A sinalização do Executivo de que pretende recriar o Ministério da Segurança Pública, esvaziando a pasta da Justiça, abre uma crise sem precedentes entre o presidente Jair Bolsonaro e Sergio Moro, seu ministro mais popular, podendo culminar na saída do ex-juiz do governo. Uma fonte ligada ao Planalto, ouvida pela reportagem, afirmou que o desmembramento deve ser efetivado via medida provisória. O ex-deputado Alberto Fraga (DEM) é o mais cotado para assumir o novo ministério.
Na saída do Palácio da Alvorada, nesta quinta-feira (23/1), Bolsonaro confirmou que a proposta está sendo avaliada. “Isso é estudado, estudado com Moro, lógico que o Moro deve ser contra. Estudado com os demais ministros. O Rodrigo Maia (presidente da Câmara) é favorável à criação da Segurança. Acredito que a Comissão de Segurança Pública também seja favorável. Temos de ver como se comportam esses setores da sociedade para poder melhor decidir”, frisou.
Caso as pastas sejam separadas, Moro perderá o controle sobre todos os órgãos de segurança, inclusive a Polícia Federal, o que abre caminho para Bolsonaro mudar o comando da corporação. O ex-magistrado já tinha sentido o golpe de perder o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), que foi para o Banco Central, e viu Bolsonaro contrariá-lo ao sancionar a lei anticrime sem veto ao juiz das garantias.
Quando aceitou o convite para integrar o governo, Moro deixou explícito que unir Justiça e Segurança Pública era essencial para sua meta de combater a corrupção. Tanto o ex-juiz quanto Bolsonaro fizeram declarações, à época, a respeito do superministério. Procurado pela imprensa, o ministro preferiu manter o silêncio sobre o assunto. As informações, porém, são de que ele recebeu a notícia com revolta, principalmente, por causa da quebra da promessa de total autonomia.
Ataque
Oficialmente, a recriação do Ministério da Segurança Pública foi um pedido de secretários estaduais da área a Bolsonaro. Na avaliação deles, Moro está focado em mudar a legislação e tem deixado a desejar na criação de políticas, no âmbito do Executivo, para combater a criminalidade e dar suporte às forças policiais em nível estadual e municipal, além de não responder aos pedidos de encontro por parte dos representantes da segurança nos governos dos estados.
Apesar de negar, no entanto, Bolsonaro articulou pessoalmente a separação das pastas, conforme informaram interlocutores no Planalto. O governo avalia que deve haver um embate entre Moro e Fraga pelas atribuições de cada ministério. E o ex-deputado não perdeu tempo. Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, nesta quinta-feira (23/1), criticou a atuação do ministro na área. “Na parte da Justiça, faz um bom trabalho. Não tenho nada contra o Moro. É um ícone, um cara sério, tem popularidade lá em cima. Mas vai dizer que ele entende de Segurança Pública?”, disparou Fraga. “Eu vivi a Segurança Pública por 28 anos e não sei tudo. Sem tirar os méritos do Moro, mas acho que ele poderia reconhecer que não tem os conhecimentos técnicos.”
O líder da Comissão de Segurança Pública da Câmara, deputado Capitão Augusto, afirmou que Bolsonaro está dando “um tiro no pé” ao tomar decisões com base em conselhos que recebe de aliados. Para o parlamentar, que também está à frente da bancada da bala, a decisão soa como represália ao ex-juiz. “Agora, é totalmente inoportuno recriar o ministério, algo que soa como retaliação. Tirar o ministério do Moro, que é um ícone de combate à corrupção é totalmente inadequado no momento. O presidente está sendo mal-aconselhado. Ouvindo alguém, ele está fazendo exatamente o contrário do que fazia quando era deputado”, declarou.
Perda de apoio
Diante das ações que enfraquecem Moro, o presidente vem perdendo força no Congresso e dentro do próprio Executivo. Como o Correio revelou com exclusividade, parte da ala militar decidiu apoiar a candidatura do ministro para a Presidência da República em 2022. Entre os integrantes da caserna que respaldam o ex-juiz, a percepção é de que Bolsonaro vai se desgastar muito até o início da campanha, em decorrência das constantes polêmicas que cria.
