Em sete dias, o Brasil viu os casos de infecção pelo novo coronavírus darem um salto de 143%. Há uma semana, as ocorrências de Covid-19 eram 1.604, e ontem, chegaram a 3.904. Acompanhando o crescimento, o número de mortes também é alarmante. Os 25 óbitos do domingo passado já subiram para 114 (aumento de 356%). Esse dados seriam suficientes para acender uma sirene de alerta no Palácio do Planalto, mas o presidente Jair Bolsonaro parece não se abalar com os acontecimentos. O risco maior no momento, para ele, é a onda de desemprego e de desaceleração da economia nacional. Por mais que as mortes venham, ele diz que “o brasileiro tem que ir pra rua trabalhar”, em uma atitude que vai na contramão do que têm feito outros mandatários ao redor do mundo.
A pandemia atinge países de todos os continentes, o que mostra que o vírus não escolhe condições climáticas para se proliferar. Diante disso, lideranças políticas têm pedido às populações que adotem medidas de prevenção, sobretudo para evitar aglomerações. O isolamento social é a principal delas, com ordens de quarentena e até toque de recolher. Como consequência, estima-se que quase metade da população mundial esteja confinada contra o novo coronavírus: mais de três bilhões de pessoas estão impedidas de deixar as suas casas.
“A responsabilidade é de todos, especialmente das lideranças políticas. O governo inteiro deve estar envolvido. O vírus não vai ser parado apenas pelo setor de saúde. Todos os lados devem estar envolvidos”, alertou o diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Ghebreyesus. Essa coesão ainda está longe do ocorrer no Brasil.
Por mais que Bolsonaro tente diminuir a importância do isolamento em massa, o mundo inteiro segue as medidas restritivas. Na Europa, há uma intensa mobilização para o isolamento. O continente está com mais de 300 mil casos confirmados e 18 mil mortes. O bloco europeu fechou as fronteiras e países como Itália, Espanha, Reino Unido, Áustria, Portugal, Holanda, Suíça, Turquia, Alemanha, Noruega, Bélgica, Polônia, Grécia e França adotaram medidas para restringir a circulação de pessoas a nível nacional, como o fechamento de comércios e de escolas.
O presidente da França, Emmanuel Macron, tem dito que “estamos em guerra, em uma guerra sanitária”. “É claro que não lutamos contra um exército nem contra outra nação, mas o inimigo está aí, invisível e traiçoeiro, e avançando. Isso requer nossa mobilização geral”, alertou o francês. Já a chanceler alemã, Angela Merkel, destacou que o combate ao vírus é tão importante que o classificou como o maior desafio da Alemanha desde a Segunda Guerra Mundial. E enquanto Bolsonaro diz que a Covid-19 é um “resfriadinho” que vai matar apenas os idosos, e que são “insignificantes” eventuais óbitos de quem tem até 40 anos, Merkel bate na tecla de que “ninguém é dispensável”.
“Todo mundo conta, e isso conduzirá todos os nossos esforços. Isto é o que uma epidemia nos mostra: quão vulneráveis nós todos somos, quão dependentes nós somos do comportamento dos mais vulneráveis, mas também como nós podemos proteger e fortalecer uns aos outros, agindo juntos. Isto depende de todos. Nós não estamos condenados a aceitar passivamente a disseminação do vírus. Nós temos um remédio: por consideração, devemos manter distância uns dos outros”, declarou a chanceler, em pronunciamento oficial.
Conservadores
Até mesmo os mandatários mais conservadores do mundo integraram o “movimento” que destaca a importância do isolamento social como ferramenta de combate ao novo coronavírus. Na semana passada, o ultradireitista Narendra Modi, primeiro-ministro da Índia, por exemplo, decretou quarentena por 21 dias, que vai valer para uma população de 1,3 bilhão de pessoas. A decisão foi feita mesmo com o país não tendo registrado números muito elevados de contaminação e de óbitos: até ontem, eram 933 pessoas infectadas e 20 mortes. “A única maneira de nos salvarmos do coronavírus é não sairmos de casa. Aconteça o que acontecer, fiquem em casa. Todo distrito, toda rua, toda aldeia ficará em quarentena”, garantiu o premiê, ao anunciar o isolamento.
Apesar de não estabelecer nenhuma medida de restrição social em nível nacional, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, enviou cartas a toda a população norte-americana com as “Diretrizes de Coronavírus do Presidente Trump para a América”, na última semana. Atualmente, os EUA são o epicentro mundial da Covid-19: já são mais de 115 mil casos e mais de 1,9 mil mortes. No documento, Trump lista 10 recomendações a serem seguidas em decorrência da pandemia e faz um apelo: “Mesmo se você for jovem, ou saudável, você está em risco e suas atitudes podem aumentar o risco para outras pessoas. É importante que você faça sua parte para reduzir o espalhamento do coronavírus”. A mensagem é o oposto do que prega Bolsonaro, que acredita no seu “histórico de atleta” como escudo ao vírus.
Entre as diretrizes, há uma que pede que os norte-americanos escutem e sigam as determinações dos estados e autoridades locais. Outra recomendação sugere que a população trabalhe e estude de casa sempre que possível. Devem ser evitadas reuniões sociais e em grupos com mais de 10 pessoas, bem como viagens desnecessárias, para compras ou turismo. Trump também recomenda isolamento total da família caso haja a confirmação de um caso de Covid-19.
Alerta
A depender das decisões do chefe do Palácio do Planalto, o Brasil pode presenciar o mesmo que ocorreu em Milão, onde, há um mês, o prefeito local, Giuseppe Sala, propagou a campanha “Milão não para”. À época, a região da Lombardia, onde fica Milão, tinha 250 pessoas com Covid-19 e 12 mortes. Agora, a região é a mais atingida na Itália pela Covid-19: são pelo menos 39.415 infectados e 5.944 óbitos. Só em Milão, 7.783 já foram contaminados e 314 morreram. Na semana passada, Sala reconheceu o erro.
Especialistas alertam para os riscos do descaso presidencial com o agravamento da Covid-19. O cientista político Ian Bremmer, presidente e fundador da Eurasia Group, consultoria especializada na análise de riscos políticos globais, classificou Bolsonaro como “o líder mundial mais ineficiente na resposta ao coronavírus”. “Ele está detonando os governadores que estão tomando medidas de bloqueio. Danificará seriamente seu mandato”, analisou, em uma rede social.
Já a economista Monica de Bolle alertou que a “irresponsabilidade” do presidente “levará a milhares de mortes evitáveis”. Para ela, é “falaciosa” a ideia de que é melhor deixar a economia respirar sem a adoção de medidas sanitárias. Se isso acontecer, pontuou ela, “as pessoas vão morrer muito mais do que em qualquer situação em que se tenha os controles adequados que os infectologistas estão recomendando mundo afora”.
“A única opção que existe é deixar as medidas sanitárias no lugar. Nesse quadro em que não há medida sanitária sendo erguida, você tem o total colapso do sistema de saúde do país e, evidentemente, colapso social, colapso político e colapso econômico. Se o Brasil resistir (contra o isolamento social), o que vai acontecer é um cenário de catástrofe ou algo muito parecido. Ou seja, a gente teria que reconstruir o país inteiro depois disso”, afirmou de Bolle.