O ministro-chefe da Advocacia-Geral da União, André Luiz Mendonça, conheceu pessoalmente o presidente Jair Bolsonaro no dia em que recebeu o convite para comandar a área jurídica do governo. Um ano e dois meses depois, tornou-se um dos mais leais integrantes do primeiro escalão. Com serenidade, defende questões polêmicas que incendeiam o país em razão de declarações desastradas do chefe do Executivo. Mendonça encarna com devoção o papel de defensor de Bolsonaro. Ele afirma que os arroubos presidenciais se tratam de gestos de sinceridade, pontuais e retirados de contexto.
Escolhido pelo currículo técnico, Mendonça tem outro atributo que agrada ao presidente. Evangélico, é conservador. Está entre os cotados para uma das vagas no STF a serem abertas até o fim do governo. Seria o “ministro terrivelmente evangélico”, expressão da ministra Damares Alves que Bolsonaro adotou. Mas ele não se qualifica assim. Diz que é “genuinamente” um frequentador da igreja e coloca seu destino profissional nas mãos de Deus.
Em entrevista ao Correio, Mendonça defende que o comandante do Planalto não cometeu crime de responsabilidade ao compartilhar vídeos de apoio a manifestações contra o Congresso e o Supremo. E sustenta: uma denúncia contra o presidente seria “um desrespeito à democracia”.
Sobre a relação de Bolsonaro com a imprensa, Mendonça destaca que nunca um titular do Planalto falou tanto com jornalistas. Afirma, ainda, que o presidente é uma pessoa íntegra e que respeita diversos grupos.
Como o senhor vê esses tempos turbulentos?
Toda mudança exige movimento. É natural. A grande questão é você saber lidar com serenidade, independentemente das circunstâncias. Esse é o segredo.
Esperava esse clima de embates?
Não vejo como um clima de embate. Vejo como um clima de construção, de ajustes, de busca de soluções. É natural ter, às vezes, discordâncias sobre temas, assuntos específicos, formas de se fazer. Mas essa é a graça da construção: buscar soluções mesmo diante de opiniões diversas.
Mas o que o presidente fala desperta muita controvérsia. Por que tanta polêmica?
O presidente foi eleito com ampla maioria. Conviveu no Congresso, um espaço democrático, sempre procurando fazer política da forma mais pura possível, dizendo a verdade, com integridade, sem recursos públicos para suas campanhas, sem financiamento para campanha e simplicidade acima de tudo. E isso o fez ter essa ampla maioria. A grande questão é que quando você se torna presidente da República, mesmo amenizando a sua fala, tudo repercute muito mais. É um processo natural, democrático, de sinceridade do presidente da República. O que posso dizer é que ele é uma pessoa extremamente honesta, imbuída dos melhores propósitos públicos. E que fará um governo que vai fazer a diferença no país. Não tenho a menor dúvida.
Como e por que o senhor foi escolhido para comandar a AGU?
Eu conheci o presidente pessoalmente no dia em que ele me convidou. Meu nome chegou a ele através de informações do meu currículo. Foi a soma de uma carreira na instituição, com serviços prestados ao longo de 20 anos, que deu a ele a segurança de, dentro dos bons nomes que nós temos, vir a me escolher. Foi um critério estritamente técnico, como foi em outras áreas até menos ‘técnicas’, como o Ministério da Infraestrutura. Mesmo o Ministério da Saúde e o da Agricultura. São pessoas que têm um histórico no Congresso de política, mas que estão vinculadas diretamente às respectivas áreas. Por isso, a minha segurança de que será um governo com diferencial de avanço bastante significativo nestes quatro anos.
O senhor diz que o governo quer fazer uma construção, mas quando um ministro afirma que o Congresso faz chantagem é possível construir o quê?
A manifestação do general Heleno foi pontual, dentro de um contexto informal e que revelava naquele momento específico um inconformismo dele em relação à postura no equilíbrio de forças entre a vontade de uma parte do Congresso e a vontade do Executivo na forma de se fazer a gestão dos recursos públicos. Foi uma fala pontual, que não retira todo o respeito institucional que o próprio general Heleno tem pelo Congresso e pelas outras instituições.
