Integrantes do Judiciário discutem uma solução caseira e independente para a implantação do juiz das garantias, sem engordar o orçamento, no prazo de até um ano, apesar de a lei prever o novo posto funcionando a partir de 23 de janeiro. Para separar a investigação do julgamento no rito processual nas capitais, a ideia é colocar juízes substitutos no front, acumulando, quando necessário, mais de uma vara judicial. No interior, onde a quantidade de magistrados é menor, o modelo seria igualmente implementado. A única diferença é que, na falta de substitutos, alguns titulares ficariam responsáveis pela investigação. Como não é possível criar varas judiciais sem anuência do Legislativo, o trabalho seria feito por Núcleos Especiais de Garantias.
Esses núcleos seguem a mesma lógica dos Núcleos de Audiências de Custódia, responsabilidade dos magistrados. Tratariam de um único braço do rito processual — a investigação dos processos — e exerceriam essa atividade em mais de uma vara judicial ao mesmo tempo. É possível conferir a um único juiz das garantias, por exemplo, a responsabilidade pelos inquéritos policiais de casos criminais, de violência doméstica e do tribunal do júri. “A correlação entre as áreas faria com que os processos ficassem mais imparciais. O julgamento é mais célere, e isso cria juízes especializados”, explica um integrante do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que pediu para não ser identificado.
O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, defende a teoria de que o juiz das garantias não vai deixar o Judiciário brasileiro mais caro. “Criou-se a ideia de que aumenta o custo, não é o caso”, disse, durante a primeira reunião do grupo de trabalho criado por ele no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para definir um projeto de implementação. Três outros ministros da Corte falaram informalmente com o Correio. Dois consideram a medida “inteligente” e passível de ser implantada sem custos .
Um deles disse à reportagem que “vale a experiência”, mas que seria necessário compensar financeiramente os juízes substitutos, que responderiam pelos Núcleos de Garantias e os titulares com acúmulo de função. O gasto ainda não foi precificado. “No interior, a sobrecarga pode ser paga com Gratificação de Acúmulo de Função (1/3 do salário) e, nas capitais, basta titularizar o juiz substituto. Há aumento real quase sem impacto. Resolve-se o problema”, apontou um dos integrantes do Supremo.
Sem detalhar o planejamento, outro ministro do STF disse que a ideia “não é acumular, mas dividir” funções usando a estrutura judiciária com nova organização. Juízes seriam remanejados para os núcleos especiais e responderiam apenas aos ritos processuais envolvidos ali. Não teriam carga de processos, por exemplo. “Você coloca dois, três, cinco juízes das garantias nos tribunais maiores e eles ficam responsável exclusivamente por essa atividade. É um ganho de tempo para todos”, opinou o ministro.
A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) enviou documento ao corregedor-geral de Justiça, Humberto Martins, sugerindo soluções para varas únicas. Nesses casos, a entidade aponta a possibilidade de que magistrados de comarcas vizinhas atuem como juiz das garantias para que o titular da região possa conduzir, sem vícios, a audiência e sentenciar o crime. “Isso chegou ao nosso conhecimento, mas ainda estamos discutindo a situação dos substitutos e do agrupamento”, confirmou um dos integrantes do grupo de trabalho de Toffoli no CNJ.
Prazo
O projeto de implantação do juiz das garantias deveria ser entregue amanhã pelo grupo de trabalho do CNJ, mas conselheiros e magistrados pressionam por prazo bem mais longo: eles têm a expectativa de defini-lo até o fim do ano. Assim, a reorganização no Judiciário começaria em 2021. Reuniões entre magistrados e conselheiros têm ocupado a agenda da Justiça neste início de ano. “Faz mais sentido se houver tempo para ponderar e deliberar, com certeza”, explicou o professor de direito constitucional Antônio Merval, da Universidade de São Paulo (USP).
“Existe uma eleição neste ano, o Judiciário estará ocupado com as questões envolvendo a validade de um dos maiores pleitos da nossa democracia”, acrescentou.
Dois juízes
O juiz das garantias é um magistrado que atua apenas na fase de investigação, determinando prisões temporárias, preventivas, ou medidas cautelares, por exemplo. O magistrado, nesse caso, é responsável por conduzir atos de investigação, como determinar cumprimento de mandados de busca e apreensão. O julgamento do processo fica a cargo de outro juiz.
CNJ recebe 99 sugestões
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) anunciou, ontem, que recebeu 99 sugestões para a implantação do juiz das garantias. De acordo com a entidade, as propostas foram recebidas por meio de consulta pública na internet, com o objetivo de ouvir magistrados, tribunais, associações de juízes, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Defensoria Pública da União (DPU) e o Colégio Nacional de Defensores Públicos-Gerais (Condege). Das sugestões recebidas, 78 foram enviadas por magistrados e 17 remetidas por tribunais. A OAB, a DPU, o CNMP e a Associação dos Juízes Auditores Militares (Amajme) também enviaram suas contribuições.