A audiência pública para debater a Ação Declaratória de Constitucionalidade número 51 chegou ao fim com a balança pendendo a favor do Acordo de Assistência Judiciário-Penal firmado entre o Brasil e os Estados Unidos (MLAT, na sigla em inglês). A ação corre no Supremo Tribunal Federal (STF) sob a relatoria do ministro Gilmar Mendes. O resultado final do processo poderá interferir no funcionamento de dispositivos legais usados pelo Brasil para solicitar dados de usuários de redes sociais com sede nos Estados Unidos, por exemplo.
Essas requisições de informações de bancos de dados no exterior acontecem a pedido de juízes brasileiros. Magistrados fazem a solicitação em caso de crime digital em território nacional, como crime de ódio, distribuição de fake news ou disparo em massa de mensagem durante as eleições. A Federação das Associações das Empresas de Tecnologia da Informação (Assespro Nacional) é autora da ação e defensora do MLAT. Nesta segunda-feira (10/2), Gilmar Mendes ouviu 36 expositores, incluindo o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, que, apesar de fazer uso do acordo durante as investigações da Lava-Jato, falou contra o dispositivo.
O encontro foi de 9h às 18h. A maioria dos técnicos ouvidos alertou para a importância de a Justiça respeitar o MLAT sob o risco de afetar a parcialidade das investigações e, consequentemente, do julgamento. Outro perigo ainda mais provável é de que as solicitações criem um incidente diplomático, no caso de um juiz requerer dados cuja divulgação seja considerada ilegal para o outro país. Moro e representantes da Polícia Federal e da Procuradoria Geral da República, por sua vez, defenderam que o acordo de cooperação internacional é apenas uma das formas de requerer dados, e pedem que juízes tenham a liberdade de pular etapas e requerer informações diretamente da empresa.
A discussão é complexa. Embora a necessidade de preservar o MLAT tenha ficado evidente, há demora de mais de 10 meses na liberação dos dados que podem ser usados como provas em uma investigação por esse meio. Um levantamento do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional da Secretaria Nacional de Justiça (DRCI/SNJ), do Ministério da Justiça revela que o Brasil tem, de 2016 a 2019, 211 pedidos de liberação de dados de usuários de redes sociais. Desses, 108 foram feitos para os Estados Unidos, sendo que pouco mais de 30% não foram cumpridos e, cumpridos, não mais que 20%. Existem muitos casos, porém, de pedidos formulados de maneira incorreta.
Uma das saídas levantadas é o aprimoramento do acordo de cooperação. Outra é o Brasil participar do tratado americano Cloud Act, que garante a cooperação e troca de dados de maneira mais célere. Os EUA assinará o acordo com a Inglaterra em breve. Ainda, como o país será signatário do acordo de cooperação internacional da Convenção de Budapeste (tratado de direito penal internacional para definir os procedimentos internacionais para crimes praticados na internet), outras soluções poderiam surgir. O ministro Gilmar Mendes encerrou o encontro afirmando que o Supremo irá refletir sobre os temas antes de confeccionar o voto do relator. “É um ponto de encontro entre o Estado, os novos modelos de negócio na economia digital e os direitos dos cidadãos à privacidade”, afirmou.