O presidente reverberou isso. Ele compartilhou um vídeo que conclama para manifestações contra o Congresso Nacional, que começaram a surgir depois da fala do general Heleno. Isso não cria uma rusga entre os poderes?
O presidente não reverberou um vídeo. O que se tem notícia é que, para uma pessoa privada A ou B, ele simplesmente redirecionou uma determinada mensagem. Se o presidente tivesse a intenção de reverberar, ele tem toda a mídia social, ele dá entrevista cotidianamente, ele faria isso pelos meios tradicionais.
Mas apoiar, endossar uma manifestação…
Não houve manifestação de apoio ou de desaprovação. O que deve haver é um respeito, e há. Um respeito com as instituições públicas. E o presidente, por diversas vezes, dirigiu palavras respeitosas ao Congresso e às lideranças do Congresso, pessoas, presidentes da Câmara e do Senado, entre outras lideranças. E o presidente tem sido muito enfático até na tratativa de questões em que ele tem a prerrogativa, às vezes, de ter uma opinião diversa, por exemplo, sanção e veto. Quantas vezes, presenciei o presidente referendando a opinião do Congresso Nacional, justamente por respeitar a opinião do Congresso.
O presidente está sendo acusado de cometer crime de responsabilidade por ter repassado aquele vídeo. Acha que ele terá problemas jurídicos?
Não há motivo jurídico, não há motivo fático, não há motivo político que justifique uma linha de argumentação dessa natureza.
Qual a sua opinião sobre o argumento do presidente de que essa é uma questão pessoal? Existe um lado pessoal de um presidente da República?
Primeiro: sempre há que existir um lado pessoal. A grande questão é que, por menor que seja o ato da figura do presidente, qualquer que seja ele, se ganha muita repercussão. Ele já esclareceu que, se tivesse a intenção de adotar uma postura político-institucional, o faria pelos mecanismos adequados, que têm uma grande repercussão, e ele não fez dessa forma.
Havendo desdobramentos jurídicos…
Não haverá desdobramentos jurídicos. Não existe causa plausível juridicamente para isso. Isso seria um desrespeito à democracia, e precisamos respeitar a democracia.
Seria um golpe?
Seria um desrespeito à democracia trazer para um debate tão sério uma questão tão pontual e insignificante.
Já tem um pedido de investigação do PSol na PGR. O senhor, então, acha que não vai avançar?
Não há motivação jurídica para avançar.
E qual é o papel da AGU num episódio como esse?
A Advocacia-Geral da União, não só em relação ao presidente, como a ministros, secretários e a qualquer servidor público do mais alto grau, ao funcionário que participa de uma comissão de licitação, se ele é acionado de forma injustificada, é papel da Advocacia-Geral da União defendê-lo nas instâncias competentes.
O senhor se envolveu na campanha de Marina Silva?
Nunca me envolvi em campanhas políticas.
Mas como a avalia como candidata? O senhor chegou a dizer que ela, por ser evangélica, tinha uma identidade com o senhor.
Estive duas vezes com a ex-senadora e ex-ministra Marina Silva em eventos religiosos. Eu a considero uma irmã em Cristo, evangélica, assim como eu. E tenho um respeito pela pessoa dela. Tem que se respeitar uma pessoa que saiu de um seringal e construiu a vida como ela construiu, independentemente de opinião política.
Um respeito, inclusive, pela atuação política dela?
Um respeito pela pessoa dela, que envolve toda a construção. Não significa que você tenha de concordar ou se alinhar com um determinado pensamento específico. Nós temos visões distintas, por exemplo, de tratamento de questão de desenvolvimento sustentável. Eu acho que o país precisa de um reequilíbrio da questão do desenvolvimento sustentável. Hoje, não desenvolvemos, a pretexto de uma sustentabilidade que sequer a fazemos. Precisamos equilibrar esses conceitos. É preciso desenvolver com sustentabilidade e sustentar com desenvolvimento.
O presidente gostaria de nomear para o STF um ministro “terrivelmente evangélico”. O senhor se considera “terrivelmente evangélico”?
