Eu sempre respeitei todos os ministros, o Mandetta também. Ele montou o ministério de acordo com sua vontade. Eu espero que ele dê conta do recado.”
O “desabafo” de Bolsonaro aconteceu após ele ser perguntado se demitiria Mandetta para escolher um ministro da Saúde que concordasse que a medida de controle à pandemia mais efetiva para o momento seria o isolamento vertical, em que apenas as pessoas do grupo de risco, como idosos, deveriam cumprir confinamento. O presidente tem reiterado esse desejo diariamente, enquanto o ministro cobra cautela.
“O Mandetta quer fazer valer muito a vontade dele. Pode ser que ele teje (sic) certo, pode ser. Mas tá faltando um pouco mais de humildade dele para conduzir o Brasil neste momento difícil que nós nos encontramos e que precisamos dele para que a gente vença essa batalha com o menor número de mortes possível”, enfatizou.
O presidente ainda reclamou que, no Ministério da Saúde, alguns profissionais se contagiaram pelo clima de “histeria” e de “pânico” em razão da pandemia e ordenou que “já está no momento de todos botarem o pé no chão”. “Se destruir o vírus e destruir também os empregos, nós vamos destruir o Brasil. É isso que nós temos de entender. É como numa guerra. Numa guerra, infelizmente, você perde soldados, e soldados são seres humanos”, argumentou. “E, aqui, você também vai perder gente, nessa luta contra o vírus. Mas se você fizer dessa forma que alguns governadores e prefeitos estão fazendo, até por orientação do Ministério da Economia (na verdade, da Saúde), o preço vai ser muito alto a ser pago lá na frente.”
Mandetta não polemizou com Bolsonaro. Às críticas do mandatário, disse apenas “ok” e acrescentou que não comenta o que o presidente da República fala. “Ele tem mandato popular, e quem tem mandato popular fala, e quem não tem, como eu, trabalha”, resumiu, em entrevista à Folha de S. Paulo. “Nunca fiz nenhum comentário sobre as ações dele. Não se comenta o que o presidente da República fala.”
Atritos
Desde os primeiros casos de coronavírus no Brasil, Mandetta defende distanciamento social, compra de suprimentos médicos, criação de leitos de UTI, hospitais de campanha e investimento em pesquisa científica para conter a tragédia provocada pela doença na maioria das nações atingidas. Na contramão disso, Bolsonaro descumpre recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do ministro e sai às ruas, juntando aglomerações e anunciando tratamentos que ainda não foram comprovados cientificamente.
A postura técnica de Mandetta agrada parlamentares tanto do governo quanto de oposição e arranca elogios de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), a ponto de o presidente da Corte, Dias Toffoli, afirmar, em uma das sessões, que ele é “inamovível” no governo. No entanto, o protagonismo do titular da Saúde incomodou Bolsonaro, que agiu para reduzir a presença dele em coletivas de imprensa, comunicados e boletins sobre a situação epidemiológica do país. Além de os informes terem sido transferidos para o Planalto, a presença de integrantes da área militar do governo nas conferências foi reforçada, mesmo sem ligação direta com o combate à epidemia.
Divisão
Nos bastidores, outros ministros têm mostrado apoio às medidas definidas por Mandetta. Até mesmo parte da ala militar entende a gravidade da crise de saúde pública, social e econômica e defende a postura estratégica do titular da Saúde.
Enquanto outras nações acordaram para a necessidade de isolamento social e a importância de medidas econômicas para socorrer os mais vulneráveis e as empresas, Bolsonaro ainda duvida da gravidade da situação. No entanto, acreditava-se que o atrito no centro do Executivo, que opõe ideologia e realidade científica, não seria levado a público. “A preocupação minha é o vírus e o desemprego, que não pode ser tratada de forma dissociada. No domingo, eu, como chefe de Estado, como comandante, fui a Ceilândia e Taguatinga ver o povo. É triste e desesperador o que a gente vê, em especial junto aos informais”, frisou. “Esses levaram uma paulada no meio da testa, com as medidas tomadas por alguns governadores. O que foi, ao meu entender, uma série de medidas exageradas. De 0 a 30 anos, tem 0% de óbito no Brasil; de 30 a 39, tem 3,3% de óbito”, frisou. A saída pelas ruas da capital, no domingo, provocou críticas de Legislativo, Judiciário e entidades da sociedade civil.
Jejum contra a pandemia
O presidente Jair Bolsonaro disse que vai definir um dia de jejum contra a Covid-19: “Paz, tranquilidade. Para quem tem fé, Papai do céu está conosco, acredite em Deus. E vamos brevemente, de acordo com o que evangélicos e católicos têm pedido para mim, marcar um dia de jejum de todo o povo brasileiro para a gente ficar livre deste mal o mais rápido possível”, afirmou.
Volta do comércio por decreto
O presidente Jair Bolsonaro reforçou que as questões do "vírus e desemprego não podem ser tratadas de forma dissociada" no Brasil e defendeu o afrouxamento das regras de quarentena. Segundo o presidente, se, a partir da próxima semana, "não começar a voltar o emprego, vou ter de tomar uma decisão". Entre as alternativas, Bolsonaro, em entrevista à Rádio Jovem Pan, sugeriu "numa canetada" autorizar o retorno às atividades dos comerciantes. "Eu tenho um projeto de decreto pronto para ser assinado, se for preciso, que considera como atividade essencial toda aquela indispensável para levar o pão para casa todo dia", afirmou o presidente. Segundo ele, "enquanto o Supremo ou o Legislativo não suspender os efeitos do meu decreto, o comércio vai ser aberto. É assim que funciona".