Como começa a bagunça
O que têm a ver as declarações contra o Congresso do general Augusto Heleno, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, e o tiro disparado por policiais militares grevistas, encapuzados, contra o senador Cid Gomes (PDT-CE), em Sobral? Aparentemente, nada; em sua essência, porém, tudo: a bagunça. O ex-governador cearense tentou negociar e, depois, enfrentou os grevistas de forma exaltada, imprudente e voluntarista, sendo baleado no peito e na clavícula. O episódio, no entanto, também é uma demonstração da anarquia que começa a vicejar nas polícias militares, pois as greves são ilegais e estão sendo preparadas em outros estados.
As declarações do general são incompatíveis com o cargo que ocupa no governo e nos trazem à memória as “quarteladas” que caracterizaram a indisciplina nos quartéis e a presença dos militares na política durante o século passado, inclusive durante o regime militar, só encerradas no governo Ernesto Geisel, com a demissão do então ministro do Exército, general Sílvio Frota, do qual Augusto Heleno foi ajudante de ordens. Ainda que minimizadas pelo presidente Jair Bolsonaro — diga-se de passagem, o responsável pela sua divulgação —, as declarações afrontam um poder constituído, que está no pleno exercício de suas prerrogativas.
A fala do ministro foi transmitida ao vivo, via internet, pelo perfil do presidente Jair Bolsonaro em uma rede social, na terça-feira. No evento de hasteamento da bandeira em frente ao Palácio da Alvorada, Heleno conversava com o ministro da Economia, Paulo Guedes, e com o ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos. No diálogo, disse que o governo não pode “aceitar esses caras chantagearem a gente o tempo todo”. Ontem, em uma rede social, Heleno tentou minimizar as declarações, mas a emenda foi pior do que o soneto: argumentou que, na conversa com os ministros, estava expondo sua visão pessoal sobre “insaciáveis reivindicações de alguns parlamentares por fatias do Orçamento Impositivo”.
As declarações provocaram reações no Congresso, que discute os vetos do presidente Bolsonaro às regras que dão a deputados e senadores maior controle sobre o Orçamento da União. Manter ou derrubar os vetos presidenciais é prerrogativa do parlamento. O que todos os governos democráticos procuram fazer é articular uma base sólida, que garanta a aprovação do que interessa ao Executivo. O Palácio do Planalto, porém, não se empenha muito para garantir que isso aconteça.
Reações
A reação mais forte foi do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que fez duras críticas ao general: “Geralmente na vida, quando a gente vai ficando mais velho, a gente vai ganhando equilíbrio, experiência e paciência. O ministro, pelo jeito, está ficando mais velho e está falando como um jovem estudante no auge da sua idade, da sua juventude”, disse. Maia também ironizou: “Eu não ouvi da parte dele nenhum tipo de ataque ao parlamento quando a gente estava votando o aumento do salário dele como militar da reserva (...) Talvez ele estivesse melhor em um gabinete de rede social, tuitando, agredindo, como muitos fazem, como ele tem feito ao parlamento nos últimos meses”, concluiu o presidente da Câmara.
O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), também se manifestou sobre a fala de Heleno. Em nota, disse que “nenhum ataque à democracia será tolerado pelo parlamento” e que “o momento, mais do que nunca, é de defesa da democracia, independência e harmonia dos poderes para trabalhar pelo país”. Contra todas as expectativas, às vésperas do carnaval, o esgarçamento das relações do Palácio do Planalto com o Congresso aumenta as incertezas em relação à economia.
Um comentário do presidente da República, em cerimônia oficial, sobre o ministro da Economia, Paulo Guedes, gerou ainda mais insegurança no mercado, pois deixou no ar que Guedes estaria demissionário do cargo e sofre uma fritura interna. Seu prazo de validade estaria próximo do fim. O que alimenta essas especulações é o vai-não-vai da economia, cujo crescimento está sendo medíocre, apesar dos juros baixos e da inflação controlada.
O IBC-BR, índice do Banco Central, aponta alta de 0,5% no último trimestre do ano e de 0,9% no ano de 2019. Em 2018, quando o PIB teve alta de 1,3%, o IBC-BR também subiu 1,3%: se o padrão se repetir, o que não é garantido, o PIB em 2019 terá tido pior desempenho que no biênio 2017-18. Nesse ritmo, só em 2022 voltaremos ao PIB de 2014. Levar oito anos para completar a recuperação de uma recessão em qualquer época e em qualquer lugar é um fracasso.
Essa situação tem ampliado os questionamentos à política de Guedes, um ultraliberal, por parte de setores do governo que têm formação desenvolvimentista, entre os quais, os militares. O próprio Bolsonaro é um recém-convertido ao liberalismo e vem adotando postura cada vez mais populista, como no caso dos combustíveis e da reforma administrativa, e não perde oportunidade de abrir novas frentes de conflito, como a queda de braço com os governadores.