Essa é uma expressão que o presidente usa. Ele é ótimo em usar expressões. Por isso, ele é presidente da República, e fruto até de um primeiro uso da ministra Damares que, numa reunião, puxou essa expressão. É uma expressão que ele usa para englobar todo conceito de evangélico. E o Brasil tem 40 milhões de evangélicos. Não cabe a mim me enquadrar ou não. Uso a expressão genuinamente, verdadeiramente evangélico.
Quando o senhor fala em se enquadrar, quer dizer que deve ser um ministro evangélico?
Não. Essa é uma expressão do presidente. O presidente tem, entre evangélicos, católicos, sem religião, uma gama de juristas, advogados, juízes, que ele tem a prerrogativa de escolher dentro dos critérios que a Constituição estabelece. O que não posso concordar é que haja preconceito contra o evangélico.
E isso acontece?
Hoje, nem tanto. Mas houve um tempo, décadas e décadas atrás, em que não se tinha uma compreensão adequada até do perfil do evangélico. Uma construção natural de um processo de conscientização coletiva de todos nós.
Religião influencia as decisões do STF?
O que posso dizer é que o juiz, o magistrado, qualquer que seja sua religião ou não tenha religião, tem de procurar segundo os critérios que a Constituição estabelece. Temos valores constitucionais, a segurança, a justiça, paz, a liberdade, a igualdade, o bem-estar. Temos princípios constitucionais: proporcionalidade, impessoalidade, legalidade, transparência, publicidade, razoabilidade. Temos as normas constitucionais, as leis e todo o aparato normativo. Esse é o escopo em relação ao qual qualquer aplicador do direito, esteja como AGU, como juiz, como promotor, deve pautar a sua atuação.
Chegar ao STF é uma aspiração?
Quando estudava direito, o máximo que eu aspirava era ser juiz de direito de uma comarca do interior. Deus já me deu muito mais do que imaginei. Tenho espírito de servidor público no sentido mais puro e genuíno. Digo isso com orgulho, de querer servir ao meu país, servir à população. Vejo ali o ônibus, tem pessoas com sonhos, com necessidades. Nos hospitais, isso está acontecendo agora, nas escolas. É tentar fazer com que o nosso trabalho tenha significado para essas pessoas. Então, o meu único objetivo é servir ao meu país. Não faço plano de onde servir. Eu não fiz plano para ser advogado-geral da União. Não conhecia um deputado, um senador. Deus me colocou ali. Então, quero estar onde Deus quiser que eu esteja, nem que eu volte para o meu trabalho cotidiano na AGU, estarei plenamente realizado ali. Este é o meu grande sonho: poder olhar para mim mesmo e para a minha família e, pelo menos, ter a dignidade de compreender que faço o máximo para ter um país melhor.
Até o fim deste mandato do presidente Jair Bolsonaro haverá a abertura de duas vagas no STF. Uma dessas vagas é do ministro Sérgio Moro?
O único legitimado a responder essa pergunta é o presidente da República. Certamente, o ministro Sérgio Moro é um símbolo nacional e tem todas as qualificações para ocupar qualquer cargo neste país.
O governo tem grandes reformas para aprovar no Congresso. Como a AGU pode contribuir?
Toda atuação administrativa, de gestão pública, passa pela AGU. Desde um processo licitatório, no dia a dia, do mais simples ao mais complexo, como concessões, leilões, grandes acordos, pacificação da Lei Kandir, que estamos tratando no STF, a questão da cessão onerosa, desestatização, desinvestimento... São grandes políticas públicas e, dentro desse contexto, a reforma da Previdência. Vários dos que formularam a estrutura da reforma são colegas da Advocacia-Geral da União. O papel nosso é canalizar todos os esforços para que tenhamos, cada vez mais, uma cultura de servir à população.
O senhor citou várias pautas do STF, entre as quais a da tabela de frete dos caminhoneiros. Existe uma preocupação do
governo com essa decisão?
