Magistrados e tribunais de todo o país apresentaram pelo menos 70 sugestões ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) sobre como deve se dar a implementação da figura do juiz das garantias, incluída no pacote anticrime aprovado pelo Congresso e sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro. Entre as proposições recebidas pelo órgão, a principal diz respeito à criação de varas regionalizadas, nas quais os magistrados atuem somente como juiz das garantias.
Também foram recebidas sugestões como: digitalização dos processos físicos; instituição de um departamento para tramitação de inquéritos policiais nas sedes das circunscrições judiciárias; realização de audiências, principalmente de custódia, por videoconferência; prorrogação do prazo de implementação e defesa da autonomia dos tribunais de Justiça para organizar e regulamentar a implementação do instituto.
As propostas serão analisadas por um grupo de trabalho instituído pelo presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli, para elaborar um estudo relativo à aplicação da norma. Até 15 de janeiro, o magistrado e o corregedor nacional de Justiça, Humberto Martins, coordenador do grupo, devem apresentar proposta de ato normativo para definir qual deve ser a atuação do juiz das garantias — o CNJ é o órgão responsável pela implementação da nova lei, que começará a ser aplicada em 23 de janeiro.
Participaram da consulta pública tribunais, associações de juízes, magistrados, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), a Defensoria Pública da União (DPU), o Colégio Nacional de Defensores Públicos-Gerais (Condege) e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), esta última, responsável por sugerir que a regulamentação para a efetivação do juiz das garantias seja feita mediante dois sistemas: de regras para as futuras investigações e processos que venham a se iniciar e de normas de transição para as apurações e ações em curso.
Em documento publicado nesta sexta-feira (10/1), a OAB defende que, nas comarcas e subseções judiciárias em que houver pluralidade de varas criminais, uma delas seja preparada para ter por competência específica as matérias atribuídas ao juiz das garantias. O texto também considera as dificuldades e peculiaridades das comarcas em que há apenas um magistrado exercendo a jurisdição.
Dois magistrados
O juiz das garantias é um magistrado que atua apenas na fase de investigação, determinando prisões temporárias, preventivas, ou medidas cautelares, por exemplo. O magistrado, nesse caso, é responsável por conduzir atos de investigação, como determinar cumprimento de mandados de busca e apreensão. O julgamento do processo fica a cargo de outro juiz.
Congresso mira Justiça Eleitoral
Após a sinalização da Procuradoria-Geral da República (PGR) de que sejam impostas restrições à atuação do juiz das garantias, parlamentares estudam recomeçar a discussão em torno da decisão tomada, em março do ano passado, pelo plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) de enviar para a Justiça Eleitoral delitos comuns que tenham conexões com as eleições, como o crime de caixa 2.
Deputados e senadores contrários à medida, que já queriam reverter o entendimento da Corte por avaliarem que a Justiça Eleitoral não deve processar e julgar tipos penais distintos daqueles diretamente relacionados com o processo eleitoral, pretendem reforçar o pedido devido ao receio de que a figura do novo magistrado atrapalhe a condução dos processos.
Na quinta-feira, o procurador-geral da República, Augusto Aras, enviou ao CNJ recomendações para a implementação do juiz das garantias. Em uma delas, destaca que “considerando a decisão do Supremo Tribunal Federal que entendeu ser a Justiça Eleitoral competente para processar cautelares e julgar ações penais relacionadas aos crimes conexos àqueles de caixa dois, como os de lavagem de ativos, é necessário esclarecer se a nova lei se aplica à Justiça Eleitoral ou se é necessária modificação expressa em legislação específica”.
Diante disso, os parlamentares responsáveis por duas propostas em tramitação no Congresso, que visam estabelecer a competência da Justiça Federal e da Justiça Estadual para processar e julgar os crimes contra a administração pública e os de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores no âmbito de campanhas eleitorais, querem aproveitar para convencer mais colegas a derrubar a decisão do STF.
Um dos projetos é do senador Major Olímpio (PSL-SP). Ele alega que a presença de um juiz das garantias na esfera eleitoral fará com que os “crimes fiquem duplamente comprometidos”. Para Olímpio, o julgamento de delitos eleitorais já fica prejudicado, porque os integrantes do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), dos tribunais regionais eleitorais e das juntas eleitorais, em geral, ocupam funções em outros órgãos. Dos sete membros do TSE, por exemplo, três são ministros do STF e dois, do Superior Tribunal de Justiça (STJ) — os outros dois são advogados, definidos por ministros do Supremo.
“A Justiça Eleitoral não tem estrutura para julgar, além de crimes eleitorais, aqueles comuns conexos às eleições. Pode gerar uma lentidão imensa e uma sensação de quase impunidade total”, disse.