A já conturbada relação do governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), com o Planalto ganhou mais um elemento de discórdia. No domingo, o governador divulgou, em sua conta oficial no Twitter, um vídeo no qual telefona para o presidente em exercício, general Hamilton Mourão (PRTB), e pede apoio para o envio de água potável para a população atingida pelas fortes chuvas no norte e no nordeste do estado. No entanto, Witzel fez a gravação e a transmissão do vídeo sem avisar o presidente em exercício. A conversa foi feita em viva-voz. Segundo Witzel, a ideia era tranquilizar a população do estado, mas acabou gerando uma nova indisposição com o alto escalão do governo.
“A ajuda do governo federal será fundamental para socorrer a população dessa região”, escreveu o governador ao postar o vídeo com a legenda do diálogo entre eles. Ontem, Mourão se mostrou chateado com a gravação do telefonema. "Em relação ao governador Witzel, ele diz que foi fuzileiro naval. Eu acredito que ele se esqueceu da ética e da moral que caracterizam as Forças Armadas quando saiu do corpo de fuzileiros navais", disse.
Ainda segundo o general, o presidente Jair Bolsonaro, que ontem retornava de viagem à Índia, entrou em contato por telefone para falar sobre o ocorrido. “O presidente só disse que é uma coisa que não é ética, né. É óbvio, né. Se você vai gravar alguém, você diz ‘Olha, vou te gravar aqui, porque vou botar para o povo do Rio de Janeiro, para saber que estou atuando’. Ok, beleza, 100%”, disse Mourão.
Mourão disse que não conversou com Witzel após a gravação do telefonema. Na ligação divulgada, Witzel começa a conversa chamando Mourão de “senhor presidente” e, em seguida, faz o pedido. Mourão afirma que está "ciente" da situação e que vai pedir auxílio para o Rio ao ministro da Defesa, Fernando Azevedo. "Qualquer coisa a gente apoia mais alguma coisa aí no Rio de Janeiro, governador", diz Mourão.
Antes de embarcar em Nova Délhi com destino ao Brasil, o chefe do Executivo também se mostrou irritado com o assunto: “Ele, pelas imagens, está no seu carro e um assessor filma. E ele liga para o presidente em exercício. Não é usual alguém fazer isso. Não gostaria que fizessem comigo. O que se trata por telefone, tem que ser reservado.”
Após a polêmica, a assessoria do governador divulgou uma nota em que afirma que “o vídeo divulgado tem somente a intenção de tranquilizar os moradores de cidades do noroeste do estado, fortemente atingidas pelas chuvas e, em função disso, sem item básico neste momento que é água para consumo. A informação de que os governos estadual e federal estarão juntos para atender demandas básicas da população da região não tem qualquer outra conotação que não demonstrar união num momento de necessidade do povo. Por isso, é importante e de interesse público”.
Em outro trecho, a assessoria aponta que o telefonema caracteriza uma conversa de trabalho. “A disposição de auxiliar a região, demonstrada pelo presidente em exercício, Hamilton Mourão, é prova do compromisso com as vítimas desta calamidade, que trouxe grandes prejuízos a várias cidades fluminenses. Ressalte-se que o telefonema caracteriza uma conversa de trabalho, buscando uma solução para um problema específico. E a sensibilidade demonstrada pelo presidente em exercício evitará o sofrimento de milhares de pessoas”, informa o documento.
Relação ruim
Bolsonaro e Witzel têm trocado farpas. Tudo desandou em setembro do ano passado, quando o governador fez críticas ao governo do presidente e demonstrou interesse em concorrer às eleições presidenciais em 2022. Por outro lado, o mandatário do país acusou Witzel de perseguição e de manipular as investigações da polícia do estado no caso do assassinato da vereadora Marielle Franco. Ele afirma que Witzel tem utilizado a Polícia Civil para atingi-lo.
Em meio às rusgas, Witzel espera, há quase 60 dias, por uma audiência com Bolsonaro para tratar sobre assuntos do estado, mas só tem sido recebido por ministros do governo. Para o cientista político da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Paulo Baía, Witzel errou ao fazer a divulgação sem consultar Mourão e tentou faturar politicamente: “Não se dá publicidade a uma ligação telefônica entre duas autoridades. Com essa divulgação, Witzel procura transferir as responsabilidades das enchentes para o governo federal e colocar que o que não está feito é responsabilidade de Mourão e de Bolsonaro. Faz parte da estratégia de marketing de Witzel, que procura tirar de si a responsabilidade”, avalia. Para ele, Mourão fez bem o papel de ponte de comunicação entre Witzel e Bolsonaro. “Mourão age como mediador e, na própria fala dele, procura ser institucional. Não creio que o que ocorreu vá mudar esse estilo", ressalta.
O professor de ciências políticas da Universidade Federal Fluminense (UFF-RJ) Marcus Ianoni afirma que a divulgação do vídeo ocorreu em função de três fatores: pela gravidade da falta de água em algumas localidades do Norte e Nordeste fluminense, devido à chuva e também pelo fato de ser ano eleitoral e de o governador estar pressionado pelos prefeitos e, ao mesmo tempo, por ter objetivos políticos nas eleições municipais deste ano. Por fim, o especialista atribui a divulgação à ruptura política entre Witzel e Bolsonaro. “Ele quis mostrar que está fazendo a sua parte, inclusive solicitando ajuda do governo federal e também quis pressionar para que essa ajuda venha”.
No entanto, defende, a divulgação do vídeo da conversa pegou mal. “Mourão não gostou e criticou, assim como Bolsonaro. O vídeo não foi nada comprometedor, mas o fim eleitoreiro não agradou. Além disso, se a ajuda não viesse, o governador poderia alegar que Brasília não fez a sua parte”, conclui.
Sobre a viagem do presidente à Índia, Mourão afirmou que foi "excelente" a agenda de Bolsonaro no país e que a ideia é "dobrar" o fluxo comercial até 2020. "Excelente, não tínhamos uma aproximação tão grande com a Índia, apesar de estarmos no Brics. Agora, com esses 15 acordos assinados nas mais variadas áreas, abre-se aí um novo mercado e com a meta, que foi posta, de dobrar nosso fluxo comercial aí até 2022", destacou. Formado em 2006 por Brasil, Russia, Índia, China e, posteriormente incorporada, África do Sul, o BRICS é um agrupamento de países de mercados emergentes.