Apesar de recursos altamente tecnológicos, como o uso de inteligência artificial para reconhecimento facial e a ampliação de um banco genético de criminosos serem apostas do governo federal para tentar dar números civilizados à violência, há um outro lado que distancia todas essas iniciativas de qualquer possibilidade de serem transformadoras e tranquilizadoras da sociedade. A polícia judiciária apresenta pífios índices de resolução de casos envolvendo mortes violentas.
A taxa de resolução de homicídios não passa de 8% a nível nacional, segundo dados levantados pelo Conselho Nacional do Ministério Público, e que constam em um relatório detalhado, de 2014, do Ministério da Justiça. Em 2018, de acordo com dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, a taxa de mortes violentas caiu 10% no país. Mas, mesmo assim, foram registrados 57 mil homicídios dolosos, ou seja, com intenção de matar. Um estudo publicado em 2014, que traz um panorama desde o final da década de 1970, revelou uma realidade macabra: ao longo das últimas décadas, os assassinos ficaram mais violentos, o que faz com que a taxa de mortes aumente, pois existem menos chances de sobrevida entre as vítimas.
Os levantamentos se baseiam no local onde ocorrem as mortes. Uma vítima que recebe danos menos violentos pode resistir até a chegada a um hospital ou mesmo sobreviver. Quem é atingido com maior gravidade morre no local do crime. O tempo não mudou a forma de matar, pois os disparos por arma de fogo ainda representam a maior causa de morte violenta, mas a dinâmica de como isso é feito se alterou.
De acordo com o estudo, na década de 1970, a maioria das vítimas era socorrida e morria em uma unidade de saúde. A partir dos anos 1990, mesmo com a ampliação do atendimento do Corpo de Bombeiros e a criação do Serviço de Atendimento Médico de Urgência (Samu), a maior parte das mortes passou a ocorrer no local onde a pessoa foi atingida. Com base em 2.405 laudos de necropsia emitidos pelo Instituto Médico-Legal de São Paulo durante o ano de 2001, por exemplo, ficou constatado que em 69% dos homicídios por arma de fogo, a vítima foi atingida na cabeça por mais de dois projéteis.
Se, por um lado, as estatísticas sobre as mortes estão mapeadas, a coleta de dados dos assassinos e de como chegar até eles ainda é precária. Mesmo com as novas maneiras de enfrentar e desvendar os crimes, o Brasil engatinha nesta seara. Enquanto o Ministério da Justiça mantém um banco com 17 mil perfis, em países da Europa, como a Inglaterra, 16 milhões de DNAs estão cadastrados. O presidente da Associação dos Peritos Criminais Federais (APCF), Marcos Camargo, afirma que dificilmente um crime é cometido sem deixar vestígios genéticos.
“Tem como cometer um crime e não deixar material genético, mas é muito difícil. Nem mesmo ateando fogo em um corpo se impede de identificar o criminoso”, destaca.
Para ele, é necessário aprimorar as investigações e criar mecanismos para garantir que os criminosos sejam encontrados e punidos. “O Congresso tem uma visão muito do Direito Penal, como aumento de pena e criminalização da conduta. Muitos cometem pela sensação de impunidade. E não resolver crime permite reincidência”, completa.
Procurado pelo Correio, o Ministério da Justiça informou que “entre as atividades em andamento estão a consolidação e a constante melhoria do Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública, Prisionais e de Rastreabilidade de Armas e Munições e de Material Genético, Digitais e Drogas (Sinesp), que vem sendo modernizado e hoje é ferramenta oficial dos indicadores sobre segurança pública”.
Inteligência artificial
Uma das apostas contra o baixo índice de solução de crimes é um sistema de reconhecimento facial para identificar criminosos. Mas, apesar da tecnologia, não é algo à prova de erros –– e pode confundir inocentes com criminosos. Testes apontaram que a inteligência artificial pode ter conceitos racistas, alertando as autoridades da presença de alguém supostamente criminoso levando em conta apenas a cor da pele.
Segundo Leonardo Sant’Anna, especialista em segurança pública, é necessário investir em equipamentos de qualidade para evitar esse tipo de problema. “O reconhecimento facial não dá 100% de garantia. Se a imagem for ruim, o reconhecimento não funciona”, alerta.
O reconhecimento facial é composto por uma série de câmeras, dotadas de um sistema de inteligência artificial, que analisa características dos rostos das pessoas para identificar eventuais foragidos da Justiça. No Distrito Federal, câmeras do tipo foram usadas pela primeira vez para situações envolvendo segurança durante o carnaval. Rio de Janeiro e Salvador já têm dispositivos parecidos.
Perfil genético é eficaz contra reincidências
A montagem do perfil genético dos criminosos permite descobrir casos de reincidência. Por meio do cruzamento de DNA entre o material encontrado no local do crime, como cabelos, unhas, pele, sêmen e outras amostras biológicas, com os dados já cadastrados pelo governo, é possível constatar a identidade do assassino.