Politica

Reforma administrativa será só para o Executivo

Integrantes do Legislativo e do Judiciário não serão atingidos pelas mudanças que a equipe econômica prepara para enviar ao Congresso, em fevereiro. Especialista diz que alterações têm de englobar os três poderes, para reduzir os gastos públicos. Proposta será fatiada

 
A reforma administrativa que o governo pretende enviar ao Congresso em fevereiro, conforme prometido pelo presidente Jair Bolsonaro, deve se ater apenas aos servidores do Executivo. Integrantes dos demais poderes, como juízes, integrantes do Ministério Público e parlamentares, não entrarão nas mudanças, de acordo com um dos integrantes da força-tarefa criada no Ministério da Economia para tratar do tema.

A pasta, responsável pelos ajustes da proposta, entende que a decisão de acabar, por exemplo, com os supersalários e benefícios excessivos de algumas funções, caberá aos poderes envolvidos. Ao Executivo, fica a missão de tentar reajustar as carreiras de servidores que compreendem a União — estados e municípios podem ser incluídos — para desenvolver um modelo mais eficiente de serviço público.

Sem mexer em estabilidade, salários e funções atuais, a reforma não tem como prioridade reduzir despesas. “O mais importante é melhorar a prestação de serviço”, explicou o integrante da força-tarefa ouvido pelo Correio. A princípio, nenhum cargo será cortado, nem os mais incomuns, como operador de videocassete e datilógrafo. “Eles continuarão existindo, mas uma nova solução de pessoal vai ser mais condizente com as necessidades de 2020”, acrescentou.

Durante café da manhã com jornalistas, o secretário especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia, Paulo Uebel, antecipou que a matéria será enviada ao Congresso em doses homeopáticas. Primeiro, o governo vai encaminhar uma proposta de emenda à Constituição (PEC) com os principais pontos da reestruturação de carreiras da administração federal. Depois, virão os projetos de lei e decretos para complementar medidas e reestruturações de carreiras e de salários, por exemplo.

Uebel reforçou alguns pontos que não devem ser mudados para os atuais servidores. “A proposta não vai mexer com a estabilidade. Não vai haver mudança nos salários e não vai haver desligamento.” 

De acordo com o secretário especial adjunto de Desburocratização, Gestão e Governo Digital, Gleisson Rubin, por questões legais, essa reforma será feita em etapas, ao contrário do que aconteceu com a reforma da Previdência. “A reforma administrativa será diferente da previdenciária, porque há matérias constitucionais e infraconstitucionais. E, por conta disso, o projeto vai ter que olhar para todo o ordenamento legal da administração pública”, explicou. 

Incompleta
Na avaliação do especialista em contas públicas e secretário-geral da Contas Abertas, Gil Castello Branco, uma reforma administrativa apenas no Executivo não será eficiente e não atingirá o objetivo esperado, que é cortar a segunda maior despesa obrigatória. “Uma reforma precisa atingir os três poderes. Não tem como imaginar que ela só tenha o objetivo de melhorar o serviço. Pessoal é o segundo maior gasto entre as despesas da União e é preciso corrigir distorções, pois o salário do funcionalismo é muito maior do que a média do setor privado”, destacou. “Os servidores do Legislativo e do Judiciário são os que recebem as maiores remunerações e os penduricalhos mais custosos para os cofres públicos.”

Castello Branco lembrou que os gastos do Brasil com pessoal são muito maiores do que os de outros países. “Conforme dados do Banco Mundial, a diferença entre os salários do setor público federal e do privado fica 21% acima da média internacional.”

Segundo Uebel, o gasto com o funcionalismo no Brasil gira em torno de 13,6% do Produto Interno Bruto (PIB), percentual acima dos registrados por países desenvolvidos, como Estados Unidos e França, que ficam abaixo de 10%. “Em relação à reforma administrativa, aprimorar a gestão é, sem dúvida, um objetivo importante, mas não há como ignorar o componente fiscal, principalmente, quando o rombo previsto nas contas públicas para este ano é de R$ 124,1 bilhões”, reforçou.

Na avaliação de Castello Branco, se o governo não enviar uma ampla proposta de reforma, mostrará que está com receio de manifestações dos servidores. “O funcionalismo é uma classe unida e tem pressão grande em ano eleitoral. E os parlamentares também têm interesses nas eleições deste ano, pois muitos deverão ser candidatos”, frisou.

Modelo
Inspirado nos militares e nos magistrados, um ponto do projeto, ainda em avaliação, proíbe que integrantes de determinadas carreiras sejam filiados ou atuem em temas político-partidários. “Serão, basicamente, as carreiras de Estado. A questão foi levantada pelos servidores ao tratarmos de mudanças na estabilidade”, contou outro integrante da equipe que rascunha a reforma. “Alguns ficaram preocupados que avaliações de desempenho fossem prejudicadas pelo viés político.”

Mesmo com o período eleitoral, o governo espera aprovar a reforma administrativa até dezembro. Um dos motivos para a pressa é aproveitar a “janela” de aposentadorias dos servidores públicos nos próximos anos. Estudo do Ministério da Economia prevê que 21% do funcionalismo vai parar de trabalhar até 2024. Esse total sobe para 42% em 2030 e 61%, em 2039. “Com tanta gente saindo, os que entrarem terão regras novas, o salário não vai ser completo logo nos primeiros anos, e as provas de desempenho vão trazer gente mais qualificada”, ressaltou uma técnica da Esplanada dos Ministérios.

R$ 318,8
bilhões

Valor gasto pela União, de janeiro a novembro de 2019, com pessoal e encargos sociais. Foi a segunda maior despesa primária no período, atrás somente dos custos com benefícios previdenciários, de R$ 629,3 bilhões

Agenda reformista

Veja as diferenças entre as reformas administrativa e previdenciária

Administrativa Previdenciária
Será fatiada em ao menos três etapas: proposta Aprovada como proposta de emenda à Constituição 
de emenda à Constituição (PEC), projeto de lei (PEC) no plenário da Câmara e do 
complementar (PLC) e projeto de lei (PL)          Senado, em dois turnos em cada Casa

Tem seu foco mais na agilidade do serviço Foi criada para amenizar o rombo fiscal do país, às 
público, com a modernização de carreiras e vésperas de um colapso no sistema previdenciário 
do sistema, do que na redução de gastos brasileiro, que gasta muito mais que arrecada

Não será implementada imediatamente após Passou a valer logo quando a emenda à 
aprovação no Congresso. Precisa ser tratada pelo Constituição foi aprovada
 governo como uma medida de gestão contínua

Deve atingir, inicialmente, servidores das três As novas regras do INSS atingiram trabalhadores da 
esferas do poder público (federal, estadual          iniciativa privada e os servidores federais. As esferas 
e municipal)                                                 estaduais e municipais acabaram contempladas na  
                                                                PEC paralela,ainda em tramitação

Será implementada apenas para novos   Alcançou todos os brasileiros que ainda não tinham
integrantes da administração pública         os requisitos para se aposentar