Seis anos depois, com 70 fases deflagradas, 293 prisões decretadas e R$ 18,3 bilhões recuperados, a operação Lava-Jato se tornou um marco na história brasileira. Os números relacionados a operação, que começou em março de 2014, em decorrência da investigação de quatro organizações criminosas lideradas por doleiros, impressionam no país e no exterior. Mas, em 2020, a preocupação em relação ao legado da Lava-Jato reside em possíveis limites à atuação de juízes, como a que tipifica o abuso de autoridade.
O procurador da República Alan Mansur, ex-diretor da Associação Nacional de Procuradores da República (ANPR) e ex-coordenador da Lava-Jato no MPF do Paraná, acredita que a legislação de combate à corrupção ainda precisa ser aprimorada, mas comemora os legados da Lava-Jato. “Isso tudo mostrou a magnitude da corrupção no nosso país. Ocorreram muitas condenações, que foram mantidas pelos tribunais superiores. Ainda que o sistema judicial seja burocrático e ainda que a legislação seja atrasada em muitos pontos, tudo isso pode ser feito”, afirma.
“Eu acredito que a sociedade sempre está mudando. Tem mudanças que são positivas, e mostram que o país tem que entender o que houve de bom. Havia um sentimento de impunidade generalizada, de que quem tinha poder político e econômico, iriam à cadeia. Então quebramos esse paradigma”, completa o procurador.
Para Alan, no entanto, a aprovação de algumas leis, como a que pune o abuso de autoridade, prejudica que o trabalho continue a ser realizado com a mesma força. Ele reconhece que alguns fatos que ocorreram nos últimos seis anos podem ser repensados. “As críticas podem ser discutidas no Congresso. Mas algumas atrapalham a investigação. Como a lei de abuso de autoridade, como esse item que dispõe sobre o juiz bloquear apenas determinado valor. Colocar na cabeça do juiz que ele pode ser punido por um ato processual pode acabar travando as investigações. A lei de abuso de autoridade pode acabar passando essa mensagem”, completa.
Nova mentalidade
Mais do que uma investigação criminal, a Lava-Jato invadiu a política e provocou mudanças profundas nos Três Poderes. O Judiciário precisou se adaptar para julgar casos complexos e com forte impacto nos fatos sociais. As revelações no curso das diligências abalaram a estrutura do Executivo e Legislativo, congressistas foram alvos de acusações, prisões e lideraram a reação aos fatos que vieram a tona.
Em meio a controvérsias, turbulências e a discursos exaltados, a Lava-Jato avançou nos últimos anos e atingiu nomes poderosos, do mercado privado ao público. As maiores empreiteiras do país viram seus diretores e presidentes sucumbirem em decorrência dos atos de corrupção que cometeram. Nomes como Marcelo Odebrecht, da Construtora Odebrecht, Léo Pinheiro, ex-executivo da OAS, e Otávio Marques de Azevedo, então presidente da Andrade Gutierrez, foram investigados, processados, denunciados, condenados e presos no âmbito da operação. As denúncias abalaram o setor e anos depois, as empresas tentam se recuperar, pagaram bilhões em indenização e adotaram sistemas de compliance para evitar que o passado se repita.
No meio político, vieram as maiores turbulências da operação. Partidos como o PP, PT, PSDB e PSD tiveram nomes importantes implicados nos esquemas de corrupção revelados pelas investigações. De acordo com as diligências, o alvo principal dos saques ilegais, usados para sustentar um gigantesco esquema de lavagem de dinheiro e pagamento de propina eram os cofres da Petrobras, uma das maiores produtoras de petróleo do planeta. No rol político, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva se tornou o principal nome implicado na operação.
Foi do processo do petista que também vieram as maiores controvérsias. Sérgio Moro, então juiz desconhecido da Justiça Federal do Paraná se tornou uma celebridade, e ascendeu ao cargo de ministro da Justiça do presidente Jair Bolsonaro. As mudanças bruscas na carreira do ex-juiz levantaram críticas de parcialidade e de perseguição política por parte de Lula e de seus apoiadores. A operação dividiu o país e quebrou o paradigma de que poderosos não respondem pelos seus crimes.
R$ 18 bilhões
Montante recuperado pela operação de desvios nos cofres públicos nacionais