Todas as pautas que estão no Supremo demandam a nossa atenção, e a AGU pauta sua atuação em três pilares: primeiro lugar, ter um comprometimento com a verdade dos fatos, ser o mais preciso possível na narrativa dos fatos perante o Judiciário; em segundo, fazer uma defesa técnica, usar os instrumentos processuais adequados. As argumentações que deem subsídios ao julgador, seja em primeiro grau, seja na Suprema Corte. Para que ele tenha todo o substrato fático e jurídico para tomar a decisão com o máximo de segurança possível. Isso vai permitir a ele que construa sua convicção com bases sólidas e procure ser o mais justo possível nessa aplicação do direito. O terceiro princípio é sempre respeitar a decisão do Poder Judiciário. A nossa atuação vai além do ganhar ou perder. Por isso que ela é essencial à Justiça. Trabalha na perspectiva da construção permanente da Justiça em nosso país.
A igreja que o senhor frequenta tem uma linha mais progressista e trata de questões como as de gênero, pela igualdade entre homens e mulheres. Esses princípios não contrastam com o comportamento do presidente, que chegou a usar palavras de cunho sexual para se referir a uma jornalista?
Essa expressão progressista é imprecisa. Ela admite diversas conotações. Minha igreja é tradicional, histórica, de linha reformada. O que nós procuramos fazer é, seguindo essa orientação macro da igreja, dar espaço para que a mulher também possa ensinar na escola dominical, trazer uma palavra. O que não significa que nós, dentro do âmbito da nossa fé, compactuemos com tudo que ocorre dentro da sociedade. É o contrário. Nós temos um padrão de ética, de pensamento, que é essencialmente um padrão bíblico. Esse é o perfil com o qual nós trabalhamos.
Os atos do presidente não são contrários a esses princípios cristãos, de respeito à mulher, por exemplo?
O presidente é extremamente respeitoso com a mulher. Vamos dar um exemplo claro: que presidente da República, até hoje, quebrou o protocolo de tal forma para que a sua esposa fizesse um discurso no momento da posse? É uma quebra de paradigma tremenda, de inclusão da mulher na perspectiva histórico-política de uma nação.
Mas isso não entra em choque com a ofensa de cunho sexual contra uma jornalista?
A ofensa, possível ofensa, que possa haver, como você coloca, pode ter sido uma fala infeliz em um momento pontual ali de discordância. Repito: o presidente é extremamente respeitoso, com todas as pessoas.
A maior parte das crises surge de declarações de Bolsonaro ou do círculo próximo. Falta clareza nas palavras do presidente?
O excesso de transparência nas palavras do presidente, a sinceridade, às vezes, não tem a devida compreensão no contexto político com o qual nós vivenciamos hoje. Essa repercussão que se dá, muitas vezes, é exagerada na busca de um conflito. Com o devido respeito, às vezes, a imprensa, não estou dizendo jornalista A ou B, mas existem setores da imprensa que buscam esses conflitos. Ocorre ainda uma repercussão superdimensionada das falas do presidente.
Em algum momento o presidente é aconselhado, por alguém ou um grupo mais próximo, pedindo para que ele mude a forma como trata os assuntos?
Não nesse sentido. Não é essa perspectiva que se trabalha. A perspectiva é trabalhar sempre amanhã melhor do que trabalhamos hoje. Essa é uma busca permanente para todos nós. Primeiro dele para com a gente. Ele nos adverte para termos cautela. É uma orientação dele para conosco. Por vezes, há uma fala descontextualizada, que, em determinado momento, em uma interpretação solta, gera uma repercussão maior. Mas é uma preocupação constante do presidente.
O presidente tem tido o hábito de se explicar após a primeira declaração.
O presidente é uma pessoa extremamente humilde, no sentido mais dignificante da expressão. Se eu errei aqui, desculpe. É o papel de todos nós, como cidadãos.
O tratamento com a imprensa é adequado?
Nunca tivemos um presidente que recebeu e falou tanto com a imprensa.
Houve uma traição, nesse caso do compartilhamento do vídeo, que veio a público?
Eu não sei dizer. É uma avaliação que cabe a ele, que sabe todo o contexto. Se passou, se é que ele passou mesmo esse vídeo.
O ministro Paulo Guedes se referiu a servidores públicos como “parasitas”. Como o servidor público é avaliado sob a ótica do governo?
