Politica

Planalto tenta diminuir Mandetta

Novo modelo de entrevistas do governo sobre a pandemia do coronavírus, com a participação de ministros coadjuvantes, tem como finalidade tirar as atenções sobre o titular da Saúde. Braga Netto apressou-se em responder, antes do próprio Mandetta, sobre demissão



Se quiser continuar à frente das ações de enfrentamento ao novo coronavírus, Luiz Henrique Mandetta terá que se submeter às novas regras do jogo. O protagonismo do ministro, que se notabilizou pelas orientações técnicas e científicas a respeito do avanço da pandemia no país, terá de ser compartilhado com outros integrantes da Esplanada. Nos últimos dias, os constantes alertas de Mandetta, favorável a medidas drásticas no combate à doença como o isolamento social, foram seguidamente ignorados por seu chefe, o presidente Jair Bolsonaro. Um dia após percorrer diversas cidades do Distrito Federal sem qualquer tipo de cuidado, Bolsonaro convocou outros interlocutores de seu governo para falar de coronavírus, reduzindo as atenções sobre o titular da Saúde. Até ontem Mandetta permanecia no cargo. Mas terá de dividir os holofotes com outros ministros.

A partir de agora, todos os boletins diários da Covid-19 no Brasil serão atualizados no Palácio do Planalto em conjunto com as outras pastas. Desde a primeira quinzena de fevereiro, com a preparação para a repatriação dos brasileiros que estavam isolados em Wuhan, na China, o Ministério da Saúde anunciava as novidades em entrevistas coletivas na própria sede, de forma independente aos demais ministérios. Esse procedimento acabou ontem. “A questão do coronavírus, devido à sua complexidade, é transversal. Esse será o novo formato da coletiva, sempre com a participação de mais de um ministério, para que se possa trazer esclarecimentos a toda a população brasileira do esforço conjunto que está sendo feito”, justificou o chefe da Casa Civil, general Braga Netto.

Além de Braga Netto e Mandetta, estavam na entrevista coletiva do Planalto os ministros Tarcísio Gomes (Infraestrutura); Onyx Lorenzoni (Cidadania); André Mendonça (Advocacia-Geral da União); e o chefe do Estado Maior Conjunto das Forças Armadas, tenente-brigadeiro do ar Raul Botelho. Apesar de o assunto central ser uma calamidade na saúde pública, Mandetta foi o último a falar. “Entendam isso como um mesmo momento do boletim, só que com um conceito ampliado de coordenação e controle”, explicou o ministro da Saúde. Ele próprio tentou justificar a mudança, dizendo que o novo formato servirá para ampliar e fazer pedidos aos outros ministérios.

Foco no trabalho
À equipe do ministério, no entanto, a rotina de trabalho está mantida: foco no trabalho técnico, científico e dentro do planejamento. Nos bastidores do ministério, os funcionários se apegaram ao lema para continuar os esforços, buscando não desviar energias com o embate político que o atual cenário trouxe e que foi motivo de descontentamento de muitos no último fim de semana.

No domingo, Jair Bolsonaro contrariou as restrições dos próprios técnicos e da Organização Mundial da Saúde (OMS), saindo às ruas do Distrito Federal. Visitou comerciantes, tirou fotos e cumprimentou aliados. Durante o passeio, defendeu novamente a abertura total dos comércios e normalização das atividades econômicas. “Estou colhendo o sentimento da população”, justificou. A atitude foi interpretada como uma resposta direta a Mandetta. No dia anterior, o ministro reiterou a necessidade de distanciamento social, foi contrário à reabertura dos comércios e atividades não essenciais e disse ser prematura a ideia de que o tratamento com hidroxicloroquina seja a cura para doença.

Ao se recolher e se submeter à nova organização, Mandetta mostra, mais uma vez, que não está disposto a entregar o cargo e dá uma resposta clara de que, para ele, importa no momento. “Todos nós estamos tentando fazer o melhor pelo povo brasileiro. Seria muito pequeno da minha parte eu pensar que este é meu grande problema (postura de Bolsonaro). O foco é este vírus que derrubou o sistema mundial. Ele é mais dramático que as guerras mundiais e qualquer coisa anterior”, argumentou.

