O ministro da Economia, Paulo Guedes, comparou os servidores públicos a “parasitas” ao defender, nesta sexta-feira (7/2), as reformas econômicas do governo. Ele alegou que, ao reivindicarem reajustes salariais em meio à crise fiscal que deixou as contas brasileiras no vermelho, os funcionários parecem “parasitas” se aproveitando de um “hospedeiro que está morrendo”. A declaração desencadeou uma reação em massa de políticos e servidores, que a classificaram de “agressão gratuita e desnecessária”, “calúnia” e “assédio institucional”. As críticas levaram a pasta a emitir uma nota, na qual afirmou que a fala de Guedes foi tirada de contexto pela imprensa.
“O funcionalismo teve aumento de 50% acima da inflação. Tem estabilidade de emprego, tem aposentadoria generosa, tem tudo. O hospedeiro está morrendo, e o cara virou um parasita. O dinheiro não chega ao povo, e ele quer aumento automático. Não dá mais”, reclamou Guedes, aplaudido pelo público no seminário que participou no Rio de Janeiro, promovido pela Fundação Getulio Vargas (FGV). O ministro creditou as palmas ao fato de a população não aceitar mais a situação. Ele disse que, como revelou recentemente uma pesquisa do Datafolha, 88% dos brasileiros apoiam a avaliação e a demissão dos “maus servidores”.
Guedes admitiu, porém, que a possibilidade de suspender os reajustes salariais automáticos do funcionalismo público não está na proposta de reforma administrativa que o governo promete encaminhar ao Congresso na próxima semana. O texto, que é aguardado desde o ano passado pelos parlamentares, teve o envio adiado justamente para ser ajustado nesse ponto. É que, diante da resistência demonstrada pelos servidores públicos e por boa parte do Congresso à proposta, o presidente Jair Bolsonaro decidiu que a reforma administrativa não vai mexer nos direitos dos atuais funcionários. A ideia é acabar com a estabilidade, rever o número de carreiras e endurecer as regras de promoção e reajuste salarial apenas dos novos servidores.
O ministro da Economia nunca engoliu essa “restrição política”. Reclama que, hoje, o funcionalismo representa a terceira maior despesa do governo, perdendo apenas para os gastos com a Previdência — que, por sinal, foi classificada por ele, também nesta sexta-feira (7/2), como um privilégio — e com os juros da dívida pública. “O governo está quebrado e gasta 90% de toda a sua receita com salário, mas é obrigado a dar aumento (aos servidores). (...) Nos Estados Unidos, o cara fica quatro, cinco anos sem dar reajuste e, de repente, quando dá, todo mundo fica ‘oh, muito obrigado’. Aqui, é obrigado a dar porque o dinheiro está carimbado e ainda leva ovo, não pode andar no avião”, criticou. Na visão do ministro, o recurso que vai para o reajuste do funcionalismo poderia ser usado para ampliar os gastos com saúde e educação, por exemplo. “Está faltando dinheiro nos municípios, mas o dinheiro está bloqueado”, reclamou.
É por conta disso que, como já haviam alertado servidores públicos, parte do que foi tirado da reforma administrativa acabou entrando na PEC do Pacto Emergencial, proposta também defendida por Guedes nesta sexta-feira (7/2). O ministro lembrou que, em caso de emergência fiscal, a PEC autoriza os entes federados a acionarem uma série de gatilhos de contenção de gastos. Entre os quais, os que permitem a suspensão dos reajustes e das promoções do funcionalismo. O Ministério da Economia ainda antecipou que, se a PEC fosse aprovada hoje, a União e mais 14 dos 27 estados já poderiam lançar mão das prerrogativas.
“Políticas antigas”
Em nota publicada depois da fúria provocada pelas declarações de Guedes, a pasta disse que o ministro analisou, no seminário da FGV, a situação específica desses estados e municípios “que têm o orçamento comprometido com a folha de pagamento” e, por isso, não dispõem de dinheiro para investir em saúde, educação e saneamento. “O ministro argumentou que o país não pode mais continuar com políticas antigas de reajustes sistemáticos. Isso faz com que os recursos dos pagadores de impostos sejam usados para manter a máquina pública em vez de servir à população: o principal motivo da existência do serviço público”, defendeu.
O ministério ainda garantiu que Guedes “reconhece a elevada qualidade do quadro de servidores”, mas teve sua fala “retirada de contexto pela imprensa”, para desviar “o foco do que é realmente importante no momento: transformar o Estado brasileiro para prestar melhores serviços ao cidadão”.
O ministro no ataque
Veja disparos de Guedes contra a categoria
“O funcionalismo teve aumento de 50% acima da inflação. Tem estabilidade de emprego, tem aposentadoria generosa, tem tudo. O hospedeiro está morrendo, e o cara virou um parasita. O dinheiro não chega ao povo, e ele quer aumento automático”
Declarações desta sexta-feira (7/2), no seminário no Rio
“O funcionalismo público não é culpado, mas também não é inocente. A função deles é tomar conta das coisas públicas. Como teve desvio, roubalheira? Cadê a turma que tinha de tomar conta disso?”
