Responsáveis por intermediar os interesses entre mercado, governo e consumidores com base em pareceres técnicos, as agências reguladoras terão desafios importantes este ano. São decisões que vão definir estruturas básicas que podem aumentar ou dificultar a produtividade e a competitividade da economia brasileira, que ensaia, ainda titubeante, uma retomada. Para especialistas, o Poder Executivo deve respeitar as decisões das agências, de modo que elas possam preparar o ambiente regulatório, contribuindo para reduzir o atraso que o país enfrenta em vários setores.
Se ficar para trás, o Brasil corre o risco de perder investimentos na dura competição internacional em várias frentes, principalmente aquelas que envolvem infraestrutura e tecnologia. É o caso de desafios que vão definir um futuro próximo, como a implementação da quinta geração das redes de comunicação móvel, o 5G, que permitirá, por exemplo, o uso da internet das coisas, ou seja, a conectividade entre aparelhos sem a intervenção humana.
Mas é também o caso do saneamento básico, uma agenda do século 19 que o Brasil ainda não resolveu, ou de outros problemas contemporâneos, como a falta de concorrência no setor de aviação civil e fontes alternativas de energia que ajudem a substituir a queima de combustíveis fósseis em tempos de mudanças climáticas, como o aumento da produção de energia solar.
Futuro
“O 5G será uma tema discutido durante o ano todo. Outros países já estão bem mais avançados, mas, na América Latina, apenas Peru e Uruguai estão na frente. O edital da Anatel é fundamental para começar a desenvolver o setor”, disse Marcos Ferrari, presidente do SindiTelebrasil, sindicato das operadoras do setor.
O leilão, que vai oferecer quatro faixas de frequência para o mercado explorar a nova tecnologia, chegou a ser previsto para o segundo semestre deste ano, mas conselheiros da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) fizeram dois pedidos de vistas do texto do edital, portanto, o mercado nem espera mais que a licitação seja realizada antes de 2022.
A faixa de 3,5 GHz é a que desperta mais interesse das empresas de telefonia. Segundo Ferrari, um dos desafios será desenvolver uma política para usuários de antenas parabólicas, que usam essa mesma frequência, e evitar que haja interferências. “Fazer uma modernização para o convívio na faixa deve custar R$ 500 milhões, e separar as frequências, R$ 8 bilhões”, alerta.
Ele afirma, ainda, que há uma ampla discussão a ser feita em torno da tributação do setor. Segundo Ferrari, o Brasil é um dos países que mais taxa serviços de comunicação móvel e, portanto, o imposto zero tornaria o país mais atraente para investimentos. “A tributação ainda está no modelo do telefone fixo, mas estamos na área de conectividade. É preciso modernizar”, diz.
O modelo de tributação virou polêmica em torno de um tema regulado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que, no ano passado, abriu consulta pública para rever parte da isenção concedida aos consumidores que produzem sua própria eletricidade, inclusive por meio de painéis solares. O presidente Jair Bolsonaro, porém, disse que a agência quer “taxar o Sol” e agora o assunto deverá ser tema de um projeto de lei no Congresso.
Interferência
Especialista em direito da regulação da FGV de São Paulo, Carlos Ari Sundfeld, vê interferência do presidente Bolsonaro no setor. “A decisão da Aneel foi tomada com base em estudos e pareceres técnicos. Essa é a forma de trabalho das agências reguladoras. A decisão da Aneel tinha força para acabar com subsídios a grandes empreendedores, principalmente do agronegócio, que geram excedentes de energia e não pagam impostos na transmissão e na distribuição. Com a interferência, o presidente mantém o subsídio, o que é uma distorção. Se o país quer incentivar energia solar, que coloque isso no Orçamento”, opina Sundfeld.
Na avaliação de Juliana Inhasz, professora de macroeconomia do Insper, que acompanha o tema regulação, o efeito da polêmica no setor é pequeno ante a mensagem que o presidente passa para o mercado. “Ele precisa entender melhor como as agências funcionam. Um dos papéis das agências é justamente blindar o mercado de interferências dos agentes do setor, inclusive o governo”, explica. “O recado passado ao mercado é de que as coisas mudam, o que cria insegurança jurídica e afasta investidores, e isso é muito negativo, principalmente agora, quando tem uma expectativa de retomada do crescimento”, diz.
Segundo Juliana, segurança jurídica é justamente o que as companhias estrangeiras aéreas de baixo custo esperam para se instalar no Brasil, desde que o país abriu esse mercado à participação de empresas 100% estrangeiras. “A Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) terá um papel superimportante, pois pode facilitar a estabilidade que o mercado aguarda e o Brasil precisa de concorrência neste setor, dominado por duas companhias”, afirma.
Apoio
Para Sérgio Guerra, professor de direito da FGV no Rio de Janeiro, com o avanço das tecnologias, as agências reguladoras vão enfrentar desafios crescentes. Portanto, devem ser fortalecidas e suas decisões técnicas, apoiadas pelo governo para terem condições de preparar o país para competir e receber investimentos.
“As entidades regulatórias voltadas para o setor econômico, como o Banco Central, o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) e a CVM (Comissão de Valores Mobiliários), são mais protegidas de ingerências políticas, pois podem levar a crises sistêmicas”, afirma. Na avaliação de Guerra, o presidente tem um viés de pautas tradicionais e tende a querer controlar mais as agências com temas ligados aos costumes ou a setores produtivos tradicionais, como o agronegócio. Ele lembra, porém, que a interferência não é uma exclusividade do governo Bolsonaro. “O Brasil se inspirou no modelo regulatório americano, mas tem dificuldade de implementá-lo, porque o poder central não quer abrir mão da influência.”
Na quarta-feira, Bolsonaro disse que vai obedecer aos critérios técnicos no preenchimento das 23 vagas diretoria que estão abertas, ou por abrir este ano, nas agências reguladoras. No entanto, afirmou que vai escolher os nomes com base não apenas na liberdade econômica, mas também na agenda moral, de valores e de costumes. Segundo ele, as agências são “autônomas”, mas não “soberanas”.
Fernando Franco, presidente da Associação Brasileira das Agências de Regulação (Abar), acha que a política econômica que o governo quer implementar, de orientação liberal, requer regulação forte. “A maior autoridade do país não pode contradizer o parecer técnico de uma agência reguladora, como aconteceu com a Aneel, pois passa um recado de que não é positivo. Às vezes, pode parecer que a agência está tomando uma decisão imparcial, quando, na verdade, busca criar um ambiente que concilia vários fatores, como boa prestação do serviço, tarifa módica, e equilíbrio entre os segmentos. Não é fácil entender como elas fazem para não causar desequilíbrio no mercado. O governo precisa confiar nas agências”, diz.
Elson José da Silva, da União Nacional dos Servidores de Carreira das Agências Reguladoras Federais (UnaReg), afirma que há setores do governo que apoiam as agências. “O ministro da Infraestrutura (Tarcísio Freitas) valoriza muito o trabalho técnico das agências vinculadas a ele, como Antaq (Agência Nacional de Transportes Aquaviários), a ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) e a Anac. Já o Ministério de Minas e Energia é mais tímido em defender a ANP (Agência Nacional do Petróleo) e a Aneel, mas elas estão trabalhando livremente, mesmo criticadas. A agência que mais preocupa é a Ancine (Agência Nacional de Cinema), que está operando apenas com o diretor-presidente. Estamos tentando obter espaço na agenda do ministro (do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio) para tratar desse assunto.