Em um discurso marcado pela veia artística de uma atriz com mais de 50 anos de carreira — das palavras aos gestos, passando pela entonação e pausas marcadas — Regina Duarte tomou posse como secretária Especial de Cultura na manhã de ontem, em cerimônia no Palácio do Planalto. Apesar da exaltação à diversidade cultural no Brasil e do carisma da artista, não passou despercebido o mal-estar entre ela e o presidente Jair Bolsonaro (sem partido): após a artista mencionar que aceitou o cargo sob a promessa de ter “carta branca”, o presidente fez questão de lembrar que mantém o poder de veto.
“Regina, todos os meus ministros também receberam seus ministérios sob porteira fechada. É um linguajar político. Ou seja, ele tem liberdade para escolher seu time. Obviamente, em alguns momentos, eu exerço poder de veto em alguns nomes. Já o fiz em todos os ministérios. Até para proteger a autoridade, que por vezes desconhece algo que chega ao nosso conhecimento. Isso não é perseguir ninguém; é colocar o ministério, as secretarias, na direção que foi tomada pelo chefe do Executivo”, esclareceu Bolsonaro.
A corretiva do presidente veio momentos depois do discurso de posse da atriz. “O convite que me trouxe até aqui falava de porteira fechada, carta branca. Não vou esquecer não, hein, presidente? E foi com esses argumentos que eu me estimulei e trouxe para trabalhar comigo uma equipe apaixonada, experiente, louca para ‘botar’ a mão na massa”, afirmou Regina. Apesar do aviso à nova integrante da equipe, o presidente pontuou que, ao chamar Regina para o cargo, está colocando a cultura “nas mãos de quem realmente entende do assunto”.
Pacificação
Logo no início do discurso, Regina Duarte ressaltou a vontade de pacificar a relação entre a classe artística e o governo. “Meu propósito é a pacificação e o diálogo permanente com o setor cultural, os Estados e municípios, o parlamento e com os órgãos de controle”, disse. Ela citou, ainda, o papel do Congresso Nacional. “O apoio do Legislativo é indispensável para que se tornem reais os objetivos da tarefa que vamos iniciar juntos a partir de hoje”, acrescentou.
O tom pacificador também foi adotado pelo ator Carlos Vereza, presente ao evento. Ele disse que foi convidado pela nova secretária para trabalhar na pasta - algo que, segundo ele, ainda está analisando. Sobre resistência de setores artísticos, Vereza disse acreditar que o impasse será superado a partir do momento em que a nova secretária apresentar o trabalho. “À medida que ela mostrar a que veio, esse tipo de oposição vai se resolvendo, vai se diluindo. Porque a Regina é uma pessoa de paz. Não é possível brigar com uma pessoa que veio para pacificar”, frisou.
Também estava presente à posse a atriz Maria Paula Fidalgo, que disse ser Regina ‘bem -intencionada’. “Que bom que temos ela aqui. Gostei do discurso, que ela já foi falando que está aqui pela pacificação, para criar diálogo. Neste momento isso é fundamental. A gente precisa mostrar que a cultura não é de direita ou de esquerda. É plural”, afirmou.
Regina Duarte também exaltou a cultura brasileira, citando manifestações culturais e artísticas de diferentes regiões – mencionou o chimarrão e o forró. Defendeu ainda a necessidade de se democratizar a área, “repartindo com equilíbrio as fatias do fomento para que todas as regiões possam ser viabilizadas e ter expostas a sua produção”.
Casamento
A negociação para a atriz ocupar o cargo na Secretaria Especial da Cultura durou semanas e foi chamada de “noivado” e “casamento” por Regina e pelo presidente. Bolsonaro começou a sondar a artista em 17 de janeiro. No dia 29, ela anunciou que havia aceitado o convite. Iniciou-se aí o noivado, com casamento consumado agora. Desde então havia expectativa em Brasília sobre a chegada da nova integrante do governo à Esplanada. Ontem, na cerimônia de posse, a artista vestiu um blazer branco sobre um vestido preto de bolas brancas. Regina desceu pela rampa do Palácio do Planalto de braços dados com o vice-presidente Hamilton Mourão.
A nova secretária ocupa cargo antes ocupado por Roberto Alvim. Ele foi demitido após plagiar o discurso do ministro da Propaganda de Adolf Hitler, Joseph Goebbels. Outros integrantes da secretaria de Cultura também foram demitidos nas últimas semanas. Oito exonerações foram publicadas ontem no Diário Oficial da União. Uma delas refere-se a Dante Mantovani, que ocupava a presidência da Fundação Nacional de Artes (Funarte). Ele havia sido nomeado em dezembro do ano passado. A escolha teve repercussão negativa, em razão de posicionamentos de Mantovani divulgados na internet. Em alguns dos vídeos publicados, ele afirma que “o rock ativa as drogas, que ativam o sexo livre, que ativa a indústria do aborto, que ativa o satanismo”.
"O convite que me trouxe até aqui falava de porteira fechada, carta branca. Não vou esquecer não, hein, presidente?"
Regina Duarte, secretária especial de Cultura