Em maio de 2019, ao mencionar os “desvios”
e a “roubalheira” que assolaram o país
nos últimos anos
“200 milhões de brasileiros precisam disso (da reforma da Previdência), mas têm seis, sete, oito milhões que se beneficiam dessa fábrica de desigualdade (a Previdência) e que querem impedir a reforma. (...) Primeira coisa que vai acontecer (sem a reforma) é a interrupção do pagamento de salários. O primeiro atingido é o servidor”
Em março de 2019, ao indicar que o salário do funcionalismo público poderia ser cortado, caso a reforma da Previdência não fosse aprovada
Impactos na reforma
A reforma administrativa era tida pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, como uma proposta “fácil de aprovar” no Congresso, já que não vai afetar os direitos dos atuais servidores. Essa “facilidade”, contudo, pode ter sido enterrada pela declaração dele comparando servidores a parasitas. É que muitos parlamentares também criticaram a fala de Guedes. Até deputados do Centrão, favoráveis à reforma, acreditam que o ministro acrescentou um ingrediente político infeliz a uma discussão que deveria ser técnica. Ingrediente que pode, portanto, atrapalhar o andamento da reforma.
Nesta sexta-feira (7/2) mesmo, Guedes afirmou que estava impressionado com a disposição do Congresso de discutir as reformas econômicas propostas pelo governo, como a administrativa e a do pacto federativo. Ele afirmou que os parlamentares estão abraçados às pautas.
Deputados disseram que a disposição de tratar os temas realmente existe. Até a Frente Parlamentar Mista do Serviço Público, que é contra propostas como o fim da estabilidade, estava pronta para discutir os pontos do futuro texto. Depois das declarações de Guedes, o sentimento é outro. Segundo deputados, a reforma tende a sofrer muito mais resistência agora que o ministro se indispôs com os servidores.
“É algo que contamina uma discussão, que deveria ser técnica, com um ingrediente político que vai acirrar os ânimos”, lamentou o líder do DEM na Câmara, Efraim Filho (PB). “Acho que temos problemas no serviço público, mas não podemos generalizar e ignorar a grande maioria dos servidores que dedicam suas vidas a servir ao Estado. Então, é uma declaração ruim, que atrapalha a tramitação da matéria”, acrescentou o vice-líder do PL na Casa, Marcelo Ramos (AM). Ele espera retratação de Guedes para não retardar ainda mais a aprovação da matéria.
Coordenador da Frente Parlamentar Mista do Serviço Público, o deputado Professor Israel (PV-DF) admitiu que a resistência do funcionalismo só tende a aumentar. A própria frente prometeu apresentar um pedido de convocação de Guedes na segunda-feira. “Não vamos aceitar declarações que generalizem uma opinião extremamente preconceituosa sobre os servidores”, criticou. Para ele, esse tipo de declaração indica que, além do teor fiscal, a proposta do governo carrega um caráter revanchista.
Entidades ameaçam com denúncia à Justiça
A declaração de Paulo Guedes, como esperado, causou forte reação no funcionalismo público. Entidades de classe emitiram notas de repúdio e prometeram denunciá-lo à Justiça e à Comissão de Ética da Presidência da República. Elas reclamam que, ao comparar servidores a parasitas, o ministro cometeu crimes de calúnia, difamação e assédio.
“Uma nota de repúdio é pouco. Vamos questioná-lo juridicamente, porque entendemos que ele cometeu indícios penais”, avisou o presidente da Confederação dos Servidores Públicos do Brasil (CSPB), João Domingos Santos. “As 32 entidades do fórum vão fazer uma representação na Comissão de Ética da Presidência da República. Também avaliamos acionar o Ministério Público para combater esse discurso ofensivo, que agride os 12 milhões de servidores brasileiros”, emendou o presidente do Fórum Nacional Permanente de Carreiras Típicas de Estado (Fonacate), Rudnei Marques.
Em nota, a Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Unafisco Nacional) afirmou que “o assédio institucional que vem sendo praticado pelo sr. Paulo Guedes em relação aos servidores públicos já ultrapassa os limites legais e merece reação à altura”.
Entidades também reclamaram que o ministro usou dados questionáveis para se referir aos reajustes do serviço público. Segundo elas, o aumento de 50% acima da inflação, citado por Guedes, é inverídico, visto que boa parte dos funcionários está com salário congelado desde 2017. “O governo distorce os dados para jogar a população contra o funcionalismo”, afirmou Rudnei Marques.
Os representantes do setor querem que o governo deixe de lado o discurso agressivo e passe ao diálogo. “Já solicitamos diversas audiências públicas com o ministro para tentar esclarecer essas e outras questões. Nunca obtivemos retorno. Mas estamos tentando mais uma vez. Mandamos um ofício na semana passada, pedindo uma audiência para terça-feira. Caso não tenhamos resposta, vamos lá mostrar nossa disponibilidade para o diálogo”, contou o secretário-geral da Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef), Sérgio Ronaldo da Silva. Ele ameaçou greve da categoria, em março, se o governo continuar com portas fechadas para os servidores.