Questionado se poderia acabar perdendo o cargo pela divergência de posicionamentos, Mandetta nem teve tempo de responder. Braga Netto se antecipou e agiu como porta-voz de Mandetta: “Não existe essa ideia de demissão. Isso está fora de cogitação no momento”. Na sequência, o ministro da Saúde acrescentou: “Em política quando a gente fala não existe, a pessoa fala existe”. Para Mandetta, as tensões são normais em uma crise sem precedentes. “É claro que existem situações em que você aponta um caminho e pode ter dificuldades. O importante é que o espírito de todos é de tentar ajudar. O que a gente tem procurado é uma unicidade e hoje esse formato responde”, completou.

A coletiva foi interrompida precocemente após um jornalista indagar a Mandetta se ele estava contrariado com o passeio do presidente Jair Bolsonaro pelas regiões da capital. Uma funcionária da Presidência anunciou ao microfone: “Em função do adiantado da hora, a presente coletiva está encerrada. Os ministros se retirarão do recinto”. Ficaram no local Mandetta e dois secretários do Ministério da Saúde, mas para apresentar os dados referentes à contaminação do coronavírus no país. Não houve permissão para novas perguntas de jornalistas.

Apoio dos estados
A mudança na comunicação do governo sobre a pandemia do novo coronavírus, com a chegada de coadjuvantes para diminuir o protagonismo de Mandetta, é mais um gesto que explicita a divergência entre o posicionamento médico e as opiniões políticas. O que já vinha sendo notado pela opinião pública, ficou evidente pela primeira vez durante as manifestações pró-bolsonarianas em 15 de março, quando o presidente da República contrariou as recomendações de se manter em isolamento domiciliar e foi às ruas cumprimentar os aliados.

Na ocasião, Bolsonaro sofreu duras críticas de um dos principais aliados e responsável pela indicação de Mandetta ao cargo ministerial. Desde então, o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM), tem se posicionado publicamente contra a postura do chefe do Executivo. “O Mandetta, assim como eu, também é médico e sabe que o coronavírus não se trata de uma ‘gripezinha’. Parabéns pela coragem em defender medidas científicas e isolamento”, postou Caiado nas redes sociais. Ontem, ele escreveu que não iria “entrar nesse jogo de politizar a pandemia” e que a meta “é chegar ao fim desse período com o menor número possível de perdas de vidas e com maior capacidade de recuperação econômica”.

Na mesma direção tem se pronunciado o prefeito de Salvador e líder nacional do Democratas, ACM Neto. “A postura do presidente é condenável. Lamento que tenha esse tipo de atitude porque quem está vendo o que está acontecendo no mundo sabe que hoje não temos dois caminhos”, disse ontem em coletiva. Ele acrescentou que, para guiar as decisões da cidade, não leva em consideração as ideias de Bolsonaro. “Tenho no ministro Mandetta a referência do posicionamento do governo federal sobre esse tema. Prefiro ficar com o equilíbrio e bom senso do que as atitudes pouco pedagógicas e incompatíveis com a seriedade do momento que o presidente vem tomando”, acrescentou o prefeito de Salvador.

O governador de São Paulo, João Doria (PSDB) também pediu aos cidadãos que ignorem os apelos de Bolsonaro. “Neste caso, não sigam as orientações do presidente da República. Ele não orienta corretamente a população e lamentavelmente não lidera o Brasil no combate ao coronavírus e na preservação da vida. Sob o comando de Mandetta, tenho a convicção de que [o ministério] continuará a produzir informações corretas e orientações adequadas, seguindo protocolo da OMS”, disse.

 
Não existe essa ideia de demissão (de Mandetta). Isso está fora de cogitação no momento.
Braga Netto, chefe da Casa Civil
 
 
“Seria muito pequeno da minha parte eu pensar que este é meu grande problema (postura de Bolsonaro). O foco é este vírus que derrubou o sistema mundial.

Luiz Henrique Mandetta, ministro da Saúde