Novamente, estamos falando de uma declaração descontextualizada. Ele estava elogiando os servidores. Qual a perspectiva da reforma administrativa em relação ao servidor público? É valorizar o servidor. A reforma é para valorizar o bom servidor e corrigir distorções em relação àqueles que não cumprem adequadamente o seu papel. Existe espaço para fazer isso em nível constitucional, via emenda à Constituição e, depois, via infraconstitucional, como regulamentar a possibilidade de demissão por ineficiência. É algo sobre o qual o Congresso precisa se debruçar.
Há outras medidas possíveis?
Há espaço também para se fazer movimentos em busca de dois pilares. Primeiro: trazer eficiência para a administração pública. Não somos servidores públicos com fins em si mesmos. Nosso fim é o cidadão. É preciso criar estruturas e mecanismos de gestão que me permitam chegar a esse resultado final. Segundo grande pilar: eu não posso ter uma administração submetida a interferências de interesses ilegítimos em seu processo de tomada de decisão. É preciso manter uma espinha dorsal do serviço público capaz de tomar decisões, incluindo as carreiras que têm o poder de representação do Estado, que têm poder de controle, de legalidade fiscal de contas públicas. Essas instituições têm que ter preservadas sua estrutura básica para que não estejam sujeitas a interferências ilegítimas, seja do setor privado, seja do setor político.
A regulamentação sobre a demissão do servidor por insuficiência deve partir do Poder Executivo?
Neste primeiro momento, estamos trabalhando a perspectiva constitucional. Então, não está em debate, neste momento, uma regulamentação específica daquilo que se vai demandar em nível infraconstitucional, seja via lei complementar, ou não.
Não é uma lacuna deixada pela Constituição?
Não pela Constituição, mas pelo legislador ordinário. Certamente que vai se trabalhar nisso, é preciso. Mas, neste primeiro momento, vai se apresentar a estrutura macro da administração pública, para aí se trabalhar em nível infraconstitucional.
O senhor esteve no Ceará. Como está a situação lá?
Sim, fomos eu, o ministro Moro e o general Fernando, da Defesa. Da minha análise, de percepção, existem duas questões que precisam ser cotadas. Uma é relativo à GLO, que tem uma finalidade específica, temporária, excepcional. Neste momento, a finalidade é garantir a segurança da população no estado, em especial da capital, que é a maior impactada. Está se fazendo um esforço, por parte do governo federal. E é um esforço mesmo, pois se deslocam tropas, existe toda uma logística, o pessoal fica alojado em ginásio de esportes. É toda uma construção de busca de uma solução extraordinária naquele momento específico, que cabe ao governo em determinada circunstância.
Mas o impasse permanece...
Existe um problema estruturante na relação da Polícia Militar com o governo e do governo com a Polícia Militar, em que as partes não conseguiram chegar a um consenso. Isso precisa ser resolvido o mais rápido possível. E essa é uma gestão que cabe, exclusivamente, ao governo estadual, que é quem tem o poder de gestão, de administração de recursos. Nós esperamos que o governo estadual traga uma solução, o mais rápido possível, para essa situação.
O senhor acredita que os policiais que fazem greve devem ser
punidos, já que a Constituição proíbe esse ato?
Todos devem se submeter à lei. Não existe distinção de carreira, de categoria, de pessoas.
Mas o Congresso sempre acaba anistiando. Não é um incentivo?
Essa é uma decisão soberana que cabe ao Congresso Nacional.
Mas cabe ao presidente vetar ou sancionar a anistia…
Mas o aspecto de definição cabe ao Congresso.
Se chegar ao presidente, a AGU vai se manifestar para que ele sancione ou vete?
Nós temos de avaliar no contexto técnico. O que é uma anistia? É o reconhecimento de que houve uma irregularidade, mas que, por razões de pacificação social, é melhor apaziguar aquele contexto. Essa é uma definição que está sendo tratada pelo governo do estado, que é quem tem que dar essa resposta: sobre qual a melhor solução do caso concreto.
