Correio Braziliense
postado em 06/03/2020 06:00
Criado com o status de superministério e com a missão de colocar a economia brasileira em ordem, o Ministério da Economia mostrou, nesta quinta-feira (5/3), desalinhamento em relação às perspectivas de crescimento nacional. Enquanto o ministro Paulo Guedes garantia que o crescimento de 1,1% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2019 estava dentro do previsto, o secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida, admitiu que o resultado foi baixo e frustrante. Guedes logo rebateu e ainda aproveitou para refutar as projeções oficiais do governo para o PIB deste ano, que estão sendo revistas para baixo por causa do coronavírus. “Tem a secretaria e tem o ministro”, alegou.
O clima de instabilidade veio à tona logo no início do dia, quando o secretário do Tesouro revelou a sua real impressão sobre o PIB de 2019. “Estamos em um país que ainda passa por enormes dificuldades. Se eu durmo tranquilo? Eu não durmo tranquilo. Estou muito preocupado, porque a gente ainda está em um país com um crescimento muito baixo”, desabafou. “Não é normal um país em desenvolvimento como o Brasil crescer 1% ao ano. Claramente, causa frustração em vários segmentos da sociedade”, emendou ele, que fez coro às críticas da sociedade e do mercado, ao participar de um debate promovido pelo Conselho Nacional de Secretários de Estado da Administração (Consad) em Brasília.
Mansueto ainda admitiu que, apesar de o atual governo querer reduzir a participação do setor público na economia, impulsionando o investimento privado, o resultado do gasto público ficou aquém do desejável no PIB de 2019. “Não é normal em um país como o Brasil, em que a carga tributária é de quase 30% do PIB — a média da América Latina é de 23% do PIB —, ter um investimento público que é menor de 2,5% do PIB. É muito baixo”, enfatizou. Ele justificou esse desempenho do gasto público dizendo que o governo não tem espaço para aumentar seus investimentos sem colocar em “risco as contas fiscais”. “A situação ainda é extremamente frágil. A situação melhorou? Melhorou muito em relação há três, quatro anos, mas ainda é frágil.”
Mansueto pediu apoio para a continuidade do processo de ajuste fiscal, que pode deixar as contas do governo em uma situação mais confortável e, sobretudo, a aprovação das reformas econômicas, que podem ajudar a destravar os investimentos privados, ajudando a alavancar a economia.
Normalidade
A tese de Mansueto para o ajuste fiscal e as reformas é a mesma que Guedes tem usado para garantir que o Brasil vai crescer 2% em 2020. Ainda assim, o secretário não escapou de uma resposta pública do ministro da Economia. Questionado sobre o que achava da avaliação de Mansueto sobre o PIB em 2019, Guedes foi direto: “Bom, o que eu posso dizer é o seguinte: se o Mansueto estava esperando que fosse crescer 3%, ele deve estar frustrado. Se ele estivesse pensando, como eu estou pensando, que ia ser 2%, eu não estou frustrado. Para mim, está acontecendo tudo como tinha de acontecer”, rebateu.
Como já havia feito após a divulgação do PIB, Guedes repetiu que esperava um crescimento de 1% em 2019 e projeta um crescimento de 2% em 2020, por conta da situação fiscal do governo. Ele ainda reforçou que mantém a projeção de crescimento mesmo com o coronavírus desacelerando toda a economia mundial, porque acredita que as reformas econômicas serão implementadas e darão condição de o Brasil crescer.
O ministro ainda disse que, apesar de reduzir o fluxo global de comércio por conta da desaceleração provocada na economia chinesa, o coronavírus não deve afetar tanto os negócios entre os dois países. “O Brasil vende soja para a China. O chinês vai comer. Com coronavírus ou sem coronavírus, o chinês vai comer soja. O chinês vai comer carne com coronavírus ou sem coronavírus”, frisou, dizendo que a epidemia só deve afetar, então, o fluxo da cadeia produtiva.
Projeções
Guedes aproveitou a deixa para refutar a projeção oficial do governo, que é de um PIB de 2,4% em 2020 e que agora está sendo revista para baixo por conta do coronavírus. O ministro disse que essa é a perspectiva da Secretaria de Política Econômica (SPE), não a dele. A SPE — comandada pelo secretário Adolfo Sachsida —, contudo, integra a Secretaria Especial da Fazenda do Ministério da Economia. “Tem a Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda, que agora é a Secretaria Especial da Fazenda. Tem um grupo de economistas sofisticados que trabalha com modelos lá. E tem o ministro da Economia. O ministro fala 2%. A SPE fala 2,5% (na verdade, 2,4%) e agora está revendo para 2%. Eu estou parado no 2%”, disparou Guedes, já irritado com as perguntas dos jornalistas sobre o PIB do Brasil.
Por sinal, a revisão da perspectiva da SPE para o PIB de 2020, que já havia sido admitida por Sachsida, deve ser oficialmente divulgada na próxima semana. Guedes adiantou, no entanto, que o novo número deve mesmo ficar perto dos 2%. Ele afirmou que, pelos cálculos da SPE, o coronavírus pode reduzir em 0,5% o crescimento do Brasil neste ano, se chegar ao seu pior cenário, e em apenas 0,1%, se ficar no seu melhor cenário de epidemia.
Ainda que aposte num panorama mais negativo, o governo vai continuar distante das expectativas do mercado, que tem cobrado respostas efetivas na economia. Afinal, o mercado já está revendo suas projeções para o PIB de 2020 para baixo de 2%, tanto por conta dos impactos da epidemia na economia nacional quanto pela frustração com a desaceleração do crescimento, ao fim do ano passado, evidenciada pelos resultados do PIB.
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