Sugerido pelo ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, o adiamento das eleições municipais por causa da pandemia da covid-19 enfrenta resistência na classe polÃtica e na cúpula do Judiciário. A avaliação mais recorrente é a de que a discussão está "fora de hora" e que os Poderes devem focar o enfrentamento ao novo coronavÃrus e à s consequências das crises sanitária e econômica no PaÃs.
A proposta de Mandetta foi apresentada ontem durante reunião com prefeitos de capitais, realizada por videoconferência. A preocupação do ministro é a de que interesses eleitorais influenciem medidas para contenção do novo coronavÃrus.
"Está na hora de o Congresso falar: 'adia', faz um mandato tampão desses vereadores e prefeitos. Eleição no meio do ano... uma tragédia, porque vai todo mundo querer fazer ação polÃtica", afirmou.
A ideia de postergar o pleito de outubro, quando a população escolherá prefeitos e vereadores, já circulava nos bastidores do Congresso. Propostas de emenda à Constituição (PECs) para alteração da data estão sendo elaboradas por parlamentares.
Apesar do apelo de Mandetta, o vice-presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro LuÃs Roberto Barroso, não cogita, por ora, adiar as eleições municipais. Barroso assumirá o comando do TSE em maio, no lugar de Rosa Weber, e será o chefe do tribunal durante o pleito agendado para outubro.
Em nota, contudo, Barroso ressaltou que é papel do Congresso decidir a respeito. "Se o adiamento vier a ocorrer, penso que ele deva ser apenas pelo prazo necessário e inevitável para que as eleições sejam realizadas com segurança para a população. A realização de eleições periódicas é um rito vital para a democracia", afirmou.
Correligionário de Mandetta, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse ao jornal O Estado de S. Paulo que haverá condições para realização das disputas em todo o PaÃs, se as projeções do ministro da Saúde estiverem corretas. Na sexta-feira passada Mandetta previu um aumento das infecções em abril, maio e junho, seguido de estabilização em julho e agosto, e decréscimo da curva de contaminação em setembro.
"Hora de focar no enfrentamento da crise. Vamos cuidar do combate ao vÃrus", disse Maia ao Estado. "Se a projeção na curva de contaminação do ministro Mandetta estiver certa, não haverá necessidade de adiar a eleição".
Para outros lÃderes, porém, as projeções de Mandetta indicam exatamente o contrário. "Se as previsões dele (Mandetta) forem corretas, realmente fica inviável ter eleições este ano. Tem de ser debatido", afirmou o senador Ciro Nogueira (PP-PI).
Embora o calendário autorize as propagandas eleitorais somente a partir de 16 de agosto, as pré-campanhas começam antes, com intensas agendas de negociações.
A posição de Maia coincide com a da maior parte dos dez presidentes de partido e lÃderes de bancadas ouvidos pelo Estado. Embora admitam que talvez seja inevitável cancelar as eleições de outubro, sugerem que o assunto seja tratado apenas em maio ou junho, quando o governo prevê o pico da covid-19 no Brasil.
"Não há clima para tratar disso agora. Essa decisão terá que ser tomada mais pra frente. Penso que, em junho, diante dos prognósticos, o assunto terá que ser decidido", disse o prefeito de Salvador, ACM Neto, que não pode disputar a reeleição e preside o DEM nacionalmente.
Convenções
Mesmo PT e PSDB, que haviam anunciado o adiamento de convenções partidárias, dizem que o debate não é urgente e precisa envolver todos os Poderes. "Parece que o ministro tem mais medo de eleição do que de vÃrus. O PaÃs vai discutir isso na hora certa", afirmou a deputada Gleisi Hoffmann, presidente do PT.
"Há discussões sobre alternativas, como ajustar o calendário eleitoral neste ano, mas ainda não é hora disso. Congresso, TSE e STF terão serenidade de tratar isso no momento adequado", disse Bruno Araújo, presidente do PSDB.
Entre os partidos de esquerda, há adesão à tese de Mandetta, mas com crÃticas à intenção de tratar do assunto agora. "Isso vai se impor, as eleições vão acabar sendo adiadas. Mas estamos mais preocupados neste momento em salvar as pessoas", afirmou Fernanda Melchionna (RS), lÃder do PSOL na Câmara.
O presidente do PSB, Carlos Siqueira, defende que a questão seja, sim, debatida. "Ainda não sabemos se será necessário, mas é bom admitirmos a discussão porque isto pode ser uma imposição da realidade", disse ao Estado.
Para o presidente do PDT, Carlos Lupi, "se (a pandemia) continuar se agravando como está, é provável (adiar as eleições)". "Mas somos contra prorrogação de mandato", ponderou.
Fundo da Lava Jato
O ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes determinou que R$ 1,6 bilhão fruto de acordo entre a Operação Lava Jato e a Petrobras sejam destinados ao combate ao novo coronavÃrus. A verba, inicialmente, seria destinada à Educação, em razão de decisão do próprio ministro. No entanto, o procurador-geral da República Augusto Aras pediu a realocação dos recursos. O advogado-geral da União, André Mendonça, se posicionou favoravelmente à destinação.
Para Moraes, "a realocação solicitada não acarretará nenhuma descontinuidade de ações ou programas de governo, ao mesmo tempo em que virá ao encontro de uma necessidade premente que ameaça a vida e a integridade fÃsica dos brasileiros". "A pandemia de Covid-19 (coronavÃrus) é uma ameaça real e iminente." As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.