O presidente Jair Bolsonaro ignorou a carta aberta de 20 governadores — em que condenam a postura adotada por ele após a morte do miliciano Adriano da Nóbrega — e tomou para si a responsabilidade de demandar uma perícia no corpo do ex-policial militar, que foi a óbito após confronto com a PM em Esplanada (BA). Ontem, o chefe do Executivo disse “ter tomado as providências legais” para que fosse feita uma necrópsia independente.
Horas depois, o Ministério Público do Estado da Bahia solicitou um novo exame pericial do corpo de Adriano. No documento, os promotores pedem que peritos observem “a direção que os projéteis percorreram no interior do corpo, o calibre das armas utilizadas para os disparos, a distância aproximada entre os atiradores e Adriano e outros achados considerados relevantes”. Além disso, é solicitado que seja determinado, em caráter de urgência, ao diretor do Instituto Médico Legal (IML) do Rio, que mantenha o cadáver no local e em conservação.
Bolsonaro deu aval para o procedimento em post nas redes sociais e ao falar com jornalistas. Pelo Twitter, questionou: “A quem interessa não haver uma perícia independente? Sua possível execução foi ‘queima de arquivo’?”. O presidente ainda disse que “sem uma perícia isenta, os verdadeiros criminosos continuam livres, até para acusar inocentes do caso Marielle”, visto que Adriano chegou a ser citado no inquérito que apura os assassinatos da ex-vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes.
“(A perícia independente) é o primeiro passo para começar a desvendar as circunstâncias em que ele morreu e por quê. Poderia interessar para alguém a queima de arquivo. O que ele teria para falar? Contra mim, nada. Se fosse contra mim, tenho certeza de que os cuidados seriam outros, para preservá-lo vivo”, declarou o mandatário brasileiro. “Eu esperava que os governadores, esses que assinaram a carta sobre esse assunto específico, fossem querer uma investigação isenta no caso Adriano. Mas, pelo que tudo indica, a própria Veja fez a matéria, não estou dando credibilidade à imprensa, mas a Veja fez a matéria ouvindo perito. Os peritos alegaram, pelo que tudo indica, que o tiro foi à queima-roupa, então foi queima de arquivo.”
Ele demonstrou certa inquietação quanto à investigação tocada pela Polícia Civil da Bahia. “Tem outra coisa mais grave. Vai ser feita perícia no telefone apreendido com ele. Será que essa perícia poderá ser insuspeita? Porque eu quero uma perícia insuspeita. Por quê? Nós não queremos que sejam inseridos áudios no telefone ou inseridas conversações no WhatsApp”, frisou.
Professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), o advogado criminalista Luís Henrique Machado disse que Bolsonaro não pode interferir no caso, “porque não compete a ele”. “Compete aos órgãos de segurança pública tomar parte de todo o procedimento investigativo”, frisou. “Ainda que haja federalização, não quer dizer que o presidente tem autonomia para promover perícia de qualquer natureza.”
Entenda o caso
Morte nebulosa
O miliciano Adriano da Nóbrega estava foragido havia mais de um ano. Ele foi localizado pela polícia na zona rural da cidade de Esplanada (BA). No cerco à casa, acabou morto pelos policiais. Segundo autoridades baianas, “no momento do cumprimento do mandado de prisão, ele resistiu com disparos de arma de fogo”. “Buscamos efetuar a prisão, mas o procurado preferiu reagir atirando”, afirmou o secretário da Segurança Pública do estado, Maurício Teles Barbosa.
O presidente Jair Bolsonaro acusou o governador da Bahia, Rui Costa (PT) de ser responsável pela operação policial que resultou na morte de Adriano, classificada por ele como uma “provável execução sumária” para queima de arquivo. Em resposta, Costa escreveu, no Twitter, que “o governo do Estado da Bahia não mantém laços de amizade nem presta homenagens a bandidos nem procurados pela Justiça”. De qualquer forma, as circunstâncias da morte do miliciano ainda têm de ser esclarecidas.
Ex-capitão do Bope, batalhão de elite da polícia militar do Rio de Janeiro, Adriano recebeu, em 2005, a medalha Tiradentes, por iniciativa do então deputado estadual e atual senador Flávio Bolsonaro (sem partido-RJ). Além disso, Adriano trabalhou no 18º Batalhão da PM com Fabrício Queiroz, ex-assessor do gabinete de Flávio, que é investigado pelo Ministério Público do Rio por lavagem de dinheiro, no esquema de “rachadinha” na Assembleia Legislativa. Familiares de Adriano, como a mãe e a mulher dele, trabalharam no gabinete e teriam sido contratadas por Queiroz. Segundo o Ministério Público, o miliciano ficava com parte do pagamento delas.
De acordo com o Ministério Público do Rio de Janeiro, Adriano era um dos líderes da milícia que atua na Muzema e em Rio das Pedras, bairros cariocas. Ele também era suspeito de fazer parte do Escritório do Crime, um grupo de matadores de aluguel.