Politica

Governo terá que emitir títulos, aumentar dívida e gastar, dizem analistas

Especialistas em contas públicas dizem que governo terá que aumentar a dívida para auxiliar unidades da Federação contra Covid-19

Correio Braziliense
postado em 27/03/2020 06:00
Subsecretária do Tesouro de Goiás, Selene cobra celeridade do governo federal no repasse da verba prometida para o combate à pandemiaEmitir títulos, aumentar a dívida, gastar. Só depois do fim das crises econômica e sanitária causadas pela pandemia do coronavírus, o governo federal deve se preocupar com o endividamento público. A ideia é compartilhada por especialistas em contas governamentais, consultados pelo Correio, para que as 27 unidades da Federação tenham lastro para enfrentar os efeitos do avanço da Covid-19, conforme pedido feito na carta enviada ao presidente Jair Bolsonaro, na última quarta-feira. E, no entender deles, tal ação deve ser tomada já pelo Ministério da Economia.

“No momento, não há condições de preocupar com contas públicas. A prioridade deve ser salvar vidas”, disse a economista e subsecretária do Tesouro Estadual de Goiás, Selene Peres, uma das autoras da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

Para Selene, é preciso aplicar as medidas já anunciadas e elaborar outros pacotes de ação, de forma ágil. “Precisamos desse recurso hoje, não amanhã. Isso vai fazer diferença no número de mortes no Brasil”, cobrou, salientando que, apesar das medidas anunciadas pelo governo federal, como o pacote de R$ 88,2 bilhões de ajuda aos estados, o dinheiro ainda não chegou. 

A subsecretária afirma que as medidas adotadas pelo governo inicialmente foram boas, mas “claramente insuficientes”. “É preciso que o Ministério da Economia tenha a diretriz de gastar dinheiro. Eu sempre defendi o ajuste fiscal, mas essa é uma questão excepcional e que precisa ser tratada assim e com rapidez, que é o que não está acontecendo”, lamentou.

Selene afirma que, com o decreto de calamidade, a União poderia ter determinado a transferência de recursos para que os estados implementem logo as medidas necessárias. “É uma situação de guerra”, lembrou. Ela afirmou que parte do salvamento inclui dar socorro às empresas, algo que deve ser operacionalizado com rapidez, para manter o nível de empregos. 

A subsecretária considera que o governo anuncia medidas, mas demora a colocá-las em prática. “Vejos pessoas preocupadas com burocracia, normas legais. Se ficar nessa burocracia, nós vamos ser dizimados antes do recurso chegar”, disse.

Sem entraves


Economista, fundador e secretário-geral da Associação Contas Abertas, entidade voltada à transparência de gastos públicos, Gil Castello Branco frisa que não existe nenhum entrave para que a União aplique recursos no combate ao novo coronavírus, auxiliando governadores e prefeitos. Ele afirma que depois da decretação da calamidade, aprovada no último dia 20, a União não precisa se preocupar com meta fiscal, que já era de um déficit de R$ 124,1 bilhões. 

Outro ponto que poderia ser alvo de preocupação é o Teto de Gastos, mas Gil pontua que os pedidos de créditos extraordinários não são considerados no teto. Já em relação à Regra de Ouro, que impede o governo de se endividar para pagar custeio, o economista expõe que basta uma autorização do Congresso. 

Para ele, no momento, o prioritário é salvar vidas, proteger os desassistidos e, paralelamente, cuidar das empresas e dos outros entes da federação. “A opção é gastar ou gastar. O governo, inclusive, está liberado para gastar o que for necessário”, disse.

Segundo Gil, a União terá que emitir títulos, colocar no mercado e aumentar o endividamento. “Porque não tem recursos. E os estados e municípios vivem situação mais dramática, porque eles não podem emitir títulos”, disse.

Para socorrer governos e prefeituras, que estão na linha de frente do combate ao novo coronavírus, a presidente da Associação da Auditoria de Controle Externo do Tribunal de Contas da União (AUD-TCU), Lucieni Pereira, explica que não há outra solução: a União deverá se endividar.

“Não tem como pensar em austeridade fiscal nesse momento. Vai ter que emitir dinheiro. A gente vai sair endividado, não tem jeito. Mas só a União pode emitir título. O que não dá é deixar a população morrer”, disse. 

Calamidade

Foi apresentado, na última segunda-feira (23/3), um projeto de decreto legislativo (PDL) que propõe estender o decreto de calamidade pública da União para os estados e municípios. A intenção é deixar prefeitos e governadores resguardados quanto a gastos relacionados ao combate ao coronavírus, sem medo de descumprirem a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

“É preciso dar uma cobertura jurídica similar (à dada para a União) aos governos estaduais e municipais”, disse o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), que apresentou o PDL. Todos os recursos deverão ser aplicados no enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente do coronavírus.

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