Existe um embate entre o ministro Sérgio Moro e o governador Ibaneis Rocha sobre a presença de líderes de facções no Presídio Federal de Brasília. Qual é a posição da AGU ?
É um entendimento técnico. O Ministério da Justiça não define aleatoriamente para onde vão as pessoas. Ele faz uma análise de periculosidade, de momento, de circunstâncias que envolvem aquele crime. Onde a pessoa estaria mais isolada possível. O DF está distante das fronteiras, do litoral. Também tem questões de fuga e há uma série de contornos técnicos que precisam ser respeitados. Um determinado preso não está no DF por que se quis colocar no DF, mas porque, por razões técnicas e de segurança, é a melhor opção naquele contexto. É dessa forma que tanto o Ministério da Justiça quanto a AGU trataram a questão.
A união de governadores contra o ministro da Justiça pode ter peso na decisão do presidente de dividir o Ministério da Justiça e Segurança Pública?
Eu não acredito nisso. O presidente é influenciado pelo bem do país. Tenho presenciado isso diariamente.
Os governadores fazendo esse movimento em ano de eleição não eleva a pressão política?
O próprio presidente afirmou que não quer interferir nas eleições municipais. Ele quer governar o país, está focado nisso.
As recentes mudanças na lei representam retrocesso no combate à corrupção, assim como o comprometimento da imagem do ministro Moro com a Vaza-Jato?
Eu tenho certeza de que não houve retrocesso. Acredito que a própria indicativa de criminalidade como um todo reflete o melhor trato da coisa pública. Não significa que estejamos próximos do ideal. Ainda existe um caminho longo a percorrer. Por exemplo: a Suécia fala em transparência desde o século XVIII. Nós falamos nisso há 20 anos. Então, a consciência do papel de cada cidadão, para com a sociedade, é que vai gerar uma transformação estruturante. Melhoramos os mecanismos de combate, mas existe toda uma transformação social a fazer.
A derrubada da prisão em segunda instância não representa um retrocesso?
Nós, nesse caso, defendemos a constitucionalidade da prisão. Ainda é muito cedo para avaliar, até por que isso deve ser transformado em norma pelo próprio Congresso.
A criação do plea bargain, no qual o preso confessa os próprios crimes em troca de redução de pena, não pode enfraquecer as delações premiadas?
Não, pois o acusado ainda precisa delatar os demais. Quando ele denuncia o próprio crime, ele precisa trazer as outras pessoas envolvidas na própria criminalidade. A lei anticrime é modesta em vista do que o governo enviou ao Congresso. Mesmo assim é um avanço.
Qual foi o maior avanço?
O plea bargain, o aumento de algumas penalidades, a transformação dos regimes de progressão de pena, que são mais rigorosos.
Qual sua avaliação sobre a lei do abuso de autoridade? O Brasil precisava de algo nesse sentido?
Ninguém concorda com abuso de autoridade. Podemos estabelecer esse consenso. Nós fizemos uma manifestação no momento da sanção ou veto, eu, o ministro Moro, o ministro Jorge, com um consenso, e o presidente acolheu essa sugestão da nossa parte. Agora, é um debate que está no Supremo. Acho que eventuais ajustes, a própria jurisprudência pode fazer. Da mesma forma que ninguém concorda com abuso, ninguém concorda em se atribuir uma responsabilidade indevida a autoridade quando ela está fazendo o trabalho corretamente.
O STF também vai tratar da descriminalização de todas as drogas. Juristas afirmam que a prisão de acusados de tráfico, apesar de quantidade pequena de droga, é motivo de superlotação nos presídios. Qual é a posição da AGU?
A AGU é contrária à descriminalização generalizada. Há uma série de impactos legais, sociais, relativos a uma permissão dessa natureza. Precisamos ter sanções proporcionais e adequadas. Entendo que a legislação atual já dá soluções adequadas; ela trata de forma distinta o traficante e o usuário. Abrir toda a possibilidade de uso de droga dessa forma, na minha opinião, estimula a comercialização sistemática. Da mesma forma, não vou legitimar a corrupção porque todo mundo pratica a corrupção. Tem de entender que há drogas de entrada. Às vezes, falam “vou liberar a droga X, que não é tão prejudicial”, mas ela é a ponte para algo mais grave. Quem já vivenciou famílias que passaram por esse problema sabe o quão gravoso para a sociedade é ter um tratamento não limitado do uso de drogas.
