O Ministério da Saúde (MS) contratou com dispensa de licitação para fornecimento de soro fetal bovino, produto usado para a fabricação de vacina, uma empresa cujo dono foi condenado em primeira instância por envolvimento em um esquema de desvio de recursos na Universidade Federal do Paraná (UFPR). O valor do contrato é de R$ 3,2 milhões. A dispensa de processo licitatório foi embasada na lei nº 13.979, de fevereiro deste ano, que dispõe sobre medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente do novo coronavírus. A lei autoriza a compra sem licitação de bens e serviços destinados ao enfrentamento da doença.
A empresa contratada é a Reagen Produtos para Laboratórios, do Paraná. O dono, Jorge Luiz Bina Ferreira, foi condenado no ano passado a quatro anos e seis meses de prisão por lavagem de dinheiro pela Justiça Federal do Paraná. O processo é resultado da Operação Research, do Ministério Público Federal (MPF), que em 2017 apontou que entre março de 2013 e outubro de 2016, um esquema na UFPR desviou recursos públicos que chegou a R$ 7,3 milhões. No processo foi comprovada uma movimentação de R$ 27.630,00 desviados da UFPR na conta de Bina.
Os desvios eram feitos por meio de pagamentos de auxílio à pesquisa e bolsas de estudos a outras 27 pessoas. Basicamente, os falsos bolsistas pegavam os valores, ficavam com parte e o restante repassavam para os mentores do esquema. O processo pontua que a associação criminosa era protagonizada por sete pessoas - duas delas são a companheira de Bina e sua sogra.
O processo está em fase de recurso, no Tribunal de Justiça Federal da 4ª região (TRF 4). Jorge Bina garante ser inocente e pontua que a esposa afirmou em juízo que o homem não possuía envolvimento no esquema. A empresa dele também é alvo de uma investigação de 2009 da Polícia Federal (PF) por um processo licitatório também relativo à UFPR. Neste caso, a assinatura que autorizou a dispensa de licitação foi fraudada por uma mulher que é apontada também como uma das mentoras do esquema envolvendo bolsas. Bina afirma que não foi cometido nenhum tipo de ilicitude por parte dele ou da empresa em nenhum dos dois casos.
De acordo com ele, a sua companheira, com quem é casado desde 2010, de fato esteve envolvida no esquema relativo às bolsas. Jorge alega que possuíam uma conta conjunta e que ela fez uma movimentação. O empresário afirma que antes do início do esquema, em 2011, tentou cancelar a conta depois de um desentendimento com a mulher, mas diz ter sido informado pelo gerente do banco que se ele não mexesse na conta, ela deixaria de existir em seis meses, razão pela qual ele não se preocupou mais com o assunto. Entretanto, a conta continua aberta.
“Você acha que se eu tivesse participado desse negócio eu ia pegar R$ 28 mil? Eu teria sido muito burro mesmo, né? Se eu tivesse a oportunidade ‘num’ processo de R$ 7 milhões e qualquer coisa, eu ia pegar 28 mil? Então, com certeza eu não tinha conhecimento que o dinheiro passou pela minha conta e, infelizmente, estou pagando por isso”, disse. O empresário afirma que sua companheira se declarou culpada no processo e tanto ela quanto outra mulher, que também esteve envolvida no caso de 2009, afirmaram que Jorge não tinha conhecimento de nada.
Questionado se nunca havia desconfiado da esposa, que na época, segundo processo, não possuía renda, o empresário afirma que nunca a viu com dinheiro algum. “Nunca vi ela movimentando dinheiro, comprando, nada. Você acha que se eu tivesse visto qualquer movimentação estaria pagando tratamento e escola para o filho dela? Não estaria”, afirmou.
Bina chegou a ficar preso alguns meses. Hoje, segundo ele, a empresa funciona normalmente e está de portas abertas caso alguma autoridade queira buscar documentos. A Reagen também continua participando de processos licitatórios e prestando serviços aos governos federal e estadual, conforme o empresário. “Existe uma outra investigação onde a Reagen está sendo investigada. Não tem nada a ver com o Jorge sendo dono da empresa. O Jorge tem uma condenação e está recorrendo em segunda instância, e a Reagen continua sendo investigada”, disse.
Para Jorge Bina, o governo não deve, de fato, contratar empresas cujos donos estejam envolvidos em algum esquema de corrupção, mas garante que este não é o caso dele. “Por eu me achar injustiçado, eu não aceito a minha condenação. Se houvesse uma condenação com provas apresentadas que comprovasse que a pessoa se apoderou de forma ilícita de dinheiro público, acho deveria ter uma forma de o governo impedir esse tipo de negociação. Mas não me inclua nisso. Eu nunca fiz nada a de errado, eu nunca me apoderei de dinheiro público”, afirmou.
Professor de direito da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP), André Rosilho explica que apesar de a dispensa de licitação não envolver um procedimento competitivo tradicional, não significa que o Estado tem autorização para contratar quem ele quiser. “A dispensa exige que o Estado se cerque dos cuidados necessários para não contratar alguém que não consiga entregar o objeto de licitação ou contratar alguém sobre quem recaiam suspeitas de ilícito”, disse.
O advogado pontua que não há uma vedação legal expressa para a contratação da empresa neste caso, mas que o governo deve buscar sempre contratar companhias que não estejam tendo a sua idoneidade questionada.
Em nota, o Ministério da Saúde afirma que “o processo de licitação seguiu todos os preceitos legais para inscrição de empresas e apresentação de propostas”. “A empresa vencedora foi aquela que apresentou a melhor proposta técnica com o menor valor. A documentação apresentada comprovou capacidade em fornecer os produtos e nenhum impedimento legal para contratar com a Administração Pública. Cabe esclarecer que a contratação se deu em virtude da necessidade de prover insumos para o país diante da emergência ocasionada pela pandemia do coronavírus, sendo que as entregas já começaram a ser feitas”, disse.