O presidente da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Celso Moretti, afirmou, nesta segunda-feira (13/1), que o presidente Jair Bolsonaro acertou ao não incluir o centro científico na lista de patrimônios públicos a serem privatizados.
"Foi uma decisão acertada, porque é uma empresa pública que em sua trajetória de 46 anos deu muitas contribuições para o agro brasileiro", disse Moretti em entravista no programa CB.Poder, parceria do Correio com a TV Brasília (assista a íntegra da entrevista abaixo).
Segundo ele, a manutenção da Embrapa como uma empresa pública é uma questão de segurança nacional, devido ao conhecimento e ao banco de amostras constituído pela empresa desde sua criação. Ele lembrou que a Embrapa abriga cerca de 120 mil amostras de plantas, animais e microrganismos no proejto Arca de Noé Brasileira.
"É uma questão de segurança nacional, que vai garantir o futuro dos meus filhos, meus netos e meus bisnetos. Se a gente tiver uma doença ou uma praga séria na agricultura ou na pecuária e não tivermos o remédio para resolver isso, é lá que a gente vai buscar a diversidade biológica", disse. "Se for privado, ele (o dono) pode simplesmente dizer: 'Isso aqui é meu e eu não vou abrir mão'. É uma questão de segurança nacional, mais do que de segurança alimentar."
Parceria com o setor privado
Essa visão, porém, não exclui, segundo Moretti, a possibilidade de a Embrapa trabalhar com o mercado. Segundo ele, a empresa tem cerca de 250 mil contratos com empresas privadas nacionais e internacionais. Ele citou como exemplos a parceria com uma empresa francesa que busca conservar e melhorar a produção de maças no país e contratos com grandes produtores de proteína animal no Brasil. "Nós tivemos muitas assinaturas de convênios nesses últimos cinco meses", informou.
A caminho de missão nos Emirados Árabes, o presidente da Embrapa explicou que as parcerias com o setor privado externo são ainda mais importantes, pois, além de captar recursos, são capazes de abrir possibilidades para setor privado brasileiro.
"O Brasil saiu de uma situação de importador de alimentos para um dos maiores exportadores de alimentos, fibras e bioenergia. Para isso, investimos solidamente em pesquisa de agropecuária e, hoje, não tem nenhum outro país no cinturão tropical do globo que tem capacidade de fazer isso", disse. "A ideia é que a Embrapa sirva como uma ponta de lança para nós levarmos tecnologia de produção tropical, mas carregamos juntos o setor privado brasileiro.”
Em relação ao orçamento anual, ele disse que o deste ano é similar ao de 2019. "Nós temos quase todo o recurso. Se tivesse mais, seria melhor. Tudo pode melhorar. É importante colocar que, apesar de termos recursos do Tesouro, a Embrapa vai atrás de recursos privados e de outros países", comentou. "Tivemos apoio do Congresso Nacional que acabou aportando no final”, acrescentou.
O aporte a que se refere foi de R$ 80 milhões. A área da pesquisa na estatal utiliza em torno de R$ 200 milhões a R$ 300 milhões do orçamento. "É difícil fazer um corte num ano apenas, porque os projetos trazem dinheiro de anos anteriores", explicou.
Redução de quadro e modernização
Há 25 anos na Embrapa, antes como pesquisador, Moretti assumiu o comando da presidência em 2019, nomeado pela ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Tereza Cristina Corrêa. Desde a nomeação, Moretti diz que efetuou ações focadas na área administrativa da sede da empresa, como o Programa de Demissão Incentivada, que teve adesão de mais de 1,3 mil colaboradores.
“O que nós queremos é reduzir o número de quadro de cargos comissionados. Hoje, pode ser que uma pessoa tenha o cargo comissionado e amanhã não tenha.”
O maior desafio de 2020, segundo ele, é a agricultura digital. "A informação que nós temos é que 66% do território brasileiro têm acesso à internet. Na China, são mais de 90%. O Congresso Nacional acabou de aprovar uma legislação para se aumentar a conectividade e eu entendo que isso vai ser um dos desafios a serem vencidos em 2020”, frisou.
Porém, a conectividade não é o único percalço a ser superado na agricultura digital. "Há pouco tempo vi um jovem dizendo que quando ele era pequeno o pai dele dizia que se ele não estudasse, ele iria trabalhar na roça. Agora, para trabalhar na roça precisa estudar, porque há um conjunto de sensores, inteligência artificial, drones. É um mundo novo. Com a chegada das startups, vejo que vamos precisar capacitar melhor ainda nosso produtor."
Sustentabilidade e agrotóxicos
Moretti defendeu ainda o papela da Embrapa na manutenção da segurança alimentar do país, que, hoje, segundo ele, vive uma situação confortável. "O Brasil está numa situação muito confortável, ainda que tenhamos problemas de distribuição de alimentos e de acesso, por um problema de renda. Da década de 1970 até hoje, o trabalho de pesquisa na agropecuária possibilitou que nós tivéssemos uma redução de mais de 70% no valor da cesta básica no Brasil”, afirmou.
Segundo ele, o país alimenta quase 1,4 bilhão de pessoas em todo o globo com a quantidade de alimentos, fibras e bioenergia que produz. Moretti considera ainda "invejável" a sustentabilidade da produção agropecuária, baseado na preservação de 63% do território brasileiro, que considera, além da Amazônia, os parques nacionais, estaduais e municipais.
"Outro ponto que sempre está na agenda é a questão dos agrotóxicos. O Brasil, segundo dados da FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura), está na 44ª de colocação no uso de agrotóxicos. São 3,4 quilos ou litros por hectare”, disse Moretti, que acredita que o uso de pesticidas no país é justificado pela produção alimentícia elevada.
O presidente defendeu que o brasileiro pode ficar despreocupado em relação à segurança com os defensivos agrícolas, pois a legislação brasileira preconiza a avaliação de três órgãos para liberar uma nova molécula no mercado. São o Ministério da Agricultura, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
"Do ponto de vista de arcabouço legal, acho que o Brasil não deve a nenhum outro país do mundo em ponto de vista de práticas e processos. O produtor tem a consciência de que o alimento que ele vai colocar na mesa do consumidor é o alimento que ele vai colocar para sua família consumir também", argumentou. "As condições são dadas, é impossível ter certeza de que 100% do que está chegando na mesa é seguro. Mas o arcabouço legal e a capacitação que os produtores recebem vai nessa direção."
*Estagiária sob supervisão de Humberto Rezende