O STF deveria revisitar a questão do casamento gay e do aborto de anencéfalos?
Cabe ao Supremo fazer uma avaliação, dentro daquilo que chegar a ele.
Como avalia a criminalização da homofobia, outra decisão recente do Supremo?
Ninguém é a favor de agressão à pessoa humana em função da sua opção sexual. A questão, para mim, é jurídica. Não há crime sem lei anterior que o defina. Acho perigoso para o regime democrático se estabelecer exceção para isso, por melhores que sejam as intenções. Foi a posição que defendi na tribuna do Supremo.
O Supremo entra demais nas questões legislativas?
Às vezes, as questões legislativas é que entram demais no Supremo.
Como assim?
Setores inconformados da política, que não se fizeram prevalecer majoritariamente no Congresso, vão ao Supremo para tentar judicializar a política.
Bolsonaro desafiou os governadores ao propor zerar os impostos federais sobre a gasolina. A atitude foi chamada de populista. Será que o presidente e outras pessoas que participam do debate não têm conhecimento jurídico da impossibilidade de dar tal tipo de declaração?
Desconheço que haja impossibilidade jurídica.
É possível zerar os impostos?
Zerar impostos, não. Mas é possível, naquele setor específico, dar um tratamento diferenciado.
Como?
Eu vou dar uma isenção específica para determinado setor, em determinado momento, em função das circunstâncias. Fez-se com automóveis, com a linha branca. Por que não se tratar isso na questão dos combustíveis?
A proposta do presidente é possível, então.
Do ponto de vista jurídico, sem dúvida, é possível. Agora, é preciso ter vontade política de todos. É possível mudar uma Constituição. Por que não dar um tratamento diferenciado de um setor específico?
É possível mudar a relação do Orçamento Impositivo, que tem causado tanto desgaste entre Executivo e Legislativo?
Todo o tratamento entre Orçamento, teto de gastos passa por um diálogo permanente entre Executivo, Legislativo e Judiciário. Todos estão sujeitos às mesmas regras. O que não se pode é tirar as prerrogativas de cada poder. Quando se começa a desestruturar uma determinada atribuição de um poder, precisamos pôr um pé no freio e fazer uma arrumação.
Está faltando comunicação no governo?
É uma busca permanente. É preciso alinhar a transparência pública, que é um dever de todos nós. E mostrar o que está sendo feito da forma mais clara possível. Há muita transformação sendo realizada. Nós entramos na AGU há um ano. Encontramos no gabinete cerca de 2 mil processos que dependiam de aprovação do advogado-geral. Eram questões estruturantes para o país. Em setembro, zeramos esse passivo. Eram obras que não andavam por indefinição jurídica. Eu vejo acontecer isso em outras áreas. Estamos destravando. Em nenhum de nós há espírito de vaidade. É uma busca mais democrática, de ajudar.
Eram apenas 60 dias em Brasília
Cheguei em 2005 para ficar 60 dias. Vim em maio para um curso na escola da AGU. Na sexta-feira, almoçamos aqui no Chão Nativo. E o corregedor-geral precisava de alguém para ficar 60 dias aqui. Ninguém queria vir. inclusive eu. Fazer o que em Brasília? Quando estou pagando a conta, o nosso procurador regional me diz: “André, não posso dizer não para o corregedor-geral. E você vai ter de vir”. Pedi, então, um fim de semana para pensar. Falei com minha esposa. Na época, morávamos em Londrina. Cheguei em 29 de agosto, me apresentei ao servidor: “Sou André, vim aqui para ajudar nos processos, vou ficar 60 dias aqui...” Ele começou a dar risada. Eu perguntei: “Do que você está rindo?” Ele disse: “Você não volta antes do Natal. Vai passar o Natal e o ano-novo aqui”. Eu disse: “Não, eu vou ficar 60 dias”. Ele finalizou: “Não vai, mas entra lá que eles vão te explicar direito”. E foi assim.