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Executivo e Parlamento travam duelo pela liberação de recursos do Orçamento

Após críticas do Executivo ao Parlamento, recomeça a negociação em torno da participação do governo para liberar recursos de emendas. Reunião de líderes no Senado vai dizer se acordo é possível

Na semana de regresso do carnaval, uma das tarefas importantes de deputados e senadores será retomar a análise de vetos do presidente Jair Bolsonaro a trechos de leis sancionadas recentemente. O mais polêmico deles, que motivou a última crise entre Executivo e Legislativo, levanta novamente a discussão sobre os limites do Orçamento impositivo, regra criada para obrigar o governo a empenhar emendas parlamentares. O assunto deve ser retomado amanhã, em sessão conjunta marcada pelo presidente do Congresso, Davi Alcolumbre (DEM-AP).

Os parlamentares podem derrubar ou manter um veto parcial do presidente à Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2020. A norma aprovada no ano passado reduz participação do governo na distribuição de R$ 46 bilhões em emendas de comissões permanentes e nas propostas do relator da LDO. Pela regra atual, a ordem de execução de R$ 16 bilhões seria decidida pelos colegiados e a dos outros R$ 30 bilhões, pelo relator, o deputado Domingos Neto (PSD).

Se o Parlamento derrubar o veto, a aplicação do dinheiro vai ficar a critério dos parlamentares. Esse predomínio no controle do Orçamento é pano de fundo da crise entre o Planalto e o Congresso. Antes do carnaval, os dois poderes pareciam ter chegado a um consenso. Os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e Alcolumbre concordaram em derrubar apenas parte do veto, para minimizar as perdas, após conversa com o ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos. Assim, seria possível manter uma parcela dos recursos geridos pelo relator sob responsabilidade do Executivo — o que equivaleria a cerca de R$ 11 bilhões, que seriam destinados a gastos discricionários, como investimentos em infraestrutura. Em troca, cairia a possibilidade de punição do gestor que não cumprisse o prazo de 90 dias para a execução dos valores. A proposta foi negociada, inclusive, com o ministro da Economia, Paulo Guedes.

Mas o acordo não foi adiante. Alguns líderes partidários — do PSL, da Rede e do Podemos — não concordaram com os termos estabelecidos e impediram a votação, na última sessão conjunta, em 12 de fevereiro. Sem conseguir avançar nas negociações, Alcolumbre adiou as tratativas para depois do carnaval. Até amanhã, antes da sessão plenária, ele se reunirá com líderes partidários para definir os próximos passos.

Com o fim do feriado, a situação está ainda mais incerta do que antes. Parte da equipe econômica propunha aumentar a parte gerida pelos ministérios, mas a acusação do general Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional, de que o Parlamento chantageia o governo abalou a relação entre o Executivo e o Legislativo e comprometeu as negociações. O compartilhamento de vídeos, por parte do presidente Bolsonaro, convocando para manifestações no dia 15 contra o Congresso e o Supremo piorou ainda mais o ambiente na Praça dos Três Poderes.

 

Risco 

As declarações agressivas e os atos do presidente nas redes sociais constituem, na avaliação de especialistas, uma estratégia para compensar as dificuldades na negociação orçamentária com o Parlamento. A expectativa do presidente é contar com a pressão popular para constranger o Congresso e manter integralmente o veto às alterações da LDO. “Sem base aliada, não resta outra alternativa a não ser apelar, de alguma forma, a esse tipo de manobra. O presidente recorreu às ruas porque viu nessa estratégia um último recurso, o jeito de conseguir emplacar a ideia. Ele não tem perfil de confrontar e articular, prefere sair a público e inflamar as reações”, avalia o cientista político Leandro Gabiati, diretor da consultoria Dominium.


O especialista acredita que a melhor estratégia do Congresso, diante da ofensiva, deve ser esperar para analisar o veto depois da manifestação apoiada por Bolsonaro, em 15 de março, mas sem paralisar o trabalho enquanto isso. “Votar antes pode ser um risco, porque, se não mantiverem o veto, a manifestação pode ser maior. O importante é que, enquanto esperam, os parlamentares mantenham a agenda, que é bem ampla. Tem muita pauta importante que deve avançar e, com isso, o Congresso mostra que está, sim, trabalhando”, explica Gabiati. Na lista, estão reforma tributária, autonomia do Banco Central e prisão em segunda instância.

