O número é do próprio governo: cerca de 54 milhões de trabalhadores informais ficaram sem renda com as medidas de restrição contra a Covid-19 e dependem de ajuda do governo para garantir a subsistência. Mas este mesmo Executivo, que propaga a necessidade de atender os grupos mais vulneráveis, tem protelado a chegada do auxílio a quem mais precisa. Ontem, o presidente Jair Bolsonaro renovou o jogo de empurra. Ele culpou a “burocracia enorme” pelo fato de ainda não ter sido paga a ajuda emergencial de R$ 600 aos informais. Disse que precisa evitar erros para não cometer crime de responsabilidade e prometeu que “semana que vem, começa a pagar”.
O auxílio emergencial foi aprovado no Senado na segunda-feira. Bolsonaro levou 48 horas para assiná-lo e, ontem, a lei foi publicada em edição extra do Diário Oficial da União (DOU), assim como a medida provisória para liberar o crédito orçamentário. Falta o decreto para definir a operação de pagamento. Só depois disso, o dinheiro poderá chegar aos milhões de trabalhadores.
Mesmo com a publicação da MP, o auxílio só deve começar a ser distribuído depois de 10 de abril, com o calendário de pagamento do Bolsa Família. A previsão foi anunciada no último dia 31 pelo ministro da Cidadania, Onyx Lorenzoni.
Antes da publicação, Bolsonaro, questionado por jornalistas sobre a lei, respondeu: “Assinei ontem (quarta-feira), estava aguardando outra medida provisória, porque não adianta dar um cheque sem fundo. Tem que ter o crédito”. E emendou: “É uma burocracia enorme. Uma canetada minha errada é crime de responsabilidade. Dá para vocês (jornalistas) entenderem isso? Ou vocês querem que eu cave a minha própria sepultura? Vocês querem que eu cave minha própria sepultura? Eu não vou dar esse prazer para vocês”.
Farpas
A lentidão do governo na resposta à crise econômica gerada pelo novo coronavírus provocou, nesta semana, uma troca de farpas entre o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e o ministro da Economia, Paulo Guedes, e levou o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), a aderir à campanha, deflagrada nas redes sociais desde a aprovação do projeto no Senado, pelo pagamento da ajuda emergencial.
Ontem, Maia voltou a cobrar o Executivo. Segundo ele, o parlamento e a sociedade é que têm pressionado o Executivo a agir. O deputado reclamou da falta de um pacote único e organizado para combater a crise. “O governo está tímido, não toma decisões e acaba gerando uma certa angústia. Precisa sempre de alguém para estimulá-lo a dar outros passos. Vamos ficando a reboque das decisões de outros países ou da pressão da sociedade e do parlamento. Isso gera essa insegurança”, emendou.
Maia frisou que o governo tem de atender a setores econômicos impactados diretamente pela pandemia. Entre os grupos citados por ele, além do setor aéreo, estão hospitais privados, que necessitam de liquidez garantida, por serem essenciais no combate à doença. “É preciso financiar redes de hospitais. Não são todos que são Einstein, Sírio, são da Rede D’or. Não vi uma articulação do governo garantindo liquidez. Os hospitais são importantes, e nada foi feito ainda para continuarem funcionando”, reprovou.
Quanto ao setor aéreo, Maia afirmou que o governo não deu uma solução, e a proposta de liberar crédito do Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES) para ser utilizado nas operações das companhias não resolve o problema, podendo criar outro no futuro. “Do jeito que o BNDES quer, o governo vai acabar sendo dono de todas as empresas áreas, isso de um governo liberal”, observou.
Segundo Eduardo Galvão, professor de políticas públicas do Ibmec Brasília, as discussões sobre a resposta à pandemia no país estão muito polarizadas, e há um risco político, principalmente para o governo federal, diante do desafio de atender com urgência aos mais necessitados, os mais pobres, como os trabalhadores informais.
“O cenário repentino da Covid-19 trouxe mais alguns problemas públicos para a já complexa realidade brasileira, que enfrenta desafios de ordem econômica e social, que trazemos de longa data e passaram a ser discutidos num ambiente polarizado em muitos sentidos e numa dinâmica política completamente nova e ainda em construção”, afirmou.
Ele alertou que, por conta da politização das discussões, o desempenho das autoridades poderá ser cobrado nas urnas. “Do ponto de vista do risco político, os decisores estão diante da escolha de Sofia: medidas amargas terão de ser adotadas, invariavelmente, com efeitos colaterais a determinados setores sociais em diferentes medidas. E o grupo mais prejudicado pode responsabilizar o decisor, punindo-o na hora de votar.”
Ferramenta
Em postagem no Twitter, Gilmar Mendes escreveu: “Não adianta tentar colocar a culpa na Constituição Federal: as suas salvaguardas fiscais não são obstáculo, mas ferramenta de superação desta crise. O momento exige grandeza para se buscar soluções de uma Administração Pública integrada e livre do sectarismo. #PagaLogo”.