Politica

Ato de 15 de março é termômetro para relação entre Planalto e Congresso

Se a manifestação for grande, como os organizadores afirmam que será, a dinâmica atual continua

Correio Braziliense
postado em 08/03/2020 06:00

Bia Kicis é uma das maiores difusoras dos movimentos pró-governo. De novo está na linha de frente para dia 15Em uma gestão marcada por crises entre Legislativo e Executivo, a principal ferramenta de negociação política do governo Bolsonaro, hoje, está nas mãos dos manifestantes que vão às ruas em 15 de março, avaliam especialistas ouvidos pelo Correio. Para o Planalto, os atos são uma cartada necessária, mesmo que as discordâncias recentes, como a relativa ao Orçamento Impositivo, tenham sido parcialmente resolvidas. Mas, para os parlamentares, o próximo fim de semana será um termômetro importante para medir a capacidade do governo de interferir na agenda do Congresso.

 

O analista político Creomar de Souza, da consultoria Dharma, explicou que o resultado da manifestação terá influência direta na saúde política do governo e, em especial, na relação de Bolsonaro com o Legislativo. “Se os atos forem bem sucedidos, vão reforçar a ideia de que, radicalizando, o presidente consegue pressionar o Congresso e avançar na agenda. É praticamente a única ferramenta dele, pois é um governo que queima pontes”, avaliou. Nesse caso, o Congresso pode se sentir “acuado”. Ou seja, se a manifestação for grande, como os organizadores afirmam que será, a dinâmica atual continua: o governo, sem base aliada, apela para as ruas para emplacar a agenda, resumiu o especialista.

 

Por outro lado, se os protestos forem esvaziados, a conclusão pode ser que o poder de pressão do governo é limitado. A partir disso, o Parlamento pode ter margem para agir com mais autonomia, sem a preocupação de fortes reações pela sociedade. “Nesse caso, Bolsonaro entra em uma sinuca de bico. Terá basicamente duas opções: subir ainda mais o tom e se isolar ou tentar reconstruir a relação com o Congresso e inventar um novo tipo de coalizão. Nesse caso, perde de vez a militância”, disse Creomar.

 

Radicalização

A uma semana da data marcada, naturalmente, não dá para saber qual será o resultado. O que é possível garantir, apontou o cientista político Leandro Gabiati, diretor da consultoria Dominium, é que o perfil dos apoiadores será diferente do que foi visto nas manifestações anteriores. Deve ser formado pelos mais conservadores e pessoas de extrema-direita e menos liberais direitistas. Sintoma disso é o afastamento de grupos como Movimento Brasil Livre e Vem pra Rua, que se posicionaram contra a pauta.

 

Apesar de estabelecer vínculo direto com agentes públicos do alto escalão do governo, o MBL — maior dos grupos, com mais de 3,4 milhões de seguidores — não defende a programação do dia 15. “Um movimento que tem endosso do Executivo e leva temática contra o Congresso não é uma agenda adequada. A reivindicação precisa seguir as vias democráticas. Isso não só pode como vai comprometer ainda mais a fragilidade de diálogo entre o Legislativo e o Judiciário”, opinou o coordenador regional do MBL, Lucas Mendes.

 

Para Gabiati, o fato de o MBL não apoiar o ato da próxima semana afeta a percepção do movimento, “porque se observa que os problemas que o governo tem não são tão simples”. “Eles entendem que há uma posição demagógica e populista. A partir disso, fica claro que o limite é esse, de se colocar contra as instituições, e isso pode revelar o perfil da militância que ainda existe no governo”, disse. Segundo ele, mesmo com o assunto das emendas parlamentares resolvido, o Planalto precisa dessa mobilização.

 

“Está em jogo uma das armas mais importantes que ele tem, a da mobilização”, explicou Gabiati. Para ele, enquanto houver conflito entre Legislativo e governo, o núcleo mais radical vai sair em defesa do presidente. O analista ressaltou a influência nas redes sociais, que deve ser primordial no desenrolar dos atos pró-governo. “Nas últimas vezes, gerou um nível de engajamento político relevante, que não pode ser ignorado”, avaliou.

 

Economia passa a ser o mote

 

Depois da repercussão negativa da proposta inicial dos protestos, com viés anti-Congresso e anti-Supremo Tribunal Federal, o direcionamento da manifestação tem migrado para um lado mais pró-governo e pela aprovação de pautas econômicas. Alguns grupos se encontraram com o ministro da Economia, Paulo Guedes, semana passada, para discutir o assunto. A mudança, longe de ser um sinal de mais equilíbrio, é estratégica, avaliou Creomar de Souza, analista da consultoria Dharma.

 

O problema é que uma pauta pró-Bolsonaro e a favor de reformas é muito ampla, ressaltou o analista político Thiago Vidal, da consultoria Prospectiva. “Existe um problema de fundo, que é o fato de o governo não ter proposto oficialmente nada ainda em termos de reforma”, ressaltou.

 

Apesar de reforçarem que o foco é apoiar o governo, manifestantes ainda compartilham cards e propagandas com frases contra o parlamento. Para Leandro Gabiati, diretor da consultoria Dominium, “ainda que o governo tente dar outro rumo, o sinal dado implicitamente será de pressão e crítica ao parlamento”.

 

Desde o impeachment 

A mobilização popular pró-bolsonariana é articulada por movimentos nascidos nas ruas durante as manifestações pelo impeachment da ex-presidente Dilma Roussef. 

 

Maior movimento que encabeça as manifestações, com mais de 1,7 milhão de seguidores no Facebook, o Avança Brasil se define como conservador, “livre e de bons costumes”. Entre as reivindicações declaradas estão o combate ao parlamentarismo branco, o respeito à Constituição Federal, à separação entre poderes e ao resultado das eleições.

 

Membro do conselho executivo do Avança, o empresário Eduardo Platon afirmou que, mesmo após o Congresso manter os vetos do Orçamento Impositivo, não existe um enfraquecimento das manifestações em função da vitória. “Monitoramos o momento político, ou seja, o calor não é criado e, sim, canalizado. Vamos para frente dos congressistas, em combate com aqueles que não atuam de maneira exemplar, pro meio da pressão nas ruas”, argumentou.

 

Quem também faz coro ao chamamento popular é o movimento Nas Ruas, fundado em 2011 com proposta de “combate à corrupção e à impunidade” e, atualmente, com quase 1 milhão de seguidores no Facebook.

 

Já o Movimento Conservador divulgou a manifestação por meio de um vídeo, o mesmo compartilhado pelo próprio presidente em grupos nas redes sociais. Nas legendas, Jair Bolsonaro é definido como “trabalhador, incansável, cristão, patriota, capaz, justo e incorruptível”

 

Nas redes sociais, o movimento do dia 15 é puxado por parlamentares, ativistas e blogueiros que apoiam o governo. Entre os parlamentares da base do governo no parlamento, o apoio é constante. A deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP) é uma das principais propagandistas das convocações, embora evite citar que a mobilização tenha como alvo o Congresso e o STF. A parlamentar faz postagens diárias sobre o tema. Ao lado dela está a deputada Bia Kicis (PSL-DF), que também se mobiliza em torno da agenda de movimentações. Ambas têm aparecido nos últimos protestos favoráveis ao governo. 

 

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