Em rede nacional, ontem, o presidente Jair Bolsonaro fez um pronunciamento que vai contra as medidas determinadas pelo Ministério da Saúde, semelhantes, inclusive, às adotadas em diversos países, no combate à Covid-19. Ele defendeu a reabertura de escolas e o fim do confinamento, criticou governadores e ainda acusou a mídia de causar “histeria” com a doença.
“O vírus chegou. Está sendo enfrentado por nós, e brevemente passará. Nossa vida tem de continuar. Empregos devem ser mantidos, o sustento da família deve ser preservado. Devemos, sim, voltar à normalidade”, afirmou. “Algumas poucas autoridades estaduais e municipais devem abandonar o conceito de terra arrasada, a proibição de transportes, o fechamento de comércio e o confinamento em massa. O que se passa no mundo tem mostrado que um grupo de risco é o das pessoas acima dos 60 anos. Então, por que fechar escolas?”
O chefe do Executivo disse que são “raros” os casos fatais de pessoas saudáveis com menos de 40 anos. “Noventa por cento de nós não teremos qualquer manifestação caso se contamine. Devemos, sim, é ter extrema preocupação em não transmitir o vírus para os outros. Em especial, aos nossos queridos pais e avós, respeitando as orientações do Ministério da Saúde”, disse.
Bolsonaro voltou a minimizar o coronavírus ao falar de si mesmo. “Pelo meu histórico de atleta, caso fosse contaminado pelo vírus, não precisaria me preocupar. Nada sentiria ou teria. Quando muito, seria acometido por uma gripezinha ou um resfriadinho, como bem disse aquele conhecido médico, daquela conhecida televisão”, emendou, numa referência a Drauzio Varella.
O comandante do Planalto atacou novamente a mídia por, segundo ele, causar histeria ao noticiar a situação da epidemia na Itália. “Grande parte dos meios de comunicação foram na contramão e espalharam exatamente a sensação de pavor, tendo como carro-chefe o anúncio do grande número de vítimas na Itália, um país com grande número de idosos e com o clima totalmente diferente do nosso. O cenário perfeito potencializado pela mídia para que uma verdadeira histeria se espalhasse no país”, acusou. “Contudo, percebe-se que, de ontem para hoje, parte da imprensa mudou seu editorial, pede calma e tranquilidade. Isso é muito bom. Parabéns, imprensa brasileira. É essencial que o equilíbrio e a verdade prevaleçam entre nós”, disparou.
Repercussão
Pouco depois do discurso de Bolsonaro, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), divulgou nota criticando o posicionamento do chefe da nação. “Neste momento grave, o país precisa de uma liderança séria, responsável e comprometida com a vida e a saúde da sua população. Consideramos grave a posição externada pelo presidente da República hoje (ontem), em cadeia nacional, de ataque às medidas de contenção ao Covid-19. Posição que está na contramão das ações adotadas em outros países e sugeridas pela própria Organização Mundial da Saúde (OMS)”, diz o comunicado. “Reafirmamos e insistimos: não é momento de ataque à imprensa e a outros gestores públicos. É momento de união, de serenidade e equilíbrio, de ouvir os técnicos e profissionais da área para que sejam adotadas as precauções e cautelas necessárias para o controle da situação, antes que seja tarde demais.”
Alcolumbre destacou que “a nação espera do líder do Executivo, mais do que nunca, transparência, seriedade e responsabilidade”. “O Congresso continuará atuante e atento para colaborar no que for necessário para a superação desta crise”, emendou o presidente do Senado, que cumpre quarentena após ter testado positivo para a doença.
Em redes sociais, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), escreveu: “Desde o início desta crise venho pedindo sensatez, equilíbrio e união. O pronunciamento do presidente foi equivocado ao atacar a imprensa, os governadores e especialistas em saúde pública. Cabe aos brasileiros seguirem as normas determinadas pela OMS e pelo Ministério da Saúde em respeito aos idosos e a todos que estão em grupo de risco”.
O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, usou o Twitter para condenar o discurso. “Entre a ignorância e a ciência, não hesite. Não quebre a quarentena por conta deste que será reconhecido como um dos pronunciamentos políticos mais desonestos da história.”
Também num tuíte, Gilmar Mendes, ministro do Supremo Tribunal Federal, afirmou: “A pandemia do #covid19 exige solidariedade e co-responsabilidade. A experiência internacional e as orientações da OMS na luta contra o vírus devem ser rigorosamente seguidas por nós. As agruras da crise, por mais árduas que sejam, não sustentam o luxo da insensatez. #FiqueEmCasa”.
Panelaços
Durante o pronunciamento de Bolsonaro, panelaços foram registrados em diversas cidades do país. O protesto durou todo o discurso dele e, em alguns lugares, continuou mesmo depois de a fala ter acabado. Além disso, foi acompanhado de vaias e de palavras de ordem como “fora, Bolsonaro” e “fora, babaca”. Em Brasília, foram registradas manifestações em diversas localidades, como Águas Claras, Asa Norte e Sudoeste.
Outras cidades do Brasil também fizeram protestos, como Goiânia, São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Vitória, Porto Alegre, Florianópolis, Curitiba, Salvador, Aracaju, Maceió, Fortaleza, Belém. Foi o oitavo dia seguinte de panelaços contra o chefe do Executivo.
Presidente liga para Xi Jinping
O presidente Jair Bolsonaro ligou, ontem, para o presidente da China, Xi Jinping. O contato ocorreu após o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) ter dito que a culpa pela pandemia do novo coronavírus é do Partido Comunista chinês. O parlamentar não se desculpou, e o pai teve de tomar a frente para contornar o mal-estar.
Bolsonaro postou, no Twitter, uma foto do momento em que falava com o líder da nação asiática. “Nesta manhã, em ligação telefônica com o Presidente da China, Xi Jinping, reafirmamos nossos laços de amizade, troca de informações e ações sobre o covid-19 e ampliação de nossos laços comerciais”, escreveu. O presidente não deixou claro se pediu desculpas a Xi Jinping. Ele disse que durante a ligação houve trocas de informações sobre o novo coronavírus.