A comissão onde não há consenso 

Criada há duas semanas, a comissão mista que busca um consenso em relação à reforma tributária tem a pretensão de, em 45 dias, resolver impasses que se estendem há décadas na discussão sobre o assunto no país. Não existe consenso sequer sobre como deve ser resolvida a questão principal, que é a necessidade de se simplificar a cobrança de impostos. A premissa é base inquestionável da reforma, mas a maneira como deve ser colocada em prática divide opiniões dentro e fora do Congresso.

O presidente da comissão mista, senador Roberto Rocha (PSDB-MA), afirma que “temos duas propostas que têm o mesmo chassi, só muda a carroceria”. O difícil, no entanto, é conciliar os detalhes. Antes de os trabalhos começarem, o que é previsto para acontecer amanhã, setores da economia já discordam publicamente da essência das Propostas de Emenda à Constituição (PECs) que tramitam hoje na Câmara e no Senado — a PEC 45 e a PEC 110, respectivamente.

As duas devem convergir em um só texto, que terá como ponto principal a unificação de pelo menos cinco tributos em um só, uma espécie de Imposto sobre Valor Agregado (IVA), ou Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), como foi nomeado no projeto dos deputados. Grupos liderados pelos setores de comércio, varejo e serviços, no entanto, consideram a estratégia ultrapassada e dizem que o resultado será aumento de carga tributária de determinadas atividades. Empresários do setor lançaram, inclusive, um movimento contra as propostas em fevereiro.

Eles sugerem que o IVA sobre o consumo seja deixado de lado e que o ponto principal da reforma passe a ser a desoneração da folha de pagamentos, compensada pela criação de mais um imposto, que incidiria sobre transações financeiras. Seria uma espécie de nova Contribuição Provisória sobre Movimentações Financeiras (CPMF), mas mais moderna, sobre transações digitais. O ministro da Economia, Paulo Guedes, é um defensor da ideia, mas ela já foi rechaçada várias vezes pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que garante que os deputados não vão tocar no assunto.

Apesar do atrito entre os dois Poderes, o Executivo tem se aproximado para contribuir com o debate sobre a reforma, ao menos do ponto de vista técnico. Interlocutores que participam das conversas afirmam que o relator da comissão mista, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), não descarta incluir a desoneração no texto, mas acham possível que o assunto seja definido, se for o caso, em lei complementar posterior.

Desde janeiro, a equipe técnica de Ribeiro, tem se encontrado com a técnicos da Receita Federal para estudar os principais pontos da reforma. As duas pontas têm feito levantamentos sobre os principais incentivos fiscais, para verificar a viabilidade de extingui-los ou alterar o modelo adotado atualmente. Mudanças na Zona Franca de Manaus (ZFM) também estão em debate. Uma opção é manter a região de livre comércio, como é hoje, por alguns anos, e ir diminuindo os benefícios aos poucos.

Jogo de cena 

Essa é apenas uma parte da extensa pauta que a comissão mista encontrará, o que leva alguns parlamentares a questionarem a necessidade de um colegiado. O líder do PP na Câmara, Arthur Lira (AL), está certo de que a “comissão mista não terá efetividade”. Para ele, a estratégia de criar um colegiado para unificar as propostas “é só jogo de cena”. Ele lembra que os assuntos já são discutidos há mais de um ano nas duas Casas. A PEC 45, que servirá como base da nova proposta, já foi aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara em maio de 2019 e está em avaliação na comissão especial.

Um novo texto terá que começar do zero. Depois dos 45 dias que o grupo terá para elaborá-lo, ele ainda precisará passar pela análise da CCJ da Câmara, pela comissão especial e pelo plenário da Casa. Se aprovada em dois turnos, será encaminhada para o Senado. Lá, passa pela CCJ e, em seguida, pelo plenário, fase que também exige duas rodadas de votação. O autor da PEC 45, deputado Baleia Rossi (MDB-SP), integrante da comissão mista, calcula que o ideal é que a Câmara aprove a reforma até maio, para que o Senado consiga concluir a tramitação antes do recesso parlamentar, que começa em julho.