Moro é visto como um perfil moderado e que não vai gerar tantas turbulências quanto o atual chefe do Planalto. Outra avaliação é a de que, se eleito, Moro tende a manter Paulo Guedes no comando do Ministério da Economia.
Demonstração de força
O primeiro passo, em relação às mudanças, seria a troca de comando na PF, avaliada para ocorrer até o carnaval. No lugar, entraria um nome indicado por Fraga. A substituição do atual diretor-geral da corporação, Maurício Valeixo, seria uma demonstração de autoridade do presidente. Moro também não foi consultado previamente e, claro, é categoricamente contra.
Mourão joga bola para Congresso
O presidente em exercício, Hamilton Mourão, afirmou, nesta quinta-feira (23/1), que “nem sempre o governo consegue o que quer”. Questionado pelo Correio a respeito da eventual recriação do Ministério da Segurança Pública, ele disse que, caso o chefe do Executivo decida, será necessário passar ainda em votação no Congresso Nacional.
“Aguardo a decisão do presidente. O que eu sei: ontem (quarta-feira), houve uma reunião de secretários de Segurança. Primeiro com Ibaneis (Ibaneis Rocha, governador do Distrito Federal), que capitaneou isso aí, e, depois, foram ao Palácio do Planalto, com o presidente”, destacou. “Acho que Heleno (Augusto Heleno, ministro de Gabinete de Segurança Institucional) e ministro Ramos (da Secretaria de Governo) estavam juntos. Os próprios secretários de Segurança solicitaram a recriação desse ministério, o que levou o presidente a fazer uma declaração nesse sentido. Acredito que Heleno andou dando uns tuítes dizendo que: 'Vamos aguardar a decisão'”.
O vice emendou: “Vocês sabem muito bem que uma decisão dessa natureza vai para onde? Vai para o Congresso e aí vai ser votada lá. Então, vamos lembrar que tudo aquilo que o Executivo deseja fazer, nem sempre ele consegue, porque existe um diálogo com o Legislativo”, concluiu.
Heleno defende o chefe
O presidente Jair Bolsonaro compartilhou nas redes sociais, nesta quinta-feira (23/1), uma carta escrita pelo general Augusto Heleno, da Secretaria-Geral da Presidência. No documento, o militar defende o chefe. “A proposta de recriar o Ministério da Segurança Pública não é do presidente Jair Bolsonaro e, sim, da maioria dos secretários de Segurança Estaduais, que estiveram em Brasília”, afirmou no texto. “O que alguns não entendem é que o presidente é o capitão do time, ele escalou seus 22 ministros. As decisões são tomadas ouvindo os ministros, mas cabe a ele, como comandante, dar a palavra final, mesmo que isso contrarie alguns dos seus assessores ou eleitores.”
Movimentos de rua disparam críticas
Parte da estratégia que elegeu Jair Bolsonaro presidente da República em 2018, movimentos de rua alinhados à direita têm demonstrado insatisfação com a possibilidade de recriação do Ministério da Segurança Pública, hoje sob o guarda-chuva da pasta da Justiça, comandada por Sergio Moro.
Nas redes sociais, os movimentos Vem Pra Rua, Movimento Brasil Livre (MBL) e Nas Ruas aderiram à campanha #SegurançaComMoro. Com níveis diferentes de adesão ao governo, os grupos abordaram de variadas formas a situação que opõe Moro e Bolsonaro.
Para o MBL, mais crítico do governo, “Bolsonaro mente para Moro e para o Brasil” e leva adiante uma ideia “bizarra”. O Vem Pra Rua adotou tom mais comedido em relação a Bolsonaro e focou no presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ): “Finalmente, os crimes caíram em todos os estados do Brasil. Por que Rodrigo Maia quer retirar a Segurança Pública de Moro?”, publicou o movimento em sua página no Facebook.
O Nas Ruas intercalou publicações elogiosas a Bolsonaro com posts que pedem a permanência da Segurança Pública com Moro.
O nome do ministro da Justiça ficou durante todo o dia entre os assuntos mais comentados do Twitter brasileiro. Às 18h30, “Moro” acumulava mais de 140 mil menções. O ex-juiz não se pronunciou a respeito da eventual divisão de pastas, mas anunciou a criação de seu perfil no Instagram “para alcançar outro público na divulgação dos trabalhos do MJSP”.