O governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), disse em entrevista ao Correio que as falas e ações do presidente da República, Jair Bolsonaro, estimulando as pessoas a retornarem às atividades diárias normalmente “tomam energia” dos gestores estaduais.
Segundo o governador, quando o presidente vai na contramão das orientações do próprio Ministério da Saúde e da Organização Mundial da Saúde (OMS), que pregam o isolamento social como melhor forma de frear a propagação do novo coronavírus, os governadores “perdem tempo” explicando para a população a necessidade de medidas restritivas.
No caso do Pará, Barbalho restringiu o funcionamento de bares, academias, restaurantes, transporte interestadual, aglomerações e suspendeu aulas por tempo indeterminado. Na última sexta-feira (26/3), ele assinou um novo decreto reduzindo para 100 o número de pessoas reunidas em um espaço - anteriormente eram 500 pessoas. O documento também proibiu passeatas e carreatas, autorizando o uso de força policial para impedir manifestações do tipo.
No último domingo (30/3), houve uma tentativa de carreata em Belém que foi impedida por forças de segurança do Estado. O grupo se manifestava pelo fim das medidas restritivas impostas no Estado. Barbalho contou que onze pessoas foram levadas para a delegacia. “Isso faz com que policiais, que poderiam estar cuidando de outros assuntos, tenham que estar tratando de algo que está sendo estimulado pelo presidente da República, que como líder deve agir de maneira adequada correspondente ao cargo”, disse.
Barbalho afirma que se perceber um aumento de circulação de pessoas ou aglomerações, pode tomar ações ainda mais restritivas. Foram registrados no Pará, até o momento, 20 casos de coronavírus. Na região do Norte do país, houve uma morte no estado do Amazonas. Barbalho contou que o primeiro caso foi registrado no Pará depois de mais de 20 dias do primeiro registro no Brasil, e que ele tenta aproveitar o tempo para preparar a unidade federativa para um possível aumento de contaminações.
Assim, além das medidas restritivas, adquiriram 200 respiradores da China e 720 leitos para quatro hospitais de campanha que serão construídos. No âmbito econômico, também lançou um fundo de auxílio micro e pequenos empreendedores individuais e trabalhadores informais.
Confira a entrevista completa:
Como o senhor avalia essa posição do presidente, de retorno às atividades e fim do isolamento completo? Como isso impacta no estado do Pará?
Essa discussão entre o que é mais importante, se é a vida ou economia, é algo absolutamente equivocado. Devemos unir esforços para enfrentar os desafios no campo da saúde, como prioridade absoluta, sem que isso represente perder o foco também no outro ponto, que é fundamental, que é economia. A minha posição aqui é seguir a orientação da ciência. Mas a minha formação é democrática; respeito o contraditório. Agora, há uma diferença entre respeitar e concordar.
O melhor remédio para a economia nacional é que o período de permanência do contágio coletivo do coronavírus seja o mais curto possível. Temos que ter compreensão de que, para o momento, a saúde só tem um caminho: o isolamento, que é a ferramenta para diminuir a abrangência do contágio.
Se por um lado o próprio Ministério da Saúde prega o isolamento, o presidente prega o retorno das atividades. Como fica para o senhor lidar com esses sinais trocados?
Eu prefiro não perder tempo tentando entender essa dicotomia. Prefiro ter foco na área técnica.
Não digo entender. Digo que algumas pessoas estão usando as falas do presidente para cobrar dos governadores medidas menos restritivas. Como é lidar com isso?
Isso nos faz perder tempo; nos toma energia para mostrar para as pessoas a racionalidade das decisões que estão sendo tomadas. Isso atrapalha o gestor, porque o exemplo do líder confunde e acaba reverberando, mesmo que em uma faixa minoritária.
No meu caso, fechamos casas de shows, bares, restaurantes, permitindo o delivery, restringidos o transporte interestadual, mas não fechamos comércio de rua, para que as pessoas possam continuar com a capacidade de consumo, mas sem aglomeração. O que não pode são as pessoas acharem que está tudo resolvido, que é apenas um produto cibernético ou uma criação da imprensa.
Por que o senhor não fechou comércios de rua? Não configura aglomeração?
As pessoa compreenderam que foi um mecanismo para que utilizassem serviços sem que isso representasse aglomeração. Se deixar um shopping aberto, a possibilidade de uma aglomeração é maior. Já o comércio de rua é um instrumento de poder ter um termo razoável que possa permitir que as pessoas minimamente tenham acesso ao serviço, que os empresários possam ter condições de ofertar seus produtos, sem que isso seja uma estratégia de estímulo para que as pessoas possam aglomerar.
Não tem nenhum comércio de rua no estado que tenha uma grande aglomeração e que seja um ponto de preocupação?
Veja, aqui nós temos a área de comércio em Belém. Mas segunda-feira (30) será a primeira experiência após o estímulo do presidente. Até o momento, nós tivemos 100% de compreensão da sociedade no sentido de evitar aglomeração, mesmo com comércio aberto. Se o comércio virar um formigueiro em face a essa movimentação, inevitavelmente vamos tomar providências.
A polêmica toda (do pronunciamento de Bolsonaro, na última terça-feira) não surtiu efeitos. Quando teve carretada, esse assunto foi crescendo. Então, vamos acompanhar dia a dia. Até agora, as pessoas estão tendo noção e não estão se deixando estimular, salvo uma minoria.
Esses pontos de comércios não estão ficando com aglomeração?
Não. Mas eu percebi alguns ônibus (no final de semana) com mais gente, mais carros nas ruas. As pessoas talvez possam achar que dá para flexibilizar (o isolamento). E aí isso vai ser um exercício de convencimento, diálogo. E vamos acompanhar a temperatura do assunto. Se for necessário aplicar medidas drásticas, não nos furtaremos.
A União tem anunciado uma série de medidas, como envio de recursos e insumos. Chegou alguma coisa para o senhor?
Até agora, nós recebemos R$ 2 per capita, que deu R$ 17 milhões. Nós demos tudo para os municípios.
Não chegou insumo, leito?
Até agora não. Zero.
O senhor acha que está havendo uma demora do governo federal entre anunciar e chegar aos estados?
Sim, claro. Poderiam melhorar a logística (de distribuição de insumos e equipamentos) e tentar agilizar e desburocratizar para que esses recursos possam ser injetados na economia.
O senhor acha que dá para alinhar Saúde com Economia?
Saiba Mais
É preciso de um olhar prioritário para micro e pequenas empresas, mas estimulando que as pessoas fiquem em casa. Vai ter excepcionalidade, mas não pode é colocar como regra (o retorno das atividades). O que assusta é o governo por um lado lançar pacote econômico e por outro estimular o povo a ir para a rua. Porque fica uma lógica assim: estão preocupados com a economia, mas não estão preocupados com a vida?
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